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Entrevista: Fabiano Angélico

O ex-aluno do ODC entrevistado desse mês é o jornalista e consultor Fabiano Angélico, que participou do curso de Gestão Cultural, em 2005, na cidade de Varginha (MG).

Fabiano Angélico tem mais de dez anos de experiência nas áreas de “Transparência e Acesso à Informação Pública”, “Governo Aberto”, “Tecnologia Cívica e Anticorrupção”. Ele é graduado em Jornalismo, possui especialização em ‘Transparência’ pela Universidade do Chile e Mestrado em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas.

Ao longo de sua carreira, Fabiano atuou como palestrante em importantes eventos internacionais como a Conferência Latino-Americana de Dados Abertos. Também trabalhou com Jornalismo de Dados e foi um dos fundadores da ‘Transparência Hacker’, grupo que busca encontrar formas de usar a tecnologia em prol do acesso à informação e de outras temáticas relacionadas ao interesse público.

Além disso, Fabiano é autor do livro “Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático”, em que discorre a respeito do surgimento e histórico dessa lei no mundo, bem como do processo de criação e aprovação da LAI no Brasil.

ODC – Qual foi a sua experiência de formação no Observatório da Diversidade Cultural?

Fabiano – Já faz tempo que fiz o curso de Gestão Cultural, em 2005, no sul de Minas, e ele foi bastante importante para a minha formação pessoal e profissional. Me lembro de aulas que tive com o José Márcio, que tem muito conhecimento sobre gestão e identidades culturais, achei brilhante e me abriu muitos horizontes. Também lembro das aulas com o Cássio Martinho sobre redes, algo que hoje é quase intuitivo, mas na época foi um conteúdo interessantíssimo. Além disso, aprendi também sobre o papel do Estado como indutor nas lei de incentivo. Foi uma experiência riquíssima.

ODC – No Brasil, o acesso à informação é um direito fundamental reconhecido pela Constituição de 1988. No entanto, somente em 2011 foi promulgada a Lei de Acesso à Informação, fazendo do Brasil o 89° país a ter uma legislação própria para garantir tal direito. O que explica esse atraso?

Fabiano – O Brasil realmente demorou bastante tempo para implementar a Lei de Acesso à Informação, que estava no princípio constitucional da publicidade, desde 1988. Para que faça sentido uma Lei de Acesso à Informação detalhando os procedimentos para os cidadãos terem acesso às informações governamentais é preciso que haja uma sociedade civil um pouco mais atenta e madura, com um mínimo de desenvolvimento educacional. Não poderia haver um governo ditatorial, por exemplo. A partir dos anos 90, a sociedade civil brasileira foi amadurecendo e houve um avanço nos estudos e pesquisas, que muitas vezes demandam informações governamentais. Assim, a área acadêmica começou a se interessar pelo tema, além de jornalistas e ONG’s. Então foi um processo de amadurecimento da sociedade no final do século XX e começo do XXI que criou o “caldo” para a exigência de uma lei que colocasse em prática o direito de acesso à informação previsto na Constituição.

ODC – A Lei de Acesso à Informação no Brasil é bem implementada? Em comparação com outros países do mundo, como você avalia a qualidade e o cumprimento dessa lei no Brasil?

Fabiano – Infelizmente não. A Lei de Acesso à Informação foi razoavelmente implementada no Poder Executivo federal e em alguns municípios e estados brasileiros. Mas existe um fator fundamental para sua boa implementação: é preciso que haja um órgão ou agência governamental olhando para essa questão, estimulando, criando diretrizes e portarias, regulamentando de perto os procedimentos, responsabilizando e oferecendo treinamentos. Então, não é fácil implementar essa lei, ela tem muitos desafios. Não é só a má vontade dos governos e gestores, mas também a própria capacidade institucional, a desorganização dos dados e documentos. Isso é uma realidade em muitos lugares da administração pública brasileira. Se não houver uma agência fortalecida como, por exemplo, a Controladoria Geral da União no Governo Federal, a LAI não pode ser bem implementada.

ODC – Atualmente, quais são os principais desafios para o cumprimento da LAI no país?

