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Sou latina, sou da América. Por que como americanos não temos o direito de viver em nosso continente?

2016_03_14_2_ODC-Sou latina, sou da América.

 

Ilka Oliva Corado*

A conjuntura vivenciada pelos Estados Unidos no processo de eleições presidenciais está destacando a importância da comunidade latina que reside no país.

Sim, a importância, embora não pareça. Nunca antes em um processo eleitoral os políticos abordaram como tema de discussão a contribuição da comunidade asiática, europeia e afro descendente com o mesmo afinco que estão falando da comunidade latina nas atuais eleições. É óbvio que, dependendo da visão do candidato à presidência e das cartas que esteja disposto a jogar, será para difamá-la ou para valorizá-la. Porém, esclarecendo as coisas: nós sabemos que este assunto de “valorizá-la” é somente por enquanto…

Personagens como Bill Clinton, Barack Obama, Hillary Clinton, Marco Rubio, Ted Cruz e o polêmico Donald Trump fizeram da comunidade latina, e especialmente dos que não possuem documentos, a sua bandeira de propaganda. A única mulher do grupo — mostrando-se maternal e acolhedora (e com um descaramento de se admirar, se auto proclamando feminista) — promete legalizar da maioria das pessoas sem documentos se a comunidade latina apoiá-la com o seu voto. Quanto a Ted Cruz, Marco Rubio e Trump, estes são de um discurso recalcitrante que evidencia o pensamento ultraconservador e xenófobo de grande parte da sociedade estadunidense. Trump varreu a comunidade muçulmana do país.

Em um dia comum de um lugar qualquer dos Estados Unidos, os latino-americanos sofrem xenofobia. Na situação mais simples, os estadunidenses de origem anglo afirmam que o país é a América e que para além das suas fronteiras não existe evidência de vida humana. Para eles, somos espécie que não alcançou o nível de desenvolvimento para sermos catalogados como seres humanos. Pensam que carecemos de inteligência e raciocínio. Quando afirmamos que também somos americanos nos pedem nosso passaporte estadunidense. Já é hora de explicar para essas pessoas e mostrar-lhes o mapa do continente, nomear países, culturas e tradições. Dizer-lhes que os Estados Unidos é somente um dos tantos países que formam parte do continente.

Se a conversa esquentar, é necessário lhes contar a história e nomear os nativos da região que foram assassinados em massa pelos “peregrinos” que chegaram para invadir os seus territórios, deixando de herança para as futuras gerações o escárnio da celebração do Dia de Ação de Graças. De repente, é preciso mencionar obrigatoriamente as reservas de nativos. Detalhar-lhes que já existia a América quando chegaram e realizaram os sangrentos genocídios para roubar a terra. E se continuamos por este caminho, “somos mais americanos que o filho do anglo-saxão”. E colocamos para eles ouvirem as canções de Los Tigres del Norte para que aprendam geografia, ciências sociais e humanas. E que efetivamente somos americanos, dá para notar na cor da nossa pele e na nossa herança milenar. Por que como americanos não temos o direito de viver no nosso continente? Quero dizer, se vamos por este caminho…

E se a conversa toma vertentes políticas que questionam a imigração indocumentada de latino-americanos para os Estados Unidos, é mais que necessário desenhar em um quadro-negro as fronteiras que os Estados Unidos ultrapassaram invadindo e roubando terras. É hora de mencionar a United Fruit Company da qual eles não têm a menor ideia. A Operação Condor, que também desconhecem por completo. É o momento de destacar o trabalho de ocupação que as embaixadas estadunidenses exercem em países em desenvolvimento. Pegar um mapa e lhes mostrar esses oito estados que roubaram do México. Tudo isso em um dia comum, em um lugar qualquer dos Estados Unidos. A imigração sem documentação deve ser abordada como consequência da política exterior do país deles.

E se falarmos de refugiados europeus, então aproveitamos de uma vez e falamos sobre a participação dos Estados Unidos na invasão da Líbia, do Iraque, da Palestina e da Síria e as consequências que isto trouxe na imigração em massa daqueles que pedem refúgio. Só que é como falar com uma parede; a sociedade estadunidense está alienada, completamente sedada, o sistema se encarregou de injetar nas pessoas sedativos constantemente através do consumismo para que a surra pareça uma festa eterna de “Spring Break”. Geralmente, não compreendem — ou não querem compreender — as explicações que recebem e terminam nos acusando de terroristas. Repetem o que dizem os jornais. Além disso, é necessário explicar para eles sobre as imigrações de africanos, sobre esse saque milenário da Europa e dos Estados Unidos e que não existe nenhum “Velho Continente”, pois, se queremos falar sobre hierarquias, a mãe de todos nós seria a África.

A “Trumpmanía” não fez mais do que evidenciar o nível de racismo existente neste país e o que realmente pensam os estadunidenses sobre a comunidade latina. Tal nível de apoio que eleva e facilita o caminho para Trump em direção à presidência só pode ser dado por uma comunidade ignorante, xenófoba e desumana. Uma comunidade egoísta. Uma comunidade que mostra a sua herança de Ku Klux Klan. Uma comunidade que, completamente adormecida, é inoperante e indolente. Para isto serve o capitalismo, para adormecer em terríveis totalitarismos a humanidade e possuí-la e deixá-la de mãos atadas, convertendo-a em simples marionetes, objetos manuseáveis com controle remoto.

É hora de a comunidade latina nos Estados Unidos reagir e alçar a sua voz, que os milhares de pessoas sem documentos sejam vistos. Aproveitar estas provocações e demonstrar a força que possuem. Para que, em um dia comum, em um lugar qualquer dos Estados Unidos, digam com integridade: Eu sou da América, da América eu sou. Mas que esperanças! Começando pelo fato de que o pior opressor de um latino-americano nos EUA é um latino-americano com documentos ou um filho de latino-americano nascido nos Estados Unidos. Como exemplo, temos a Ted Cruz e Marco Rubio. E como eles, assim é a maioria. E quem negue isto é porque está precisando ser detido.

*Escritora, poeta e colaboradora do Diálogos do Sul, vive sem documento nos Estados Unidos.

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