O Marco Civil da Internet entra em vigor no próximo dia 23 de junho. Considerado uma espécie de Constituição para o uso da rede no país, o texto estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para internautas e provedores. O projeto passou por consulta pública entre 2009 e 2010 e foi sancionado pela presidente da República, Dilma Roussef, em abril de 2014, depois de aprovado nas instâncias da Câmara e Senado.
O Marco Civil trata de pontos prioritários no que se refere à proteção e promoção da diversidade cultural na ambiência da Internet, ao regulamentar a neutralidade, privacidade, proteção e liberdade de expressão na rede. Encaminhada pela Presidência da República em 2011, a proposta começou a ser analisada em 2009. O projeto foi elaborado pelo governo com base no documento “Princípios para a governança e o uso da internet”, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Em entrevista ao ODC, o professor dos programas de graduação e pós- graduação em Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR); Francisco Humberto Cunha Filho repercute a importância política e cultural do Marco Civil da Internet. Cunha é doutor em Direito e autor de trabalhos científicos sobre os Direitos Culturais, dentre os quais, os livros: “Direitos Culturais como Direitos Fundamentais”, “Cultura e Democracia na Constituição Federal de 1988” e “Federalismo Cultural e Sistema Nacional de Cultura”.
ODC – Entre os principais pontos do Marco Civil, o artigo 9º protege a neutralidade de rede, garantindo o tratamento isonômico de pacotes de dados, sem distinção de preços para a oferta de conteúdo. Se a neutralidade não fosse adotada, quais seriam as implicações, na perspectiva dos direitos do cidadão?
Humberto Cunha – De fato é um novo mundo, o da Internet que construímos, virtual, é bem verdade, mas com impactos reais e cada vez mais crescente na vida das pessoas. Se a humanidade tivesse a oportunidade de criar um novo mundo, certamente, o pensaria livre das mazelas de nossa convivência atual e histórica; buscaria atingir grandes objetivos como os que figuram nas declarações internacionais de direitos humanos, a exemplo da igualdade e da justiça. Pois bem, “descobrimos”, melhor, inventamos, estamos a inventar este novo mundo e penso que devemos evitar um erro que no mundo tradicional cometemos em abundância, o de tratar algumas pessoas como verdadeiros cidadãos, várias outras como cidadão de categorias inferiores e muitos até como párias. O princípio da neutralidade busca evitar práticas discriminatórias, pelas quais o exercício da cidadania é diretamente proporcional àquilo que se possa pagar pela inclusão, no caso, digital.
ODC – Da maneira como foi formulada, a determinação quanto à retirada de conteúdo da rede – somente sob ordem judicial, exceto quando a publicação ferir a lei (no caso de pedofilia, racismo etc.) – impede a censura e reforça a pluralidade?
HC – Antes de tudo, a internet é uma grande ágora, uma grande praça virtual. Assim sendo, nasce vocacionada à democracia, que é a forma experimentada de governo mais compatível com a pluralidade e com os direitos humanos. Um dos direitos indispensáveis à democracia, desde sua formulação na Grécia Antiga, é conhecido como isegoria, que significa a liberdade de manifestar o pensamento em público. Tal liberdade é a regra que, contudo, tem limites em favor dos outros direitos. Sendo a regra, sobre o exercício da liberdade não pode haver controle prévio daquilo que se diz. O controle posterior, no caso de violação de direitos, também deve ser exercido com cuidado para não intimidar o exercício da cidadania; por isso é adequado que seja discutido em ambiente garantidor do contraditório e da ampla defesa, como é ou deve ser a justiça. Mais excepcional ainda deve ser o controle fora do judiciário, porém, se torna admissível, de maneira cautelar, ou seja, até que haja tempo para um pronunciamento judicial, acaso demandado, para a proteção de bens e valores cuja integridade deva ser permanentemente mantida, como são os mencionados na pergunta.
“O princípio da neutralidade busca evitar práticas discriminatórias, pelas quais o exercício da cidadania é diretamente proporcional àquilo que se possa pagar pela inclusão, no caso, digital”
ODC – O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) considera o Marco Civil como um “um marco histórico para a garantia dos direitos dos internautas brasileiros”, refletindo a mobilização da sociedade por uma rede aberta e livre. Para além do direito do consumidor, especificamente, como o Marco Civil protege e promove a diversidade cultural?
HC – Apesar de reafirmar as maravilhas da internet, não se pode esquecer que ela é um instrumento e, como tal, favorece para que sejam concretizados os objetivos de quem a controla. Daí a importância de que este controle seja plural. Pode-se comparar, neste sentido instrumental, com um avião, que é maravilhoso, quando é posto a serviço do encurtamento de distâncias e é terrível quando serve como máquina de guerra. O sistema econômico logo percebeu isso para ampliar o mercado de consumo, com as facilidades que ela oferta. Se internet se presta ao consumo consciente ou ao consumismo sem freios, pode se prestar à cidadania, como bem se sabe, seja no simples expressar do pensamento, na facilitação do encontro de vontades – como ocorreu nas manifestações de junho de 2013 e nos rolezinhos da juventude excluída -, no controle e até na substituição autoridades, quando a rede estiver suficientemente desenvolvida para propiciar um seguro exercício de democracia direta.
ODC – As demandas da sociedade estão sendo atendidas e o resultado do processo vem garantir efetivamente os pontos prioritários?
HC – A sociedade é um ambiente de conflitos, principalmente, se ela tem configuração democrática e plural. Isso força a que se busquem os pontos medianos de interesses, dentro de certos valores eleitos, como o faz a nossa Constituição, ao adotar como fundamentos a soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo e a dignidade do ambiente a da vida humana. Prova disso são os embates havidos na aprovação do marco civil da internet, cujo resultado penso ter sido muito positivo, sim, porque justamente ele viabiliza os valores mencionados. Se esta pergunta pudesse ser feita a Jean-Jacques Rousseau, penso que ele diria que o projeto encontrou um bom ponto de equilíbrio que favorece a vontade geral.
“Se internet se presta ao consumo consciente ou ao consumismo sem freios, pode se prestar à cidadania, como bem se sabe, seja no simples expressar do pensamento, na facilitação do encontro de vontades – como ocorreu nas manifestações de junho de 2013 e nos rolezinhos da juventude excluída.”
Principais pontos do Marco Civil
Neutralidade: A regra determina tratamento igual para todos os conteúdos que trafegam na internet. Assim, os provedores ficam proibidos de discriminarem usuários conforme os serviços ou conteúdos que eles acessam – cobrando mais, por exemplo, de quem acessa vídeos ou aplicações de compartilhamento de arquivos (que exigem maior utilização de banda).
Privacidade: Além da neutralidade de rede, outro pilar do Marco Civil é a garantia do direito à privacidade dos usuários, especialmente à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações pela internet. O texto determina que as empresas desenvolvam mecanismos para garantir, por exemplo, que os e-mails só sejam lidos pelos emissores e pelos destinatários da mensagem, nos moldes do que já é previsto para as tradicionais cartas de papel.
Proteção: O Marco Civil assegura proteção a dados pessoais e registros de conexão e coloca na ilegalidade a cooperação das empresas de internet com departamentos de espionagem de Estado como a NSA, dos Estados Unidos.
Liberdade de expressão: O artigo 19, que delega à Justiça a decisão sobre a retirada de conteúdos, visto como um dos principais pontos do marco civil. Atualmente, vários provedores tiram do ar textos, imagens e vídeos de páginas que hospedam a partir de simples notificações.
Fonte: Blog do Planalto
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