Unesco

NOTÍCIAS

Balanço e Atualidade da Convenção da Diversidade Cultural

POR: GISELLE DUPIN

No momento em que se completam 15 anos da adoção, pela UNESCO, da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais[1], torna-se oportuno fazer um breve balanço sobre a trajetória desse acordo internacional para avaliar em que medida ele alcançou até o momento seus objetivos ou parte deles.

Reunindo atualmente 148 países e a União Europeia, a Convenção de 2005 (como é conhecida na UNESCO) foi criada com o objetivo principal de reequilibrar as trocas internacionais de bens e serviços culturais, então dominada pela produção dos países do hemisfério Norte e, principalmente, pelos norte-americanos. A proposta de uma Declaração da Diversidade Cultural (aprovada em 2001)[2] e, em seguida, de uma Convenção nasceu na UNESCO após intensos debates travados no âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC, em um cenário de liberalização de comércio cada vez mais abrangente, que viria certamente reforçar a predominância da circulação da produção cultural dos países mais ricos. Com a Convenção, a comunidade de gestores e produtores culturais que se mobilizou naquele momento pretendia, portanto, preservar e fortalecer as culturas minoritárias, dando-lhes espaço para sobreviver a uma dinâmica de globalização crescente.

Uma vez adotada, os primeiros anos de vigência da Convenção foram dedicados principalmente à elaboração de suas diretrizes operacionais[3] e à estruturação do Fundo Internacional para a Diversidade Cultural (FIDC) para financiar projetos culturais de países em desenvolvimento. O primeiro edital do FIDC foi lançado em 2010, quando foram beneficiadas 32 propostas. Desde então, o FIDC investiu mais de oito milhões de dólares para o financiamento de 114 projetos culturais de 59 países, dentre os quais três projetos de organizações da sociedade civil do Brasil[4]. Entretanto, o FIDC é alimentado por doações voluntárias, ao contrário das demais Convenções culturais da UNESCO, cujos fundos recebem contribuições obrigatórias de seus membros. Essa característica, associada à inexistência de divulgação sobre o FIDC – para o qual qualquer indivíduo, empresa, organização ou país pode contribuir – fizeram com que gradualmente os recursos disponíveis fossem reduzidos, o que provocou uma limitação do número de propostas beneficiadas. Assim, na edição de 2020, os recursos do FIDC foram suficientes para financiar apenas nove projetos culturais[5].

Ao longo da década de 2010, enquanto a OMC e suas rodadas de liberação de comércio perdiam força, o mundo assistia ao aprofundamento da revolução provocada pela tecnologia digital, com a desmaterialização dos bens culturais. A identificação do fenômeno levou a 6ª Conferência das Partes da Convenção a adotar um conjunto de diretrizes operacionais específicas para o ambiente digital[6]. Entretanto, tendo em vista o caráter transfronteiriço das grandes empresas de conteúdo, é fácil perceber que a Convenção não tem força para promover a diversidade cultural das publicações no espaço virtual, mesmo porque, em grande medida, são os próprios usuários que publicam nas plataformas, o que está diretamente ligado à questão do acesso à Internet – evidentemente desigual entre e no interior dos diversos países e culturas do mundo.

Apesar disso, a Convenção tem sido muito útil para impulsionar políticas públicas de cultura, bem como as áreas da pesquisa e da gestão cultural. Após constatar a dificuldade de grande parte dos países em desenvolvimento para cumprir com a obrigação prevista no Artigo 9ª da Convenção – qual seja, a de fornecer, a cada quatro anos, relatórios à UNESCO com informações sobre as medidas adotadas para proteger e promover a diversidade das expressões culturais em seu território e no plano internacional – foi elaborado, em 2011, o projeto “Fortalecer o sistema de governança da cultura nos países em desenvolvimento”. O financiamento da União Europeia e, em seguida, da Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, permitiu a formação de um banco de especialistas internacionais de diferentes países, que atuam em duas frentes: na sistematização de dados e elaboração de publicações com informações sobre a implementação da Convenção, parte delas coletadas nos relatórios quadrienais dos países membros da Convenção; e em missões de assistência técnica (realizadas a partir de 2012) para fortalecer as capacidades humanas e institucionais, bem como os sistemas de governança da cultura dos países que solicitam ajuda.

