Em 31 de março de 1964, o general Olímpio Mourão Filho deslocou cerca de três mil soldados do Destacamento Tiradentes, de Belo Horizonte, para o Rio de Janeiro a fim de consolidar o golpe de Estado que garantiria duas décadas de governo aos militares. O Brasil inaugurava então o período de 21 anos de ditadura civil-militar que se encerraria apenas em 1985.
Com a edição, em 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5 (AI 5) iniciou-se a fase mais repressiva do regime que conferiu, durante dois anos, o poder de exceção aos governantes, para punir arbitrariamente quem fosse considerado inimigo político, instalando os chamados “anos de chumbo”.
Foram inúmeras as ações para dar fim ao regime militar e, muitas delas, contaram com a participação das mulheres. Ativas no processo de redemocratização, as mulheres atuaram em diferentes frentes e formas diversas, para combater o período mais cruel da história política de nosso país.
A década de 1960 foi marcada pela emancipação da mulher. O acesso aos estudos, a inserção progressiva no mercado de trabalho, a participação (ainda que tímida) na esfera política e o direito ao uso de contraceptivos contribuíram para que as mulheres marcassem novos papéis na sociedade.
A partir dos anos 1970, iniciou-se de forma considerável o ingresso de mulheres nas universidades e eram justamente nas universidades, por meio do movimento estudantil, que muitos movimentos de resistência à ditadura se organizavam. Inseridas nesse espaço, elas conseguiram atuar politicamente em organizações clandestinas para combater à ditadura.
Concomitante à entrada das mulheres na universidade, surgiu no Brasil a chamada “segunda onda do feminismo”, um período de debates feministas voltados para questões como família, mercado de trabalho, desigualdades legais, sexualidade e direitos reprodutivos. A conjuntura nacional inseriu um ponto importante na agenda feminista no Brasil: o combate à ditadura. Dessa forma, o debate dentro do movimento feminista envolvia a luta das mulheres contra a ditadura e a busca por seus direitos.
Resistência
A atuação das mulheres durante a ditadura militar divide-se em duas frentes. Uma delas compreende a participação nos grupos de resistência, armados ou não. Os movimentos de guerrilha surgiram por volta dos anos 30 e se fortaleceram após o golpe militar que depôs o presidente João Goulart em 1964, visando a libertação do país por meio de uma revolução de cunho socialista. A militância feminina envolvia-se no enfrentamento ao regime político e em causas feministas. Mulheres que ficaram na história do Brasil, registrada pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) que investigou, de 2011 a 2014, as violações de direitos humanos ocorridas durante o período.
A feminista Maria Amélia de Almeida Teles destacou-se na militância. Conhecida como Amelinha, foi uma das criadoras da publicação “Brasil Mulher” (1975-1980) que divulgava a causa e tratava de temas voltados a mulher. A integrante do partido PCdoB foi presa pela Operação Bandeirantes e torturada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. O marido de Amelinha, Carlos Danielli, foi assassinado na sua frente, e os filhos, crianças de 4 e 5 anos à época, levados para assistirem às sessões de tortura com pau-de-arara, choques e violência sexual. A vitória da família em ação judicial tornou Ustra o primeiro torturador reconhecido da história da ditadura no Brasil, em 2008. Mais recentemente, seu nome se tornou conhecido, pela população em geral, por ser mencionado como ídolo pelo presidente, Jair Bolsonaro.
Marcou o protagonismo feminino também a altivez de Dinalva Teixeira que atuou como guerrilheira do Araguaia, presa, torturada e assassinada em 1974, em Tocantins, enquanto estava grávida. “Eu quero morrer de frente”, disse Dina, segundo o relatório da CNV, a seu assassino, Joaquim Lopes de Souza, de codinome Ivan. A Comissão da Verdade foi instalada em 2012 pelo Ministério da Justiça, durante o governo da ex-presidente Dilma Roussef que, em 1970, também foi presa e submetida a torturas pela Operação Bandeirantes, realizada durante a ditadura militar.
Outra frente de resistência foi composta por mulheres que tiveram familiares vitimados pela ditadura militar – mães, esposas e irmãs de pessoas torturadas, presas ou assassinadas, e que se mobilizaram contra às práticas repressivas dos militares. Essas mulheres se organizaram para ajudar a proteger procurados do regime militar, seja viabilizando esconderijos ou a fuga para o exterior.
O grupo estava diretamente ligado às causas dos Direitos Humanos e teve grande importância, principalmente a partir do Movimento Feminino pela Anistia, em 1975, com o objetivo de conscientizar e pressionar a sociedade e o governo, mostrando a necessidade de anistia. A estilista Zuzu Angel tornou-se um símbolo da luta na busca obstinada do corpo do filho, nunca encontrado, Stuart Angel, militante do Movimento Revolucionáro 8 de Outubro (MR-8), sequestrado por agentes da repressão em 1971.
A participação feminina ao longo dos 21 anos de ditadura militar no Brasil resultou em direitos sociais e políticos assegurados por lei às mulheres, principalmente a partir da Constituição de 1988. Suas histórias, muitas delas anônimas, estão presentes na trajetória das brasileiras que, no dia a dia, defendem a liberdade e afirmam seus direitos. O enfrentamento das mulheres às formas de arbitrariedade política e opressão social, durante a ditadura, mostra uma batalha incansável pela democracia, que deve ser lembrada, contra toda expressão do autoritarismo e exclusão social.
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