INFORMAÇÃO

Plataforma “Cultura21: Ações”: Uma agenda de compromissos para desenvolvimento das cidades

José Oliveira Junior[1]

Em 2004, o comitê de cultura da instituição Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU), equivalente das Nações Unidas para os municípios, criou um documento chamado Agenda21 da Cultura, que visava estabelecer um compromisso para a cultura em âmbito municipal.  A escolha de “agenda” vem da perspectiva de agenda-setting, que é organizar a pauta de assuntos susceptíveis de serem levados em conta, individual e coletivamente, para se atingir determinados objetivos. Sob o impacto da aprovação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais no ano seguinte, e o crescente interesse internacional nos anos que se seguiram com relação à diversidade cultural, foi possível aperfeiçoar os propósitos e traçar estratégias mais concretas.

Passados dez anos, foram identificados diversos elementos que precisavam ser revistos pelas dificuldades de engajamento dos governos, das sociedades e das instituições não governamentais, pela falta de políticas claras e objetivas para a promoção da Diversidade Cultural nas cidades e falta de continuidade dos direcionamentos dos gestores públicos. Houve também, no período, a compreensão da necessidade de se criar indicadores concretos para orientar os diversos governos locais na construção de suas estratégias concretas.

Para avançar nestes aspectos, após três anos de intensas discussões, a CGLU propõe uma nova Agenda 21 da Cultura. Entre 2014 e 2015, foi elaborado um documento de compromisso chamado “Cultura21: Ações – Compromissos quanto ao papel da cultura nas cidades sustentáveis” com a participação de especialistas de diversas partes do mundo, dando assim um caráter mais vinculado à diversidade das realidades municipais pelo mundo. Prevê uma articulação entre as políticas culturais e as outras políticas públicas – sociais, econômicas, educativas, ambientais e urbanísticas, bem como considerar os parâmetros culturais na gestão urbanística e em todo planejamento territorial e urbano.

O documento resultado do processo é um esforço de organização e orientação prática para que governos locais desenvolvam seu conjunto de políticas culturais e possam trocar experiências entre si. É uma retomada do documento original da Agenda21 com um formato mais operativo e que ajude as cidades a compreender O QUE e COMO fazer para alcançar os objetivos ali propostos. Coloca-se como uma forma concreta de identificar aspectos ligados à diversidade cultural e subsidiar a elaboração de políticas específicas para a promoção da diversidade de expressões culturais no território e, principalmente, atuar como orientação clara para os gestores municipais em todo o mundo, criando indicadores concretos e comparáveis.

09 EIXOS DA NOVA AGENDA21 DA CULTURA
EIXO 1 – DIREITOS CULTURAIS
FOCO: A cidadania ativa e o pleno reconhecimento dos direitos culturais.
Itens mais relevantes: Marcos regulatórios, gestão compartilhada, informações e indicadores, diversidade de expressões, acesso ao pleno exercício dos direitos culturais, igualdade.
EIXO 2 – MEMÓRIA, DIVERSIDADE E CRIATIVIDADE
FOCO: A memória, a diversidade e a criatividade são elementos constitutivos da vida cultural.
Itens mais relevantes: Institucionalização e organização, memória, diversidade e interculturalidade.
EIXO 3 – EDUCAÇÃO E CULTURA
FOCO: Promover a cidadania ativa através da construção de capacidades culturais em todas as fases da vida – ampliação das oportunidades expressivas e acesso ao conhecimento.
Itens mais relevantes: Educação para a diversidade, Estratégias arte educativas e formativas.
EIXO 4 – MEIO AMBIENTE E CULTURA
FOCO: A Cultura como um acelerador dos processos eco responsáveis.
Itens mais relevantes: Promoção da sustentabilidade ambiental, Valorização de culturas locais e produtos locais.
EIXO 5 – CULTURA, EQUIDADE E INCLUSÃO SOCIAL
FOCO: Inventar novos laços sociais – O papel fundamental da Cultura
Itens mais relevantes: Promoção dos aspectos culturais multidimensionais, promoção da convivência intercultural, estratégias para projetos socioculturais, estratégias para promoção da cooperação.
EIXO 6 – CULTURA SUSTENTADA E ECONOMIA SOLIDÁRIA
FOCO: Uma nova economia social efetiva que inclua as dimensões da Cultura
Itens mais relevantes: Estímulo à profissionalização, Estímulo à economia solidária, Estímulo às cadeias envolvidas na economia da cultura.
EIXO 7 – CULTURA, PLANEJAMENTO URBANO E ESPAÇO PÚBLICO
FOCO: O Planejamento da cidade e seus territórios com consciência e sentido cultural
Itens mais relevantes: Promoção dos aspectos culturais da territorialidade, Estímulo à distribuição dos serviços públicos nas diversas regiões da cidade, Identificação dos impactos culturais no ambiente urbano, promoção do uso do espaço urbano (nos aspectos de ocupação, mobilidade urbana, acessibilidade física).
EIXO 8 – CULTURA, INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO
FOCO: As tecnologias e a Comunicação contribuindo para a pluralidade e a construção da cidadania.
Itens mais relevantes: Garantia de liberdade de expressão, de acesso a informação livre e pluralista, Estímulo à cultura digital, relação entre os processos culturais de base e a inovação social.
EIXO 9 – GOVERNANÇA DA CULTURA
FOCO: Para uma administração equilibrada e compartilhada de políticas culturais locais.
Itens mais relevantes: Institucionalização da administração da cultura, orçamento público, Fortalecimento dos aspectos de gestão compartilhada, estímulo ao conhecimento do setor cultural e planejamento da intervenção pública no setor.

