O relator da Organização das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, o guatelmateco Frank William La Rue, fez críticas à concentração de imprensa no Brasil e na América Latina, e afirmou que pretende fazer uma visita oficial ao país em breve. A declaração aconteceu durante o Seminário Internacional Infância e Comunicação, realizado nos dias 6, 7 e 8 de março em Brasília. O evento reuniu alguns dos principais especialistas em infância, educação e comunicação do país, e contou com a presença do ministro da Justiça José Eduardo Cardoso e da ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos Maria do Rosário.
“A concentração de mídias traz concentração de poder político e isso atenta não só contra o direito à diversidade, mas também contra a democracia”, destacou Frank William La Rue.
“Na América Latina, temos uma visão excessivamente comercial [da comunicação] e isso faz mal para a sociedade. Em outros lugares, a comunicação é prioritariamente pública com diversidade etno-social”, afirmou. “A mídia comercial é legítima, sem problemas, mas não deve prevalecer de forma absoluta. O direito à comunicação deve ser de todos”.
Os debates no encontro giraram em torno de responsabilidade social e comunicação. Na abertura o ministro José Eduardo Cardoso falou da importância do equilibrio entre liberdade de expressão e outros direitos, como os da criança e do adolescente, e levantou a questão que se repetiria em diferentes mesas nos três dias de discussões: até onde o Estado deve ir na regulação das comunicações?
A ministra Maria do Rosário também falou sobre concentração na mídia e criticou a maneira como o sistema esta estruturado no Brasil. Ela destacou que “comunicação em monopólio não é democracia” e questionou: “a quem interessará poder absoluto do mercado?”.
Especialistas em direitos da criança e do adolescente também manifestaram preocupação, criticando desde programas que favorecem a erotização precoce até propagandas voltadas para o público infantil. “Na comunicação, o que prevalece no Brasil é o direito empresarial em detrimento ao direito da criança e do adolescente”, disse Wanderlino Nogueira, do Comitê dos Direitos da Criança da ONU.
Regulação
Citando crimes midiáticos como incitação a genocídios e pedofilia, Frank La Rue, o relator da ONU, defendeu conselhos reguladores compostos por diferentes setores da sociedade. “Me dói dizer isso, minha função é defender a amplitude [da liberdade de imprensa], mas há casos extremos em que se deve intervir. São necessários órgãos reguladores independentes”, afirmou. “A desinformação pode provocar uma epidemia se a liberdade de expressão for mal utilizada. É claro que são excessões, mas é preciso intervir”.
Ele destacou que tal regulação deve ser prévia e não posterior, e composta de limitações de conteúdo (como a proibição de incitação a crimes de ódio ou de intolerância religiosa, por exemplo) e de restrições diretas (como o impedimento da exibição de conteúdo classificado como inadequado em horários em que crianças assistem à programação).
Ele também se disse surpreso com o fato de a classificação indicativa de programas de TV por parte do governo federal ser contestada por representantes de grandes grupos de mídia e ter virado uma briga jurídica que foi parar no Supremo Tribunal Federal. “Este é um assunto já resolvido no mundo todo, é algo que já não se questiona no exterior”.
Contexto
Em contraposição ao posicionamento do relator da ONU sobre a necessidade de maior regulação, o secretário nacional de Justiça, Paula Abrão, defendeu o modelo brasileiro, destacando como uma qualidade o fato de que o Estado não intervem em nada no conteúdo exibido e que o sistema de classificação indicativa apenas restringe horários de exibição. Ele lembrou que o processo de redemocratização é recente e que é preciso considerar este contexto. “A discussão no âmbito das restrições é difícil em razão do trauma da censura”, disse.
Sobre casos extremos, ele defende que são possíveis intervenções mesmo no modelo atual. “Modulações podem ser feitas por meio de ações complementares. O Ministério Público Federal também tem seu papel”, lembrou.
Jornalistas presentes nos debates expressaram diferentes pontos de vista sobre como conciliar liberdade de expressão com os demais direitos humanos. “Você não pode entrar em um evento pelado. Na mídia é o mesmo. Temos que considerar regras sociais e agir com responsabilidade”, defente o jornalista australiano Mike McCluster, que já foi CEO da Rádio Austrália.
Eugenio Bucci, colunista da revista Época, lembrou que “qualquer regulação para modular e dirigir é inaceitável”. Já Ricardo Corredor, jornalista colombiano diretor-executivo da Fundação Nuevo Periodismo, lembra que o momento é de “forte transformação da indústria” em que existe forte demanda por mais transparência e por diálogo com a sociedade. “Meios de comunicação que transparência dos poderes públicos devem ser transparentes”, ressaltou.
A concentração e nova configuração da mídia em nível mundial também foi debatida. Divina Frau-Meigs, assessora do Conselho da Europa e da Unesco e professora da Universidade da Sorbonne Nouvelle, da França, apresentou o conceito de Hollyweb, em que seis das maiores companhias de mídia (GE, Disney, Time Warner, News Corp, Viacom e CBS) se aproximam das seis gigantes da internet (Apple, Microsoft, Cisco, Google, Yahoo e Facebook).
No Brasil, além da crescente participação de empresas de telefonia no setor de comunicação, também foram debatidas a ligação de políticos com canais de TV e rádios, muitos deles beneficiados com concessões públicas. Dados sobre a concentração de mídia, que preocupa o relator da ONU, foram reunidos no relatório “O país dos 30 Berlusconis” (clique para ler versão em PDF), lançado recentemente pela organização Repórteres Sem Fronteira. O estudo foi citado no evento pot Luiz Gustavo Pacete, representante da organização.
FONTE: Repórter Brasil
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