Corrigir as desigualdades é um passo fundamental para que se construa uma sociedade mais justa. Isso implica rever as arbitrariedades seculares, estruturais e cumulativas que têm mantido os privilégios de um grupo em detrimento da difusão de direitos fundamentais para a totalidade da população.
Já sabemos que a malfadada classe média brasileira se preocupa muito mais com privilégios do que com direitos e, considerando que as relações sociais deste País são profundamente marcadas pela escravidão, percebemos o quanto a manutenção de negros e negras, bem como de suas produções culturais (incluindo a religiosidade), em posições de subalternidade configura-se como um componente perverso nas formas de praticar a segregação e o racismo.
Só que no Brasil ninguém é racista, embora quase todos conheçam alguém que o seja. Na verdade, falta a boa parte dos brasileiros uma conceituação simples, elementar, que lhes permita reconhecer na prática situações de discriminação, preconceito e intolerância e outros tantos fatores relacionados ao racismo.
Discriminação, por exemplo, é sinônimo de separação e procura estabelecer diferenças entre as pessoas. É um componente básico das políticas de segregação, que visam afastar e isolar minorias raciais, sexuais ou religiosas, impossibilitando que participem da vida social de forma integral e em igualdade de condições.
Ao dispensar a determinado grupo tratamento pior ou injusto em razão de características étnicas ou culturais, de orientações sexuais ou nacionalidade e mesmo por condições físicas e vitais, como deficiências, envelhecimento ou doenças crônicas, comete-se um ato que quebra o princípio da igualdade, ou seja, uma discriminação.
Qualquer distinção que implique exclusão, restrição ou preferência é uma atitude discriminatória. Se for motivada por raça, cor, sexo, nacionalidade ou religião deve ser enquadrada na esfera criminal. Na prática, quando alguém é impedido de entrar em algum lugar ou de fazer algo por ser negro incorre-se num crime de discriminação racial.
Ao lado da discriminação temos o preconceito, que é uma opinião formada antecipadamente, sem base, sem ponderação e sem conhecimento dos fatos. Em outras palavras, é uma ideia preconcebida, elaborada sem uma análise crítica e fundada num sentimento desfavorável e generalizado ou numa concepção irracional e a priori.
O preconceito gera suspeitas, ódio, aversão a outras raças, crenças, povos ou orientações sexuais, impelindo a ações discriminatórias e hostis. Um exemplo corriqueiro é não se sentar no transporte público ao lado de uma pessoa vestida de branco e com insígnias de religiões afro-brasileiras ou segurar a bolsa com mais cuidado quando se depara com um negro ou uma travesti.
O conjunto dessas atitudes preconceituosas e discriminatórias constitui o que chamamos de intolerância. É como agem aqueles que não admitem opiniões divergentes das suas, tanto em relação a questões sociais e políticas, quanto a expressões de religiosidade ou sexualidade.
A intransigência de algumas denominações evangélicas em relação às religiões de matriz africana, por exemplo, tem fomentado uma série de violências, como invasão a terreiros e ataques a adeptos. São comportamentos que tentam reprimir por meio de coação e da força (inclusive midiática) doutrinas que esses segmentos desaprovam ou julgam ser falsas.
O fato é que vivemos numa estrutura social racista, que alinha discursos, olhares e ações para traduzir na prática as definições de discriminação, preconceito e intolerância, fortemente imbricadas, e determinar a manutenção das desigualdades e injustiças.
Grosso modo, é como se negros não fizessem parte da sociedade e, apesar dos dados objetivos e subjetivos e dos propósitos políticos e jurídicos que nos ajudam a compreender as questões do racismo, tipifica-lo enquanto um crime tem sido um desafio para profissionais do direito e principalmente para as vítimas.
No Brasil, a polícia e a justiça escolhem tratar as pessoas em função do que lhes parecem ser. Em outros termos, policiais, promotores e juízes, em boa parte dos casos, não estão isentos de preconceitos ao imputar a lei e muitas vezes o fazem de forma discriminatória. A rigor, não há legislação que possa obrigar um indivíduo branco a amar um negro, mas é fundamental que a lei não permita que o direito de um cidadão seja violado pelo fato de ser negro, homossexual ou afro-religioso, por exemplo.
Existem aqueles que pensam mandar na sociedade em razão de uma suposta superioridade racial, econômica, sexual ou religiosa. Entretanto, não se pode permitir que determinados grupos sejam confinados, tornando-se legítimo e necessário que negros, indígenas, mulheres, LGBTs, afro-religiosos busquem lugares mais importantes na sociedade e tenham garantido total acesso a seus direitos.
Apoiar as lutas das minorias deve ser um compromisso de todos aqueles que acreditam na construção de um país melhor por meio de políticas compensatórias e de reparação. Os déficits que assolam o Brasil têm raízes históricas bem demarcadas, haja vista os problemas de habitação no campo e nas cidades, o encarceramento e o genocídio da população negra, a distribuição desigual de renda etc.
Não se pode exigir que a grande maioria da população aceite um discurso oficial que mantenha privilégios em detrimento de direitos. É acintosa a maneira como o atual governo vem tratando ou simplesmente desprezando temas fundamentais que os movimentos sociais levaram décadas para colocar em pauta. E é muito triste assistir à criminalização desses movimentos.
Não se pode condenar um povo inteiro a esperar por mais de século que a “evolução natural” da sociedade venha trazer-lhe dignidade e justiça. Mais do que nenhum direito a menos, é preciso assegurar o pleno exercício da cidadania, com liberdade de expressão, de consciência e de crença, com a garantia de ir e vir, sem nenhum tipo de discriminação e com plena igualdade.
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