Imagem capa: Foto: Joice Ara煤jo
Por Joice Reis de Ara煤jo[1]
Entre julho de 2019 e fevereiro de 2020, realizei uma pesquisa etnogr谩fica na comunidade de Matarandiba, Bahia, orientada pelo Prof. Dr. Jos茅 M谩rcio Barros, que muito em breve estar谩 no reposit贸rio da Universidade Federal da Bahia. A imers茫o no campo ao longo de 8 meses, num processo de idas e vindas, possibilitou a constru莽茫o de registros (fotos, grava莽玫es, entrevistas), que me deram condi莽茫o de construir a disserta莽茫o de mestrado, conquistando o t铆tulo de Mestre em Cultura e Sociedade pelo Instituto de Humanidades Artes e Ci锚ncia Professor Milton Santos da UFBA. A pesquisa ent茫o denominada 鈥淢ar茅 Vazante e Mar茅 Cheia: sentidos e sentimentos da cultura em Matarandiba鈥 buscou responder como uma comunidade amea莽ada em sua territorialidade, encontrou nas pr谩ticas culturais, sentido para manter-se viva.
Localizada no munic铆pio de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, Matarandiba est谩 situada a 8 km da BA- 002, no estreito sul da Ilha, a apenas 1km de Nazar茅, no Rec么ncavo Baiano. A comunidade divide o territ贸rio com a Dow Brasil – que realiza a explora莽茫o do subsolo da regi茫o a 60 anos. Para chegar at茅 a comunidade ultrapassamos um port茫o, com um seguran莽a, que monitora a entrada e sa铆da de qualquer pessoa que deseja percorrer a estrada. O trajeto at茅 a vila 茅 marcado por uma reserva de mata atl芒ntica, com a forte presen莽a de dendezeiros, um grande bambuzal, intercalado por 谩reas de restinga e mangue, num cen谩rio marcado pela diversidade. Como estamos atravessando terras privadas, s茫o expl铆citos os elementos simb贸licos que demarcam o territ贸rio desde a sua entrada, e a insistente presen莽a de placas sinalizadoras, alertando o perigo que representa os v谩rios quil么metros de tubos de a莽o que recortam a paisagem, tendo como destino o porto de Aratu. Por eles 茅 conduzida a salgema 鈥 mineral utilizado para fabrica莽茫o de soda caustica, pl谩sticos e fertilizantes-, extra铆da pela empresa naquele territ贸rio.
A vila 茅 constitu铆da por uma comunidade centen谩ria, de aproximadamente mil habitantes, que tem a pesca e a mariscagem como atividade presente em seu cotidiano. Sua organiza莽茫o social se desdobrou na forma莽茫o de duas associa莽玫es – Associa莽茫o Comunit谩ria de Matarandiba (ASCOMA) e a Associa莽茫o Cultural de Matarandiba (ASCOMAT)-, que juntas realizam a gest茫o de diversos empreendimentos comunit谩rios, geridos seguindo princ铆pios da economia solid谩ria (centro de inform谩tica, horta agroecol贸gica, banco comunit谩rio, padaria, subs铆dio para transporte, e os pontos de cultura, mem贸ria e leitura). A realidade constru铆da se apresenta como desafiadora e provoca a comunidade a reinventar-se todo o tempo, fortalecendo os la莽os internos e construindo redes de contato com grupos que possuem experi锚ncias semelhantes. Criando alternativas capazes de contornar o impacto causada pelas esferas de poder dentro da comunidade, como estreitamento do territ贸rio e os baixos indicadores de desenvolvimento humano.
As atividades produzidas pelos espa莽os associativos, fazem emergir situa莽玫es que provocam a pr谩tica participativa da comunidade, for莽ando-a a se deslocar. A reconfigura莽茫o das percep莽玫es e as alian莽as constitu铆das atrav茅s das redes, mostra-se como elemento importante na luta contra as pol铆ticas de apagamento, objetivando a constru莽茫o de novos contextos sociais, econ么micos, pol铆ticos e culturais, diante de atividades que vem contribuindo com a promo莽茫o do territ贸rio. Dentre elas, destacamos a cria莽茫o de um calend谩rio cultural que organiza os festejos da comunidade constru铆dos ao longo do ano, ora com investimento da pr贸pria comunidade, ora pela capta莽茫o de recursos, diante de parcerias constitu铆das com o Estado atrav茅s de editais ou institui莽玫es privadas mediante conv锚nios e parcerias, como acontece dom a Dow.
A cada janeiro, saias de chita florida, estandartes e instrumentos de percuss茫o s茫o colocados nas ruas, dando vida aos festejos que movimentam a comunidade. O espa莽o p煤blico 茅 tomado e Matarandiba se transforma num teatro a c茅u aberto. Algumas apresenta莽玫es s茫o uma releitura de festejos populares como Folia de Reis, Boi Janeiro, lavagem, Samba de roda e devo莽茫o ao Santo Amaro, padroeiro da Vila. Apresenta莽玫es diversas, com ou sem conota莽茫o religiosa, num cen谩rio de riqueza cultural que contorna a dureza do cotidiano. Cada ato praticado demonstra a escolha dos sujeitos que optam 鈥減or viver a vida com arte鈥 (Frankl, 2017), convertendo o canto ancestral em arma de resist锚ncia, mas n茫o s贸, representando tamb茅m a a莽茫o consciente desses corpos impulsionados pela valoriza莽茫o da mem贸ria, capaz de reconstituir as identidades.
Lavagem do Cruzeiro | Foto: Joice Ara煤jo
Os festejos continuam durante o ano, alimentando uma programa莽茫o cultural que envolve todas as gera莽玫es. De junho a dezembro o calend谩rio apresenta express玫es culturais como a lavagem da fonte, o cozinhado das mulheres, uma programa莽茫o especial para as crian莽as, que apresentam a vers茫o mirim de todos os festejos, encerrando com o S茫o Gon莽alo nos dias 24 e 25 de dezembro, quando a imagem do santo percorre todas as casas da vila, para realizar o samba de Gon莽alo, que este ano faria 100 anos de exist锚ncia. Toda a comunidade abra莽a o novo ano com a celebra莽茫o do Aru锚, um boneco de mam茫o enfeitado colocado em um andor que sai por todas as ruas da vila sugando a energia ruim do ano que se encerra, acompanhado por uma multid茫o que canta em coro 鈥渁ru锚, aru锚, aru锚 aru谩, leva o ano velho que o ano novo vai chegar鈥. A oferenda 茅 ent茫o entregue as 谩guas que carregam todos os insucessos do ano, e como todas as outras festas de Matarandiba, abre-se uma imensa roda de samba onde homens batucam, e mulheres executam com maestria a pisada mi煤da que representa o samba de roda de Matarandiba.聽 A莽玫es festivas que representam a pot锚ncia do encontro. Corpos que caracterizam uma cultura viva e potente capaz de movimentar estruturas, e consolidar identidades.
Neste sentido, a pesquisa procurou apresentar uma comunidade que descobriu sua pot锚ncia diante da valoriza莽茫o da mem贸ria, apropriando-se de uma hist贸ria ancestral para dar continuidade ao projeto de luta pela exist锚ncia. O investimento realizado nas a莽玫es e pr谩ticas comunit谩rias demostra a pot锚ncia dos territ贸rios, e de como a diversidade existente neles, pode ser um elemento capaz de girar estruturas sociais fixas por caminhos alternativos, norteados pela 贸tica da solidariedade.
[1] Mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Membro do Observat贸rio da Diversidade Cultural
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