Há exatos 15 anos, em 6 de junho de 2003, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) da Universidade de Brasília marcava o nome da instituição na vanguarda da educação pública, ao aprovar a política que determinava um percentual de 20% do total de vagas no vestibular como cota para ingresso de estudantes negros na graduação. Em 2004, aconteceu o primeiro processo seletivo com essa possibilidade de acesso. Eram passos iniciais de uma cultura que resultou em uma Universidade mais inclusiva e diversificada, em todos os aspectos.
Dados levantados pelos decanatos de Ensino de Graduação (DEG) e de Planejamento, Orçamento e Avaliação Institucional (DPO) da UnB atestam que, nos últimos anos, o retrato da instituição tem se alterado pouco a pouco. Em grande parte, essa mudança reflete a diversificação do perfil socioeconômico dos ingressantes. A população negra, de classes econômicas menos privilegiadas e oriunda de escolas públicas tem se tornado cada vez maior, de acordo com dados extraídos do Sistema de Graduação (Sigra).
O fenômeno pode ser percebido, inicialmente, na opção pelos sistemas de vagas oferecidos nos diversos processos seletivos. Dos estudantes que ingressaram na UnB em 2017, 29,7% concorreram a vagas reservadas para alunos de escolas públicas – um desdobramento, a nível federal, da inovação trazida pela UnB em 2003. Destes, 11,8% eram de famílias com baixa renda (confira nos gráficos abaixo).
“Esse processo é comum a todas as universidades federais do país nos últimos anos, em maior ou menor grau”, analisa o decano do DEG, Sérgio de Freitas. O professor relata que, desde o ano passado, o decanato tem trabalhado, junto ao DPO, na consolidação e análise de informações para conhecer melhor a comunidade ingressante. Essa base norteará o estabelecimento de novas políticas de inclusão e de redução da evasão.
Grande parte dos alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica escolheram o Sistema de Seleção Unificada (SiSU/MEC) ou o vestibular tradicional como porta de entrada para a UnB. Na visão da pesquisadora do Observatório da Vida Estudantil Layla Teixeira, a diversificação das formas de acesso, em especial a implementação do SiSU – que considera a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) –, tem se mostrado ferramenta fundamental para a democratização da educação superior.
“A característica do Enem é ser uma prova mais analítica do que conteudística, conseguindo abarcar uma diversidade maior de trajetórias de formação escolar do que o vestibular e o PAS”, avalia.
Outros fatores são considerados quando se trata do perfil dos ingressantes, como faixa etária e sexo. A maioria (66,25%) dos novos estudantes adentraram na UnB em 2017 com idade entre 18 e 24 anos. Apesar do número de homens ser superior entre os novatos, a presença feminina quase se equipara: eles totalizam 50,76%; elas, 49,24%.
Quanto às áreas de conhecimento escolhidas pelos recém-chegados no mesmo período, vê-se a prevalência do sexo feminino nos cursos de humanas e da área da saúde, enquanto que grande parte dos rapazes preferem as graduações nas ciências exatas. “Há uma educação de gênero que direciona esses estudantes para os cursos de acordo com o que seriam as aptidões mais adequadas para o perfil feminino e masculino. Essa é outra questão que precisamos rediscutir”, acredita a pesquisadora Layla Teixeira.
MAIS EQUIDADE – Alguns fatores explicam os avanços que vêm tornando o espaço acadêmico mais inclusivo. O decano Sérgio de Freitas cita a descentralização da UnB, com a implantação de outros campi, como um dos principais propulsores para ampliar a oportunidade de acesso entre a população da capital federal como um todo. “A situação geográfica desses campi permitiu uma mudança de perfil e a descentralização da procura pela Universidade. Isso porque eles passaram a absorver a população do entorno onde estão situados”, avalia.
A Universidade também tem se mostrado mais democrática em termos de diversidade racial. Pretos e pardos ganharam mais expressividade entre os ingressantes. Dos recém-chegados em 2017, 33,53% se autodeclaravam como tal, enquanto 29,24% se identificaram como brancos.
A estimativa demonstra que, em cinco anos, houve aumento no número de calouros que se identificam como pretos e pardos e redução dos autodenominados brancos. Em 2012, eles correspondiam a 29,85% e 33,03%, respectivamente. O levantamento não permite, no entanto, identificar se pretos e pardos se tornaram maioria na UnB, tendo em vista o percentual de alunos sobre os quais não se tem informação a respeito.
Dados similares foram coletados pelo Observatório da Vida Estudantil e reforçam essa transformação. As informações deste estudo foram obtidas por meio de respostas a formulários, entregues pelos calouros durante o registro acadêmico. Os números representam, com bastante proximidade, a comunidade de ingressos e não se referem ao universo total de estudantes matriculados na instituição.
“Em 2014, mais de uma década depois da aprovação da primeira política de cotas para negros, apareceu pela primeira vez um número maior de estudantes pretos e pardos do que de brancos. Depois disso, só em 2016 esse número volta a ser maior, já como uma tendência consolidada”, observa a pesquisadora Layla Teixeira.
O decano Sérgio de Freitas enxerga a implementação da Lei de Cotas para o Ensino Superior, realizada de forma progressiva a partir de 2013, como passo decisivo para essa transição de cenário. A normativa prevê a reserva de 50% das vagas das universidades para alunos que cursaram ensino médio na rede pública. Na UnB, desse percentual, 28,5% das vagas são destinadas a pretos, pardos e indígenas. O número é calculado com base no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a população do Distrito Federal.
Com a vigência da lei nacional, a reserva de cotas raciais da Universidade de Brasília foi reduzida de 20% para 5%, já que agora entram na conta critérios socioeconômicos. Atualmente, o total de vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas nos processos seletivos da instituição, considerada a adoção de todas as políticas vigentes, contabiliza 33,5%.
REPRESENTATIVIDADE – Para a estudante de Comunicação Larissa de Oliveira, natural de Recife, Pernambuco, as cotas vieram garantir o sonho de estudar na Universidade de Brasília e trilhar um futuro diferente de sua família.
“Quando estavam nesta idade, minha mãe e minha vó não pensavam em terminar o ensino médio e fazer faculdade. Eu já tinha essa perspectiva, porque elas colocaram na minha cabeça e fizeram de tudo para eu ter uma educação de mais qualidade. As cotas ajudam a diminuir um pouco essa diferença da formação que tivemos”, afirma.
Para o decano Sérgio de Freitas, o exemplo positivo que o sucesso de um jovem com este novo perfil pode representar significa um impacto em grande escala. “O que, para uma determinada família, é apenas mais um profissional que se forma, para outras pode ser o único profissional que se formou, e ele vai servir de exemplo para outros jovens, os quais passarão a ver que é possível estar na universidade pública.”
O Decanato de Ensino de Graduação projeta, além da atual penetração da diversidade de perfis socioeconômicos na Universidade, resultados mais concretos dessas políticas em futuro breve. “Teremos uma sociedade muito mais igualitária e democrática. Isso irá se refletir, como em qualquer processo educativo, nas próximas décadas, com a inserção de profissionais mais qualificados em diversos extratos sociais”, analisa Sérgio de Freitas.
CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024 A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]
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