Tailze Melo[1]
O pensamento, compreendido como modo de organizar as experiências do mundo, incorpora, por consequência, aspectos variados do cotidiano em que se encontram os sujeitos que vivenciam tais experiências. Portanto, podemos afirmar que, ao pensar, abrimos espaço para a manifestação da experiência que conforma o nosso olhar. Pensando, estamos, pois, conduzindo escolhas, recusas, emoções de toda ordem que singularizam e registram nosso estar no mundo.
O que é a experiência contemporânea? Como essa experiência se abre para a diversidade? Como podemos propor práticas político-pedagógicas em sintonia com questões que emergem de uma compreensão dos contornos do tempo presente? Em outras palavras, como deveria se comportar um sistema de educação diante do modus operandi contemporâneo?
Estamos nos referindo a uma realidade de experiências não lineares, multidisciplinares e conectadas, em que não cabem dicotomias e definições fechadas de gêneros. Nessa perspectiva, não parece fazer muito sentido uma escola pautada em um “modelo” de ensino organizado em disciplinas desconectadas, provas de memorização de conteúdo, modelo transmissivo unilateral professor/aluno. Isso porque esse sistema de educação dissemina uma forma de pensamento (linear, repetitivo, segmentado e previsível) que não dialoga com a realidade fluida (para usar a conhecida metáfora de Zygmunt Bauman) em que se encontra o aluno hoje.
As consequências dessa discrepância entre escola e vida passa pelo desinteresse do aluno em estar no espaço da sala de aula, mas também por questões mais ideológicas como a conformação de um modo de pensar que não se abre para o desafio da diversidade, uma vez que é no estímulo a um pensamento plural que isso se daria.
Quando olhamos para o sistema de educação praticado em grande parte das escolas e das universidades, constatamos que ainda persiste uma tendência para a segmentação no pensar. Tal postura seria oposta a uma proposta aberta ao pensamento complexo tomado, em nossa abordagem, como espaço relacional e em permanente devir. Para Edgar Morin (1996, p.274), o conceito de rede pode ser compreendido como cerne para o pensamento complexo: “Pode-se dizer que há complexidade onde quer que se produza um emaranhado de ações, de interações, de retroações.” Por sua vez, associar a rede a um modo de pensamento, nos leva a um ambiente em que nexos e relações se opõem a segmentações. Estamos, pois, em plena tentativa de lidar com a complexidade, ou seja, de se a ver com o que é sistêmico.
Para Morin, a tendência para segmentação leva ao que o autor denomina de “pensamento simplificante” oposto, por sua vez, ao “pensamento complexo”. Ao pensamento simplificante cabem segmentações, disjunções e certezas, ao passo que, para o pensamento complexo, é fulcral estabelecer conexões entre diferentes coisas e, sobretudo, pensar com a incerteza. A esse respeito, enfatiza Morin:
Concluo dizendo que o pensamento complexo não é o pensamento onisciente. Pelo contrário, é o pensamento que sabe que sempre é local, situado em um tempo e em um momento. O pensamento complexo não é o pensamento completo; pelo contrário, sabe de antemão que sempre há incerteza. Por isso mesmo escapa do dogmatismo arrogante que reina nos pensamentos não-complexos. Mas o pensamento complexo não cai num ceticismo resignado porque, operando uma ruptura total com o dogmatismo da certeza, se lança valorosamente à aventura incerta do pensamento, se une assim à aventura incerta da humanidade desde seu nascimento (MORIN,1996, p.285).
No entanto, enfatiza Morin, lidar com a complexidade é um desafio. Isso porque estamos imersos em um velho paradigma ancorado no pensar que opera pela lógica disjuntiva, como, por exemplo, ainda ocorre com a separação disciplinar na escola e na universidade: “Vivemos nessa disjunção que nos impõe sempre uma visão mutilada.” Para o autor, é preciso desenvolver um pensamento capaz de lançar um olhar complexo para todos os aspectos da vida compreendida como uma organização sistêmica, dotada de mobilidade permanente.
Desse modo, vimos com Morin que um pensamento complexo não é um pensamento completo e conduzido por certezas e que da desordem, que leva em si um mundo fabuloso e desconhecido, pode surgir, dialeticamente, a organização tomada como articulação entre elementos diversos. Sob o domínio da rede, estamos aptos a reunir, estamos aptos à complexidade. É por essa via que nos parece possível uma educação voltada para um pensamento complexo e, no gesto desse pensar, estaria a maior contribuição de um sistema de educação para a diversidade cultural considerada em suas múltiplas facetas.
Referências:
MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
[1] Doutora em Estudos Literários pela UFMG. Coordenadora do curso de Pós-Graduação lato sensu Processos Criativos em Palavra e Imagem no IEC PUC-Minas. Professora do Centro Universitário Estácio de Belo Horizonte. Integrante do grupo de pesquisa Observatório da Diversidade Cultural.
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