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Arte subdesenvolvida para um país subdesenvolvido? – Coluna de Alexandre Barbalho 06/11/2024

Por Alexandre Barbalho

 

Arte para quê?, se e nos perguntava Aracy Amaral, em livro seminal publicado em 1984. Seu objetivo era discutir a preocupação social na arte brasileira nas décadas explosivas de 1930 a 1970, tempos de nacional-desenvolvimentismo em governos democráticos e autoritários.

Cobrindo basicamente o mesmo período analisado pela crítica, curadora e historiadora paulista, o curador e crítico pernambucano Moacir dos Anjos parece fazer quase a mesma pergunta, exatos quarenta anos depois: arte subdesenvolvida para quê? Trata-se da exposição “Arte Subdesenvolvida”, que está circulando pelos Centros Culturais Banco do Brasil (https://ccbb.com.br/belo-horizonte/bh-programacao/arte-subdesenvolvida/). Com sua curadoria, Moacir mobiliza artistas (não só visuais), pensadoras, pensadores e documentos que colocaram em xeque nosso estatuto de nação subdesenvolvida e o consequente esforço de superação desse suposto estado existencial que marcou aqueles anos. Na realidade, as próprias noções de “desenvolvimento”, “subdesenvolvimento” e afins são postas sob rasura ao longo da exposição.

Guy Hermet afirma que no século XIX não se falava em “desenvolvimento”, mas de “progresso” e “civilização”. Na realidade, estes termos são muito próximos em seus significados. Segundo Raymond Williams, as palavras desenvolver (develop) e desenvolvido (developed) surgiram na língua inglesa em meados do século XVII e suas origens remontam à palavra do francês antigo desvoleper que significava o contrário de “envolver”, “ligar”, de onde vem “desenvolver”, “desenrolar”.

No século XVIII, identifica-se o uso metafórico da palavra no sentido de “desenvolver as faculdades da mente humana”, mas sua “primeira grande ampliação” ocorreu junto com a “nova biologia, em estreita relação com as ideias de evolução”. Essa perspectiva biológica é incorporada pelo pensamento econômico no século seguinte no sentido de que as sociedades evoluem no rumo de seu desenvolvimento progressivo. Na escala evolutiva estabelecida pelo desenvolvimento pautado por uma lógica comercial e industrial, as sociedades podem ser desenvolvidas, ponto final do processo, ou encontrar-se em uma de suas etapas: não-desenvolvida, atrasada ou subdesenvolvida ou em desenvolvimento.

É nesse “enredo verbal”, como denomina Williams, que a generosidade da ajuda aos “países em desenvolvimento” se confunde com práticas de supressão de identidades dos “outros” (os “em desenvolvimento”) e com a imposição de processos de desenvolvimento voltados para o mercado mundial controlado pelos “desenvolvidos”.

Como situa André Frankovits, o “desenvolvimento” foi promovido depois do pós-guerra por bancos multilaterais, como o Banco Mundial, a partir do Plano Marshall que visava, inicialmente, a reconstrução da Europa, mas que posteriormente serviu de base para políticas aplicadas na África, Ásia e América Latina. Tal “assistência ao desenvolvimento” tinha como objetivo ajudar a estabilizar as estruturas econômicas e políticas das nações necessitadas, contrapondo-se ao modelo e ao eventual crescimento comunista.

Ainda segundo Williams, os termos “desenvolver”, “desenvolvimento”, “desenvolvido”, “subdesenvolvido” e “em desenvolvimento” submetem à sua aparente simplicidade questões políticas, econômicas, sociais e culturais que são de difícil solução. E recomenda que é na análise de práticas implementadas sob a noção de “desenvolvimento” que se pode chegar a um reconhecimento mais específico e, portanto, mais necessário e  possível do que seja seu significado.

“Arte subdesenvolvida”, a exposição, é assim, um estudo de uma prática implementada de desenvolvimento e subdesenvolvimento que teve uma nação como alvo. E talvez a obra síntese, entre as expostas, desse olhar crítico seja o registro em fotografia da performance “O Brasil é meu Abismo” do artista pernambucano Daniel Santiago no Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães, em Recife, realizada em 1982. A frase é retirada do verso “O Brasil não é o meu país: é o meu abismo” do escritor também pernambucano Jomard Muniz de Britto. Na imagem vemos o artista segurando com as mãos um enorme cartaz com a referida frase/verso. Acontece que ele está pendurado por uma corda de cabeça para baixo, como um enforcado à avessas. Ou à beira do abismo do subdesenvolvimento.

Referências

Aracy Amaral. Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira, 1930-1970: subsídio para uma história social da arte no Brasil. São Paulo, Nobel, 1984.

André Frankovits. Development.  In: Bennett, T.; GROSSBERG, L.; MORRIS, M. (ed). New Keywords: A revised vocabulary of culture and society. Oxford: Blackweel, 2005. p. 78-81.

Guy Hermet. Cultura & desenvolvimento. Petrópolis, Vozes, 2002.

Raymond Williams. Palabras clave: Un vocabulario de la cultura y la sociedad. Buenos Aires, Nueva Visión, 2003.

 

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