A Lei 10639/03 alterou a Lei 9394, de dezembro de 1996, que estabelece diretrizes e bases da educação nacional, incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Segundo a coordenadora do Núcleo de Relações Étnico-Raciais da Secretaria Municipal de Educação (SMED), Mara Evaristo, nesse contexto de atuação, três eixos foram adotados, inicialmente, para as atividades coordenadas pela SMED junto às instituições de ensino: formação, materialidades e trocas de experiências. A partir de 1990, a ênfase tem sido promover a discussão que deve, necessariamente, envolver todas as instâncias da Secretaria.
A intenção é garantir o cumprimento da Lei no cotidiano das escolas e SMED, propiciando a convergência entre esses espaços, para a promoção integrada das diretrizes legais, bem como mapear experiências, estimular e apoiar projetos e ações para combater práticas de racismo e xenofobia. “A cidade não reconhece que temos situações de intolerância. Trabalhamos para estudantes não repetirem alguns símbolos”, diz referindo-se, por exemplo, ao uso da suástica, símbolo místico encontrado em muitas culturas, em tempos diferentes, adotado como marca do nazismo.
Organizar a ação colaborativa entre instituições, espaços e lideranças culturais funciona como eixo do processo, reforça a secretária que ressalta, ainda, a importância do monitoramento da política de promoção da igualdade racial, especialmente desde 2010, com a publicização do Plano Municipal de Igualdade Racial que destacou a necessidade da formação de gestores e estudantes, com ênfase nas relações étnico-raciais e questões de gênero. A secretária explica que cabe a um grupo de monitoramento da aprendizagem realizar entrevistas nas escolas, fase que integra pesquisa para identificar formas de trabalho com a temática, adotadas no dia a dia das instituições. Enfatizar a formação continuada, por sua vez, traz como retorno à vida escolar profissionais pós-graduados que renovam o processo de ensino e aprendizagem, com a implementação de ideias e propostas educativas e pedagógicas.
A divulgação de realizações de autores negros, pesquisas sobre continentes e desempenho acadêmico dos estudantes, assim como a adoção do quesito raça e cor para monitoramento da política também orientam as ações de incorporação da Lei ao universo escolar. “A percepção é que estamos evoluindo conforme os programas se desenvolvem e iniciativas acontecem”, avalia Evaristo.
De acordo com ela, a Lei vem sendo vivenciada de forma diferenciada, em função da bagagem e possibilidades de cada professor e instituições, com o principal diferencial de situar a discussão no contexto pedagógico, incluindo conteúdos ligados à diversidade cultural, cultura afro-brasileira e africana, dentre outros temas pertinentes. Como a Lei 10.639/03 instituiu o dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), em homenagem ao dia da morte do líder quilombola negro Zumbi dos Palmares, muitas vezes, as atividades concentram-se no mês de novembro, em vez de permear toda a programação escolar.
Recursos e estratégias
O principal desafio nesse momento é efetivar o ingresso da orientação trazida pela Lei na organização curricular. “A gente precisa avançar muito porque as matérias precisam incorporar essa orientação”, enfatiza. O envolvimento em rede de instituições culturais, museais e artísticas têm papel fundamental, destaca a secretária, para a aplicação efetiva da Lei. Evaristo explica que a Secretaria vem buscando alternativas e propostas para ampliar o olhar do professor, compartilhando experiências e ideias, equipamentos e espaços públicos que trabalham com história e memória negras, para criar estratégias de incorporação do tema nos currículos.
Dentre os recursos partilhados, acervos e conteúdos sobre temas como origem da humanidade, adaptação climática, origem humanidade, características fenotípicas, apontando relações de tensão, mas também de aproximação entre as culturas, a exemplo dos quilombos, como circuitos de resistência urbana. Espaços museais, dentre eles, o Museu de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte, apontam a perspectiva de se trabalhar o interesse dos europeus pela tecnologia africana. Em atividade realizada no espaço cultural, professores articularam, a partir de suas práticas e campo de atuação, conteúdos curriculares e acervo. Em avaliação feita ao final da atividade, demandaram a continuidade do projeto, revelando interesse pelo tema.
O projeto Escola Integrada, por sua vez, trabalha com referenciais da população negra e sua contribuição social para o Brasil e população de forma geral, inclusive no contexto internacional. Um professor construiu, por exemplo, esculturas em tamanho natural de personagens da cultura negra, como a mãe de santo. “Referenciais da população negra, em várias frentes, foram trabalhadas. A ideia não é trazer a religião, mas mostrar que essas pessoas contribuíram para a relação horizontal entre negros, brancos e indígenas nessa cidade”, esclarece Evaristo.
A discussão entre diversas áreas resultou na formação de grupos de gestores da igualdade racial nas secretarias das prefeituras e regionais. O primeiro informativo produzido pela equipe apresenta, em 2013, o trabalho de promoção da igualdade racial no plano das relações humanas na Secretaria e contexto de construção dos vínculos com a escola. “Há o reconhecimento do trabalho dentro e fora de BH”, no entanto, relativiza a secretária, “quando a gente olha pra dentro das escolas, temos a constatação do que esses 500 anos fizeram com as relações humanas. Mesmo sabendo que BH tem reconhecimento, algum trabalho construído, sabemos que temos grande caminho para percorrer até que a gente consiga atingir, de fato, a meta de escolas que recebam, cuidem e garantam a aprendizagem para todos os estudantes”.
Dossiê
Os 10 anos da Lei Federal 10639/03 são o tema da 11ª edição da Revista ABPN, produzida pela Associação Brasileira de Pesquisadores (as) Negros (as). O Dossiê “Educação para a diversidade: a Lei 10639/03, avanços e recuos” reúne artigos de pesquisadores e ativistas com foco nas possibilidades, desafios e perspectivas de combate às desigualdades raciais presentes na educação brasileira.
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CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024 A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]
O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, patrocínio do Instituto Unimed, realiza o ciclo de formação GESTÃO CULTURAL PARA LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. Período de realização: 10, 17 e 24 de outubro de 2024 Horário: Encontros online às quintas-feiras, de 19 às 21h00 Carga horária total: 6 […]
Olá,
sou professora da rede estadual de São Paulo e vivencio isso todos os dias, vários conflitos que poderiam ser evitados se houvesse respeito as identidades e diversidades existentes no Brasil.
Será um caminho longo… mas acredito piamente que esse é o caminho.
Sinto muito por algumas religiões tratar essa adversidade como algo maligno.
Como diziam os nossos ancestrais ” Tudo demais, faz mau”, temos que ponderá.
Gostei do artigo.
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