Desde sua criação, o banco de especialistas foi renovado duas vezes (em 2015 e 2019). Composto atualmente por 42 especialistas de 35 países[7], o grupo tem como principal missão apoiar os países membros na criação de novos marcos regulamentares para fortalecer as indústrias culturais e criativas e a promoção da cooperação Sul-Sul.

Com a contribuição deles, a UNESCO publicou uma série de relatórios mundiais para “Repensar as Políticas Culturais”: Repensar as Políticas Culturais (2015); A Criatividade no Centro Desenvolvimento (2019); e Liberdade & Criatividade: defender a arte, defender a diversidade (2020). Além de analisar as tendências, avaliar os progressos e identificar desafios, esses trabalhos fornecem exemplos de políticas inovadoras que visam a promover a diversidade das expressões culturais em diferentes países. Essas publicações também fornecem subsídios para apoiar os governos e a sociedade civil na criação de políticas e na gestão cultural, e contribuem para ampliar a reflexão sobre o setor e para sua inclusão no debate e nas políticas de desenvolvimento sustentável.

Recentemente, a UNESCO criou o Projeto “Repensar as políticas culturais para a promoção das liberdades fundamentais e a diversidade das expressões culturais”, que traz dentre seus objetivos o de promover o debate público sobre temas emergentes, como a igualdade de gêneros no setor da cultura, a diversidade dos meios de comunicação e a liberdade artística. Neste sentido, já estão sendo desenvolvidos estudos sobre a proteção jurídica da liberdade artística e a proteção dos direitos sociais e econômicos dos profissionais da cultura.

Apesar da crise financeira que atravessa e de sua dependência crescente de contribuições voluntárias, a UNESCO vem conseguindo propor reflexões essenciais sobre as principais questões abordadas pela Convenção de 2005. Isto é particularmente importante neste momento em que a comunidade mundial enfrenta uma pandemia que causa especial impacto sobre toda a cadeia produtiva da cultura e sobre a própria condição dos artistas e profissionais da cultura. Diante disto, espera-se que, mais uma vez, a Convenção sobre a Diversidade Cultural seja lembrada como uma ferramenta fundamental para o enfrentamento da crise e a promoção da cultura, e que seus membros estejam à altura do desafio que adotaram 15 anos atrás.

 

[1] Ratificada no Brasil pelo Decreto nº 6.177, de 1º de agosto de 2007, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6177.htm.

[2] Disponível em http://www.unesco.org/new/fileadmin/MULTIMEDIA/HQ/CLT/diversity/pdf/declaration_cultural_diversity_pt.pdf

[3] Disponíveis (em espanhol) em https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000370521_spa.page=28, p.25-96.

[4] A lista com todos os projetos apoiados está disponível (em espanhol) em: https://es.unesco.org/creativity/ifcd/projects

[5] Conforme Anexo da Decisão 13.IGC 5a da 13ª reunião do Comitê Intergovernamental da Convenção de 2005, realizada em Paris de 11 a 14 de fevereiro de 2020, disponível em inglês em: https://en.unesco.org/creativity/sites/creativity/files/sessions/13igc_decisions_en.pdf, página 4.

[6] Ver Boletim do ODC “Diversidade Cultural no Ambiente Digital”, V70, N.06.2017 – JULHO 2017, disponível em: https://observatoriodadiversidade.org.br/wp-content/uploads/2017/07/ODC_BOLETIM_julho_2017.pdf

[7] Informações disponíveis em inglês em: https://en.unesco.org/creativity/partnerships/expert-facility

Deixe aqui o seu comentario

Todos os campos devem ser preenchidos. Seu e-mail não será publicado.

ACONTECE

Chamada para publicação – Boletim 101, N. 01/2024

CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária  Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024   A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]

CURSOS E OFICINAS

Gestão Cultural para Lideranças Comunitárias – Online

O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, patrocínio do Instituto Unimed, realiza o ciclo de formação GESTÃO CULTURAL PARA LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. Período de realização: 10, 17 e 24 de outubro de 2024 Horário: Encontros online às quintas-feiras, de 19 às 21h00 Carga horária total: 6 […]

Mais cursos