José Marcio Barros[1]
A partir da Constituição Federal de 1988, podemos dizer que se deu início a um novo modelo de relacionamento entre o Estado e a sociedade civil na construção e controle das políticas públicas. Ancorado no texto constitucional, consolida-se a presença mediadora de duas instâncias institucionalizadas de representação e participação social: os conselhos e as conferências. Para que se tenha uma ideia, entre 1941 e 2013, foram realizadas 138 conferências nacionais no país. Apenas 15 (11% do total) dessas conferências foram realizadas antes de 1988 e 97 (70% do total) aconteceram após o primeiro Governo Lula.
No que se refere aos Conselhos Nacionais, o Brasil possui na atualidade 36 Conselhos Nacionais e 4 Comissões Nacionais que integram a política federal de participação social, com funções de acompanhamento, deliberação e fiscalização de diferentes políticas públicas. Tais instâncias institucionais criaram novas dinâmicas e práticas de participação e deliberação, trazendo, ao primeiro plano da cena política, novos atores políticos e, consequentemente, novos desafios para o exercício do poder e da gestão pública.
Na área da cultura, o Conselho Nacional de Políticas Culturais, órgão colegiado que integra a estrutura do Ministério da Cultura, é uma instância de participação dos diversos setores da cultura brasileira e possui a finalidade de propor políticas públicas, promover e fiscalizar a articulação do governo com a sociedade civil na perspectiva do desenvolvimento e fomento das atividades culturais no território nacional. Instituído pelo Decreto 5.520, de 24 de agosto de 2005, mas instalado somente em 2007, o Plenário do CNPC é composto por 58 membros titulares e seus respectivos suplentes, com direito a voz e voto. Destes, 20 são representes setoriais eleitos por seus pares; 19 são representantes da burocracia do ente federal, 16 são indicados como representantes de fóruns, associações e entidades e 3 são pessoas de notório saber indicados pelo Ministro da Cultura. A composição detalhada é a seguinte:
Atualmente, o CNPC passa por um processo de renovação dos 15 representantes eleitos pela sociedade civil para integrar os 16 Colegiados Setoriais (cada um tem 20 titulares e 20 suplentes, em que 5 são representantes da máquina estatal). Os mandatos vencem neste ano de 2015 e o processo eleitoral, definido pelo EDITAL CNPC Nº 01/2015[2],, vem sendo chamado pelo coordenador do processo, o secretário de Articulação Institucional do Ministério da Cultura (SAI/MinC), Vinícius Wu, como uma expressiva sinalização do desejo de participação e aprimoramento de seu processo no Conselho. Vencidas as etapas de sensibilização, por meio de encontros regionais e mobilização digital, as inscrições para participação totalizaram surpreendentes 72.868 eleitores e 1.512 candidatos, o que significa um aumento expressivo se comparados aos números do pleito anterior, em torno de 5 mil eleitores. Parte principal da motivação para o número é a simplificação do processo de inscrição e a rodada de encontros presenciais realizadas pelo Ministério da Cultura em todo o país.
O processo ainda está em curso. Após as etapas de eleição dos delegados estaduais (de 1 a 3 por setorial), acontecerão os Fóruns Setoriais Nacionais e a escolha dos respectivos conselheiros. Nesta etapa final, os candidatos eleitos nos estados e os atuais titulares dos colegiados (candidatos natos) escolherão entre si os ocupantes das 30 vagas de representação da sociedade civil.
Processo rico e complexo, seus resultados parciais vem revelando traços novos e curiosos sobre a participação social no campo da cultura. Como apresenta o quadro abaixo, os estados com maior participação em termos de inscrição foram respectivamente Pará, Amapá e São Paulo. Considerando o peso populacional e a participação de cada estado no mercado e cenário cultural nacional e regional, encontramos uma realidade muito heterogênea que demandaria uma pesquisa qualitativa para se compreender de forma criteriosa e cuidadosa as bolhas e os vazios de inscrição no processo. Amapá, Rio Grande do Sul e Pará foram os estados que tiveram maiores números de votos no geral considerando todas as áreas, seguidos de perto por Maranhão, Pernambuco e Ceará. Um candidato de artes visuais do RS apresentou 695 votos e outro de Pernambuco apresentou 828 votos, a título de exemplo. Comparativamente, em diversos estados na eleição de 2013, houve candidatos com 01 ou 02 votos apenas.