Neste sentido, a proposição da CGLU encontra estreita relação com a perspectiva do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e pode contribuir para a visualização de formas práticas de formalização e execução dos sistemas municipais de cultura. Não se sobrepõe ao SNC, mas o complementa. O princípio de governança propõe os “quadros de governança multi-ator”, que aponta a importância de se envolver diversos níveis de governo e da sociedade para que os objetivos principais sejam atingidos, profundamente alinhado com as diretrizes do SNC. Os princípios se mantiveram, mas foi proposta uma nova organização, com visualização mais concreta, a saber:

  • A Diversidade Cultural como principal patrimônio da humanidade;
  • Intensificação do exercício dos direitos culturais dos cidadãos;
  • Estímulo à transparência e à participação cidadã;
  • Reconhecimento da multimensionalidade da cultura;
  • Necessidade de acesso ao universo cultural e simbólico em todas as fases da vida;
  • Promoção da Intersetorialidade e transversalidade: desenvolvimento sustentável como resultado de fatores culturais, sociais, econômicos, ambientais;
  • Promoção de maior cooperação cultural local, regional e internacional.

Tais princípios formam a base do “kit de ferramentas” para a operacionalização e efetividade de ações. Em seu conjunto, são ferramentas que tem como objetivo consolidar a cultura como a quarta dimensão do desenvolvimento sustentável nas cidades e territórios. Com um modelo de autoavaliação, o instrumento auxilia os governos, as instituições da sociedade civil e os cidadãos a compreenderem quais aspectos estão intimamente ligados com cada eixo e quais os encaminhamentos mais importantes neles, tornando o acompanhamento mais objetivo.

O próprio nome pensado para o documento (Cultura 21: Ações) deixa claro o direcionamento de concretude que se quer dar a esta nova etapa. Outro elemento importante foi a definição do termo “compromissos” para se referir a cada elemento proposto, reforçando ainda mais a característica orientadora de perspectivas práticas do que se fazer a partir dos 09 eixos.

Os governos locais são incentivados a aplicar este quadro em suas respectivas comunidades, através de processos orientados para a prática aberta participativa. Os processos de autoavaliação locais resultam num gráfico que descreve o grau que cada um se encontra em sua cidade. Da junção dos gráficos de diversas pessoas envolvidas compõe-se um grande gráfico analítico da situação atual na cidade. Tal gráfico deve ser atualizado em períodos regulares para se identificar os avanços e os desafios a serem superados pelas cidades. O acompanhamento direto e visual que as pessoas podem fazer torna-as mais comprometidas com os resultados. O documento final afirma que os eixos propostos

[…]contribuem para um novo conceito da coisa pública, baseado na ideia de “compromissos” entre o estado (no nosso caso, os governos locais) e os diferentes atores da sociedade. Estes nove compromissos sintetizam a dimensão cultural de uma cidade sustentável. Cada um deles incorpora várias ações específicas, que orientam o trabalho dos governos locais aderidos à Agenda 21 da Cultura, permitindo-lhes auto avaliar o grau de cumprimento dela e favorecendo uma melhor implantação das políticas e estratégias públicas. (CGLU, 2015, p. 16)

A CGLU montou um painel[2] a partir das contribuições de 34 especialistas de diversas partes do mundo, os quais participaram de uma primeira rodada de autoavaliações. Do Brasil participaram dois especialistas (José Oliveira Junior e Ana Carla Reis).  O gráfico gerado pode ser conferido ao lado. Segundo o panorama resultante deste painel, considerando as diferenças regionais, há variados graus de desenvolvimento em cada um dos compromissos e eixos estabelecidos. É possível delinear que o eixo mais evoluído é “Memória, Diversidade e Criatividade” e o que precisa mais atenção, segundo os especialistas, é “Cultura e meio ambiente”.

imagem Jr

Como não é uma corrida ou maratona onde “alguém vence e outros correm atrás”, cada cidade pode dar seu próprio ritmo e ainda facilitar a visualização, acompanhamento e monitoramento por parte da sociedade civil e órgãos de controle social. Quem tiver interesse pode acessar o link,  preencher o formulário de autoavaliação[3] e conhecer melhor o processo. As cidades interessadas em integrar o grupo de cidades da Agenda21 da Cultura ou mesmo as que quiserem somente utilizar o “kit de ferramentas” da nova Agenda21 da Cultura podem acessar o site http://www.agenda21culture.net/ ou contactar a coordenação do programa através do e-mail coordination@agenda21culture.net. Se houver interesse em compreender melhor o processo pode ainda entrar em contato com a equipe da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, responsável pelo programa cidade líder da Agenda21 por meio  do email cinter.fmc@pbh.gov.br.

Referências

CGLU. Cultura21: Ações – Compromissos quanto ao papel da cultura nas cidades sustentáveis. CGLU, 2015.

[1] Comunicador, Mestrando em Comunicação Social pela PUC Minas, pesquisador do Observatório da Diversidade Cultural e consultor especial da Agenda21 da Cultura da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte no ano de 2015. E-mail: juniorbh1@uol.com.br

[2] Disponível em http://www.agenda21culture.net/images/a21c/nueva-A21C/panel_cities/Experts_ENG.pdf

[3] https://docs.google.com/forms/d/1srs7H1UmYyr6XEXXH4VeqUFlxGfBplMESJA6marpA5A/viewform

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1 Comentário para “Plataforma “Cultura21: Ações”: Uma agenda de compromissos para desenvolvimento das cidades”

  1. Avatar Bruna Acácio disse:

    Muito interessante a proposta de revisão – agora mais factível – da Agenda 21 Cultura. Ótimo também o texto sintetizar as frentes e itens mais relevantes. Obrigada!

    Fiquei com uma dúvida – após esse momento exaustivo de revisão e proposição das Ações e Compromissos – como se dá o acompanhamento das cidades que oficialmente aderem ao grupo de cidades da Agenda 21?

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