Imagem capa: Freepik (Licença gratuita)
REPRODUÇÃO: NEXO JORNAL
Por: Rafael Grohmann e Mark Graham(*)
A noção de trabalho decente está na ordem do dia. Cunhada em 1999 pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), ela faz parte de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas), prevendo a garantia de trabalho decente para todas as pessoas até essa data. Isso se faz especialmente relevante em um contexto de enfrentamento às consequências socioeconômicas da pandemia. A base dessa agenda para o futuro do trabalho é o deslocamento de um foco excessivo no desemprego e das indagações sobre se os robôs tomarão nosso lugar para questões como a deterioração da qualidade do trabalho e as dinâmicas de subemprego que nem sempre são captadas pelas estatísticas.
Isso se situa em um contexto marcado por uma crescente dependência de plataformas digitais para conseguir se sustentar — o que chamamos de plataformização do trabalho. Não é um fenômeno isolado, mas uma radicalização de processos anteriores já existentes, como a flexibilização das relações de trabalho, em um cenário brasileiro onde a gig economy, de fato, é norma histórica da classe trabalhadora.
Quando pensamos no trabalho em plataformas, é comum vir à cabeça o cotidiano de entregadores e motoristas. Porém, a dependência dessas tecnologias tende à generalização. Pode ser trabalho doméstico, eletricista, jornalista, designer, ou ainda quem trabalha produzindo dados para inteligência artificial em plataformas como Amazon Mechanical Turk ou moderando conteúdo em empresas terceirizadas do Facebook. Uma multiplicidade de situações de trabalho. Tudo plataformizado, seja nas ruas ou em casa.
Diversos estudos, dentro e fora do Brasil, têm apontado que as condições dos trabalhadores estão longe do ideal. Diante disso, será possível garantir trabalho decente em plataformas digitais?
A base dessa agenda para o futuro do trabalho é o deslocamento de um foco excessivo no desemprego e das indagações sobre se os robôs tomarão nosso lugar para questões como a deterioração da qualidade do trabalho e as dinâmicas de subemprego
Em janeiro, a OIT divulgou relatório sobre trabalho em domicílio em que destaca a invisibilidade de quem trabalha de suas próprias casas, seja no trabalho remoto para empresas ou no trabalho em plataformas digitais, entendido em todas as suas possibilidades de atuação. O relatório faz uma série de recomendações a formuladores de políticas públicas no sentido de garantir condições decentes de trabalho. Entre elas, o direito à desconexão, a elaboração de soluções para combater os efeitos psicossociais derivados do trabalho de moderação de conteúdo, a introdução de medidas que mitiguem os riscos derivados do isolamento social e a adoção de uma política nacional do trabalho em domicílio, incluindo enquadramentos legais para a igualdade de gênero.
Mas o que define mesmo um trabalho como decente ou justo? O projeto Fairwork, coordenado pela Universidade de Oxford e presente em diversos países — inclusive o Brasil —, construiu, em consonância com a OIT, cinco princípios de trabalho decente em plataformas digitais, seja nas ruas ou em casa: 1) remuneração; 2) condições de trabalho; 3) contratos; 4) gestão; 5) representação. O objetivo do projeto é destacar as melhores e piores práticas da economia de plataformas em cada país, ao passo em que busca imaginar e concretizar outros mundos possíveis.
Os princípios, desdobrados em dez indicadores, colocam que os trabalhadores devem ganhar uma renda decente levando em conta os custos do trabalho e todas as horas trabalhadas. Eles também devem receber em dia e por todo o trabalho concluído. No quesito condições, as plataformas necessitam ter políticas para proteger os trabalhadores dos riscos de suas atividades, além de tomar medidas proativas para promover a saúde e a segurança no trabalho. Elas devem ainda adotar medidas responsáveis e éticas de proteção e gerenciamento de dados. Os termos e condições precisam ser transparentes, concisos e sempre acessíveis aos trabalhadores, que também devem ser notificados de quaisquer mudanças em um prazo razoável. Os contratos não podem conter cláusulas que tirem, de forma injustificada, a responsabilidade das plataformas, nem podem impedir os trabalhadores de buscarem seus direitos.
Além disso, assegurar o trabalho decente em plataformas envolve a necessidade de processos documentados para todas as decisões que afetam os trabalhadores, que têm o direito de recorrer de bloqueios e desativações e de serem informados das razões por trás dessas decisões. O item de gestão também implica o uso de algoritmos que não desfavoreçam os trabalhadores. As plataformas ainda precisam apresentar políticas para garantia de igualdades na forma como os diversos trabalhadores são gerenciados, inclusive no combate à discriminação de quaisquer tipos. Finalmente, os trabalhadores precisam ter sua voz reconhecida pelas plataformas, com o direito à organização coletiva. Nesse sentido, as plataformas devem estar preparadas para negociar e dialogar com os trabalhadores, além de apoiar a governança democrática.
A metodologia do Fairwork prevê pesquisa documental, entrevistas com trabalhadores e gestores das plataformas e, diferentemente de outras pesquisas, é focada nas plataformas e no cumprimento ou não desses princípios. As empresas apenas recebem pontuação quando podem demonstrar de forma satisfatória e com evidências sua conformidade aos quesitos de trabalho decente. Isso significa que as plataformas precisam estar dispostas a abraçar a agenda de trabalho decente e que os pesquisadores se comprometem a dialogar com todas as partes interessadas, como empresas, poder público, acadêmicos, formuladores de políticas e organizações de trabalhadores.
O Fairwork tem apresentado alguns resultados em outros países. Na África do Sul, por exemplo, NoSweat e GetTOD adotaram políticas para pagar salário mínimo e se envolver com organizações de trabalhadores. A NoSweat criou políticas detalhadas para segurança e saúde no trabalho Já na Índia, a Urban Company concordou em adicionar uma cláusula que proíbe explicitamente os consumidores de discriminarem os trabalhadores. Além disso, a Zomato, última colocada no país, prometeu melhorar sua avaliação. Isso evidencia possibilidades de construção de trabalho decente em plataformas digitais, que, inclusive, podem ser aplicadas a outros tipos de organização, como o cooperativismo de plataforma.
No Brasil, o projeto de lei n. 4.172/2020, de autoria do deputado Henrique Fontana (PT-RS), busca cumprir a agenda nacional de trabalho decente a partir dos cinco princípios elencados acima. Já a pesquisa do Fairwork está em andamento no país, e esperamos contar com a colaboração de todas as partes envolvidas para a garantia de trabalho decente em plataformas digitais. O que as pontuações do Fairwork ao redor do mundo mostram é que não há nada inevitável no trabalho em plataformas. A questão do trabalho decente é uma escolha feita por plataformas, reguladores e formuladores de políticas.
(*) Sobre os autores:
Rafael Grohmann é professor do mestrado e doutorado em comunicação da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e coordenador do Laboratório de Pesquisa DigiLabour. Também coordena no Brasil o projeto Fairwork. É autor do livro “Os laboratórios do trabalho digital”, que será publicado pela editora Boitempo.
Mark Graham é diretor do Fairwork e professor de geografias da internet no Oxford Internet Institute, da Universidade de Oxford. É coautor do livro “The gig economy: a critical introduction”.
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