Foto capa: Divulgação / AGPT / Fotos Públicas
Quem mandou matar Marielle Franco? No próximo 14 de março, completam-se dois anos do assassinato da vereadora, cuja atuação política reúne bandeiras que transformaram Marielle em ícone da representação pública em defesa dos direitos das minorias sociais. Ela e o motorista Anderson Gomes foram mortos a tiros na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, a ex-assessora Fernanda Chaves sobreviveu ao crime.
Mulher, negra, de origem pobre, homossexual, sua trajetória à frente de causas ligadas a grupos sociais historicamente marginalizados atingia em cheio o conservadorismo cultural e enfrentava o poder de ação armada de grupos paramilitares ligados às milícias. Milicianos agem em favelas e bairros populares no Rio de Janeiro, exercendo o controle territorial onde o Estado não está presente, sob alegação de manutenção da ordem e proteção das comunidades.
Em sua dissertação de mestrado, “UPP – a redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro (UFF)”, Marielle denunciou ainda a discriminação de moradores das comunidades, pelas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), incluindo violações de direitos, homicídios e desaparecidos, predominantemente de negros.
Em homenagem à luta pelos direitos humanos, a vereadora tornou-se o nome de uma rua no trecho da Praça Cardeal Câmara que liga a Avenida Mem de Sá à Rua dos Arcos. A placa da rua foi reproduzida pelas capitais do país como parte das estratégias de luta das mulheres e suas campanhas. A vida de Marielle será retratada também em mini série na Globo, com direção do cineasta José Padilha, convidado pela autora, antropóloga Antônia Pellerino, o que causou polêmica nas redes sociais, por contrariar a trajetória política de Marielle. Padilha dirigiu a série “O Mecanismo” que aborda de modo favorável a operação Lava Jato e o personagem inspirado no ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro.
O assassinato da vereadora que morava na favela da Maré e incomodava o poder instituído, por lutar contra a opressão social em várias frentes, convergentes em seu mandato, denuncia a violência a que estão expostas as mulheres brasileiras no dia a dia. Mapa da Violência elaborado pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso) mostra a própria casa como um espaço recorrente, quando a mulher quer, mas o homem não aceita o fim do relacionamento.
Para a deputada Renata Souza, ex-chefe de gabinete de Marielle Franco, a morte da vereadora é consequência direta da ampla projeção e visibilidade públicas, alcançadas na condição de mulher atuante na política brasileira. “Todo o repertório que representa o corpo dela e as lutas que ela trava dentro daquela Casa nos levam a um significado muito específico na nossa sociedade. Quem é que morre? São os pretos. Quem é que sofre feminicídio? Está crescendo o número de mulheres negras assassinadas. Quem é o país que mais mata a população LGBT? É o Brasil. A Marielle encarna no corpo e na luta dela uma pessoa que está no rol dos matáveis”.
Feminicídio
O feminicídio é fruto de uma cultura machista que perpetua a desigualdade de poder entre mulheres e homens, banalizando a violência de gênero. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa no Brasil é de 4,8 para 100 mil mulheres, a quinta maior no mundo. Conforme o Monitor da Violência, foram cometidos 3.739 homicídios dolosos de mulheres no ano passado, o que representa uma queda de 14,1% em relação a 2018. Entretanto, houve um aumento de 7,3% nos casos de feminicídios – crimes de ódio motivados pela condição de gênero. Os números são assustadores: ao todo 1.314 mulheres mortas, pelo fato de serem mulheres, uma a cada 7 horas, em média.
O feminicídio é a expressão máxima da objetificação e subjugação da intimidade da mulher. No Brasil, a tipificação consta no artigo 121 do Código Penal em 2015.
[…] Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a à tortura ou a tratamento cruel ou degradante. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013) .
A relação abusiva por parte dos homens não dá trégua a elas. Dados de uma pesquisa realizada em maio de 2016, pela organização social Actionaid, apontam que, entre as mulheres ouvidas, total de 86% já sofreu assédio em público em suas cidades. Todas as estudantes brasileiras participantes da pesquisa, por sua vez, afirmaram ter sofrido assédio. O 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em setembro de 2019, mostra que, terrivelmente, a violência começa na infância. O estudo registrou 66 mil vítimas de estupro no Brasil em 2018, maior índice desde que começou a ser feito em 2007, a maior parte (53,8%) meninas de até 13 anos.
De acordo com a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher) – serviço de utilidade pública do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) – recebeu 46.510 denúncias, durante o primeiro semestre do ano passado, registrando o crescimento de 10,93% em relação ao mesmo período do ano anterior.
A divulgação dos dados foi feita em agosto de 2019, de forma associada ao aniversário da Lei nº 11.340. A Lei Maria da Penha foi criada em 2006, para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher e distingue os seguintes tipos de violência em situações de relação íntima, inclusive com o término do relacionamento: sexual, psicológica, moral, física e patrimonial.
A violência contra a mulher no Brasil reúne em um mapa trágico as histórias de vítimas de relações de dominação, mantidas à base da cultura do controle, subjugação e naturalização da opressão dos homens sobre os corpos femininos. Em um país em que as mulheres são perseguidas por práticas de assédio, abuso sexual e feminicídio, Marielle Franco está presente em todas, como símbolo irrevogável da luta pelo direito à vida. Quem matou Marielle Franco? Marielle está viva entre nós.
CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024 A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]
O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, patrocínio do Instituto Unimed, realiza o ciclo de formação GESTÃO CULTURAL PARA LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. Período de realização: 10, 17 e 24 de outubro de 2024 Horário: Encontros online às quintas-feiras, de 19 às 21h00 Carga horária total: 6 […]