Fabiano – Acho que os desafios para o cumprimento da LAI podem ser divididos em duas categorias: existe uma que tem a ver com a vontade deliberada das lideranças de bloquear esse processo, e uma que está relacionada a questões historicamente colocadas. Por um lado, existem as lideranças políticas que não querem fortalecer a transparência – ou porque estão fazendo coisas que não funcionam ou porque estão roubando. É importante dizer que essas lideranças não estão presentes apenas no Poder Executivo, mas abrangem presidentes de casas legislativas, gestores de ministérios públicos, de tribunais de justiça, entre outros.

Por outro lado, existem as dificuldades históricas de uma gestão desorganizada, que reflete, por exemplo, na ausência de arquivos bem desenhados, na má gestão de documentações e na baixa digitalização de planilhas e documentos, o que impede que eles sejam facilmente acessados. Essa segunda categoria é mais sobre uma questão de má qualidade da gestão pública brasileira, que possui gestores com baixa qualificação e muitas vezes salários ruins, principalmente os profissionais da baixa e média burocracia.

ODC – Quais são os benefícios que o acesso à informação pública pode trazer à democracia é à população em geral?

Fabiano – Resumidamente, os benefícios são de duas grandes categorias. A transparência pública pode ajudar no controle e pode ajudar na geração de conhecimento. O acesso universal à informação pública é bom porque, com isso, qualquer pessoa pode verificar se as decisões que estão sendo tomadas são realmente voltadas ao interesse público e se os recursos financeiros estão sendo bem gastos. Além disso, o acesso à informação gera conhecimento, então fica mais fácil avaliar se uma política pública está sendo bem implementada e se os resultados estão beneficiando a população. Para a democracia é benéfico porque, com mais informações verdadeiras disponíveis, o debate acerca do andamento das políticas públicas fica mais qualificado.

ODC – Como um dos fundadores da Transparência Hacker, de que modo você acredita que a tecnologia pode ser um instrumento para promover a transparência nas informações?

Fabiano – A tecnologia pode ser um instrumento muito importante para promover a transparência governamental. Hoje em dia, quase todo mundo tem um celular, um computador, bastante gente tem acesso à internet. Então, ao invés de ter que se dirigir a uma repartição pública e esperar um funcionário público te dar um documento que você precisa, você já pode tê-lo na tela do seu celular. A tecnologia também permite que você consiga processar muita informação e extrair conhecimento dela, através da análise de uma grande massa de dados. Mas é preciso destacar que o acesso à tecnologia é muito desigual no Brasil, então, se as políticas de transparência focalizarem apenas na tecnologia, o resultado disso pode ser indesejável. Só teriam acesso às informações quem tivesse acesso às ferramentas tecnológicas. Como um dos fundadores da Transparência Hacker, sempre fui a favor das tecnologias, mas junto delas é preciso que hajam movimentos de democratização da comunicação, do acesso às tecnologias da informação e ao conhecimento sobre como usá-las.

ODC – A partir da sua experiência com o jornalismo de dados, é possível afirmar que essa área passa por maiores desafios atualmente devido à grande quantidade de notícias falsas em circulação?

Fabiano – Sim, sem dúvida. A grande quantidade de notícias falsas em circulação atrapalha muito o debate público e o jornalismo de dados. A lógica por trás de políticas de transparência tem a ver com informações confiáveis. Essa discussão se baseia muito no conceito dos gatekeepers, os intermediários da informação, que, desde o século XX, são a imprensa, a academia (universidades). Eram esses os grupos sociais que muitas vezes filtravam e davam sentido às informações. Com o advento das tecnologias e redes sociais, qualquer um pode publicar qualquer coisa por um preço baixíssimo. Infelizmente, estamos vivendo uma época em que pessoas com muito pouco apreço à democracia e até à vida se utilizam desses mecanismos para confundir a população. 

Além disso, acho que agora temos que começar a pensar não somente na transparência do setor público, mas também na do setor privado, principalmente na dos setores econômicos que têm um impacto muito grande na vida da coletividade. Por exemplo, empresas como o Facebook e o Twitter, que têm um enorme impacto na vida pública, precisam prestar conta e ser transparentes sobre suas políticas internas e o funcionamento delas.

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