O Observatório da Diversidade Cultura conversou com Henílton Menezes, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC e um dos maiores especialistas em incentivos fiscais para a cultura do país para entender melhor como os impactos das alterações no cenário cultural brasileiro
Captar e canalizar recursos suficientes para estimular a produção e difusão de bens culturais, preservar patrimônios materiais e imateriais, proteger o pluralismo da cultura nacional e facilitar o acesso às fontes de cultura. Tudo muito bonito no papel…e na prática também, como mostra a manutenção da Fundação Iberê Camargo; a publicação da Revista de História; a preservação de bens materiais edificados, como o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí; a Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas (Fliporto); o Festival Guarnicê de Cinema, em São Luís; quase todo o movimento teatral das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, com montagem e circulação de grandes produções pelo país; a manutenção de grupos de arte, como o Teatro Oficina; a formação e manutenção de importantes orquestras, como a Orquestra Orquestra Filarmônica de Minas Gerais; as ações de preservação do patrimônio imaterial, como o Festival de Parintins, no Amazonas; a promoção de editais públicos de grandes patrocinadores como Petrobras, Banco do Brasil e Natura.
Do norte ao sul do país, do pequeno ao grande projeto, com quantidade e diversidade, todas ações apoiadas e financiadas pela Lei Rouanet, cuja a inquestionável importância para que milhares dessas iniciativas fossem realizadas volta a ser subestimada e colocada em dúvida.
Principal ferramenta de financiamento da cultura brasileira desde a sua criação, em 1991, a lei foi alvo de alterações feitas pelo Ministério da Cidadania, as quais seguem a linha apresentada pelo atual governo federal desde a campanha eleitoral de diminuir a importância da cultura na sociedade brasileira. Entre as mudanças estão a redução dos limites dos valores dos projetos; estabelecimento de tetos para projetos de audiovisual; ampliação das contrapartidas de formação e capacitação em todos os projetos; redução do valor dos produtos considerados como de preço popular; e ampliação da obrigatoriedade de ingressos gratuitos.
Essas medidas terão o impacto pretendido? Qual o cenário que se apresenta daqui para a frente? Buscando responder a esses e outros questionamentos e dimensionar os impactos dessas mudanças, seus efeitos e resultados, conversamos com Henílton Menezes, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC e autor do livro, “A Lei Rouanet: Muito além dos (F)atos”, da editora Fons Sapientiae.
Primeiramente, qual a avaliação do senhor sobre as mudanças propostas pelo governo?
As medidas, anunciadas como ações que promoverão a desconcentração dos recursos da Lei e a possibilidade de acesso por pequenos e neófitos produtores culturais, não terão os resultados esperados.
Comecemos pela almejada desconcentração. Não há como regionalizar os recursos da Lei se não houver uma alteração da base da captação dos recursos. A Lei está fincada no recolhimento de imposto de renda das empresas, se considerarmos que 98% dos recursos da Lei são oriundos de pessoas jurídicas e apenas 2% oriundos de pessoas físicas. Hoje, apenas as empresas que utilizam o regime tributário de lucro real podem investir em projetos aprovados pela Lei. A base desse imposto de renda (calculado sobre Lucro Real) está concentrada nos dois estados de maior concentração econômica. Não é o incentivo fiscal da cultura que está concentrado, é a economia brasileira.
Nesse sentido, o senhor vê uma solução mais assertiva e eficaz para reduzir essa concentração?
A regionalização deveria ser obtida com o pleno funcionamento do Fundo Nacional de Cultura (FNC), criado para equalizar essa distribuição e fazer com que ela seja mais justa. O problema é que, historicamente, o Governo vem desidratando o fundo, não fazendo os repasses da Loteria Federal. A cada ano o valor do FNC diminui. Não cumprem o que está na lei e querem que o incentivo fiscal dê conta dessa regionalização.
O incentivo fiscal só será melhor distribuído de mudarmos a regra da base, incluindo empresas menores que têm seus impostos calculados com base no Lucro Presumido. Isso, sim, poderia descentralizar a base de investidores.
Outra boa iniciativa para obter uma descentralização seria permitir que as pessoas físicas façam seus investimentos no momento da declaração do imposto de renda, diretamente no formulário (como já acontece com o FIA).
E quanto ao limite menor por projeto, que cairá de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão (considerando as exceções previstas na instrução normativa)?
Essa nova regra não ataca diretamente o problema, mas atinge de frente, por exemplo, projetos de grandes exposições de arte e grandes musicais. Hoje, mais de 90% dos projetos já têm captação inferior a R$ 1 milhão. É necessário entender que a definição dos aportes nos projetos é feita pelo empresário. Essa decisão é tomada com base, em especial, na visibilidade que esse investimento trará para os patrocinadores. Esse é o desenho da Lei, na qual o incentivo fiscal é concedido aos contribuintes como uma forma de ampliar os investimentos voltados para cultura brasileira. Projetos menores, de pouca visibilidade, já são aprovados pela Lei, mas não conseguem captar pela lógica imposta pelos grandes investidores. Não é limitando o valor dos projetos que estimularemos os patrocinadores a investirem em projetos que não têm aderência à sua política de marketing ou que estão fora da sua área de atuação.
Quais os reflexos que essas alterações podem provocar no mercado cultural brasileiro?
O primeiro reflexo será a diminuição dos recursos que são destinados ao incentivo fiscal. Em 2019 a quantidade de projetos aprovados e, consequentemente, captados, será muito menor que em 2018, considerando que já estamos em maio e o sistema ainda não abriu para inclusão de novos projetos {Nota: o sistema deveria ter sido aberto em 01 de fevereiro}. Esse clima de criminalização da Lei, com palavras de efeito negativo ditas pelo Presidente (“maldita lei”, “acabar com a mamata”, entre outras frases impactantes) também promoverá a retração de empresários no uso da Lei.
Terão impactos negativos também projetos de grandes exposições de arte, realizadas por empresas que se profissionalizaram ao longo dos anos. São projetos complexos que envolvem grandes museus internacionais, acervos de valores incalculáveis, negociações que levam anos para serem concretizadas. Com essa lógica, nunca mais teremos, por exemplo, exposições de grande porte que atraem multidões, em geral, com entradas gratuitas.
Uma reformulação na lei prevê que produtores culturais terão que promover ações educativas em escolas ou comunidades. Em outros casos, ceder gratuitamente de 20 a 40% dos ingressos de uma peça, por exemplo. O senhor acredita que a exigência dessas contrapartidas terá um impacto maior do que o anunciado, inviabilizando o desenvolvimento de alguns projetos?
Sim, acredito. E pior: a ampliação do número de ingressos gratuitos não ampliará o acesso daqueles considerados menos favorecidos economicamente.
Hoje, com os limites menores, já existem dificuldades dos produtores para que essas pessoas cheguem aos teatros, museus, etc. Acesso não se dá apenas por oferta de ingressos gratuitos e, sim, por uma política real de ampliação dessa possibilidade, com várias ações integradas, como oferta de estrutura de transporte, instalação de equipamentos culturais em periferias, envolvimento de escolas públicas, ações de formação descentralizada.
Por fim, a obrigatoriedade de realização de ações educativas para todos os projetos dificultará muito mais os pequenos do que os grandes proponentes, que têm estrutura para realizar essas ações. Imagine, por exemplo, um artista iniciante situado numa região mais remota que, por sorte, consiga captar recursos para realizar seu pequeno projeto de produção de um disco, ou uma pequena peça de teatro, ou um livro. Como esse artista poderá realizar essa ação educativa sem uma estrutura adequada para tal? Não acredito que essa nova regra tenha resultados positivos.
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