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“Get Out”: um thriller piscológico contra o racismo velado

Filme usa situações de discriminação racial para construir terror psicológico

“Eles sabem que sou negro?” A pergunta do protagonista Chris é o abre-alas da crítica racial que Get Out constrói no decorrer de sua trama. O conceituado fotógrafo, namora uma garota branca de classe média alta, Rose, e se sente desconfortável em ter que ir até o interior conhecer os pais da garota que namora um homem negro pela primeira vez.

O filme marca a estreia do ator Jordan Peele no papel de diretor e traz características típicas dos filmes de terror: um protagonista em um lugar isolado, com dificuldades de comunicação e cercado de pessoas e fatos que geram desconfiança.

Por outro lado, Peele, também roteirista do filme, apresenta transgressões ao modo de fazer terror. No lugar da protagonista branca, que normalmente aparece como a mais vulnerável, este é papel exercido por DanielKaluuya, um britânico negro que no filme é enganado pela namorada, representada pela atriz Allison Williams.

A história foi criada a partir de um stand-up de Eddie Murphy, que compartilhava com o público como foi conhecer os pais brancos de sua namorada, uma situação delicada para os negros quando o assunto é miscigenação. Filmado no Alabama em 28 dias, o filme teve o orçamento de apenas 4,5 milhões de dólares, mas já no final de semana de estreia nos Estados Unidos, arrecadou cerca de 33,3 milhões.

A discriminação racial é não somente o pano de fundo dos acontecimentos do filme, mas o fio condutor de cada ação. Usando o racismo velado, Peele coloca situações que mostram que este nem sempre é evidente, e ao mesmo tempo fala constrói cenas que remetem a escravidão americana.

A escolha do enredo pautado no racismo para a construção de um terror psicológico é acertada. De forma inteligente, o filme mostra como a discriminação racial é destrutiva para os negros do ponto de vista mental e emocional ao criar uma sintonia entre elemento visuais que remetem à escravidão, falas que denunciam preconceito e mostrar como isso altera a conduta dos personagens.

Get Out é uma colcha de retalhos muito bem costurados. A primeira vista, o óbvio. Uma casa com proprietários brancos e dois empregados negros: um retrato escravocrata. A conduta robótica daqueles que Chris considera “irmãos” levanta a desconfiança que caminha para um fim trágico. O ponto alto da trama é uma festa dos familiares e amigos dos Armitage, em que as condutas racistas se tornam o ponto central.

Falas que denotam a hipersexualização do homem negro, a ideia de que negros precisam ser bons em esportes, a associação a comportamentos violentos são comentários feitos pelos convidados e exemplificam o estereótipo criado em torno da imagem da pessoa negra. “Negros estão na moda”, diz um dos familiares.

Por outro lado, aborda referências da história dos negros na América, que é mostrada pela família da menina, dando indícios do seu objetivo final durante o percurso do filme.

Durante a viagem, o casal atropela um cervo. O que toca Chris, mostra a apatia de Rose. Mesmo sentimento que o seu pai teve com o acontecimento. “Como um black-buck”, ele diz. O que aparenta ser apenas a raça de um animal semelhante a um cervo (blackbuck é um tipo de antílope), é na verdade um insulto racial da pós reconstrução dos Estados Unidos, utilizado contra negros que não queriam seguir as leis dos brancos e por isso eram considerados violentos.

No mesmo episódio, o conceito usado para nomear motoristas que atropelam pessoas e não prestam socorro às vítimas, o chamado “hit-and-run”, aparece e dá início ao lema que permeia o comportamento dos personagens.

Outra referência à condição dos negros está nos momentos de hipnose da mãe, Missy Armitage, que ao hipnotizar Chris sem seu consentimento, o leva para o que chamam de “lugar profundo”.

Kaluuya contou em uma recente entrevista que o lugar profundo é para ele uma referência dos negros na sociedade. “Você é controlado e administrado por alguém que não tem boas intenções, ou seja, é uma versão cinematográfica em termos de uma psique negra”, cometa Kaluuya ao afirmar que os negros estão frequentemente paralisados devido às diferenças sociais.

O terror psicológico usa o combo discriminação racial, suspense e ciência para construir a trajetória de personagens negros que serão “passageiros do próprio corpo”.

Com o objetivo de ter o corpo de Chris para ser usado por um dos amigos da família, o diretor ironiza o lema “uma mente é uma coisa terrível para se desperdiçar”, da organização filantrópica United College Negro Fund que financia bolsas de estudos para estudantes negros.

Cenas, quadros, falas, ações, personagens. Tudo caminha para tornar visível a discriminação racial. Além do terror psicológico, que beira o científico, o filme mostra o medo e a dificuldade diária de ser negro em sociedades que passaram pela escravidão. No Brasil, onde o racismo opera de maneira silenciosa, Get Out encontrou terreno fértil.

 

Fonte: Portal Carta Capital – texto de Victória Damasceno

Imagem: Portal Carta Capital

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