Dos 72.868 inscritos no processo, 1.512 são candidatos a conselheiros setoriais. Aplicada as regras de proporcionalidade por número de participantes para eleição do colégio eleitoral de delegados estaduais, teremos 575 vagas de delegados para comporem o colégio eleitoral dos fóruns setoriais nacionais, considerando a participação dos membros natos.
Quando nos atentamos para a participação em recorte setorial, o resultado também oferece dados que nos convidam à reflexão sobre novos equilíbrios e correlações de força entre os diversos setores culturais e a composição do colégio eleitoral para a definição dos novos conselheiros. Vejamos abaixo a distribuição:
Candidatos setoriais | % | Vagas | % | Participantes por setorial | % | Setorial |
56 | 3,7 | 30 | 5,2 | 1.870 | 2,6 | Arquitetura e Urbanismo |
51 | 3,4 | 32 | 5,6 | 1.612 | 2,2 | Arquivos |
59 | 3,9 | 28 | 4,9 | 1.353 | 1,9 | Arte Digital |
112 | 7,4 | 38 | 6,6 | 3.948 | 5,4 | Artes Visuais |
94 | 6,2 | 35 | 6,1 | 4.474 | 6,1 | Artesanato |
51 | 3,4 | 36 | 6,3 | 1.199 | 1,6 | Circo |
133 | 8,8 | 38 | 6,6 | 9.049 | 12,4 | Culturas Afro-Brasileiras |
128 | 8,5 | 40 | 7 | 10.246 | 14,1 | Culturas Populares |
100 | 6,6 | 39 | 6,8 | 5.488 | 7,5 | Dança |
64 | 4,2 | 38 | 6,6 | 2.659 | 3,6 | Design |
155 | 10,3 | 44 | 7,7 | 8.075 | 11,1 | Literatura, Livro e Leitura |
56 | 3,7 | 31 | 5,4 | 1.988 | 2,7 | Moda |
185 | 12,2 | 46 | 7,9 | 8.288 | 11,4 | Música |
106 | 7 | 33 | 5,7 | 6.139 | 8,4 | Patrimônio Imaterial |
58 | 3,8 | 30 | 5,2 | 1.525 | 2,2 | Patrimônio Material |
104 | 6,9 | 37 | 6,4 | 4.955 | 6,8 | Teatro |
1512 | 100 | 575 | 100 | 72.868 | 100 | Total |
Fonte: http://culturadigital.br/mincnordeste/files/2015/10/CNPC-vis%C3%A3o-geral-candidatos.pdf
Outro dado que salta aos olhos e demanda análises aprofundadas, refere-se à incidência da falta de candidatos ou candidatos únicos por setorial e a relação entre candidatos e vagas no âmbito estadual para a composição do colégio eleitoral. A despeito do número expressivo de participantes, candidatos únicos e falta de candidatos aconteceram em várias setoriais estaduais. Por outro lado, a disputa mais acirrada acontece em alguns estados e algumas áreas como revela o quadro disponível neste link http://culturadigital.br/mincnordeste/files/2015/10/CNPC-vis%C3%A3o-geral-candidatos.pdf. Motivos para se comemorar existem e são substantivos. É inegável o avanço no processo de participação social no campo da cultura. A necessidade de qualificar os dados e perceber tendências e cenários é o desafio que o Grupo de Pesquisa Observatório da Diversidade Cultural começa a realizar e que complementará ao final do processo.
Para outras informações:
http://www.cultura.gov.br/cnpc
http://cultura.gov.br/votacultura/
[1] Doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Pós Graduação em Comunicação da PUC Minas, integra também o corpo docente do Curso de Comunicação Social. Professor da UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais, onde faz parte do corpo docente do Mestrado em Artes e coordena a Pós Graduação Lato Sensu em Gestão Cultural. Professor convidado do Programa de Pós Graduação em Cultura e Sociedade da UFBa. Coordena o GP Observatório da Diversidade Cultural, integra o Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – CULT, coordena o Programa Pensar e Agir com a Cultura e integra a Rede de Pesquisadores em Políticas Culturais.
[2] http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1285315/edital-cnpc-chancelado.pdf/83efbb10-89ª7-40ª8-8e29-64598c87ff6f
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