Arquivo Pessoal | Jezulino Lúcio Braga

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Museus, Memória e Diversidade

Foto: Arquivo Pessoal | Jezulino Lúcio Braga

O Observatório da Diversidade Cultural entrevistou Jezulino Lúcio Braga. Doutor em Educação pela UFMG, Vice-Diretor da Escola de Ciência da Informação da UFMG e professor do curso de Museologia da UFMG, Jezulino Lúcio pesquisa processos educativos em museus e práticas de memória no ensino de história.

Nessa entrevista ele fala sobre o Museu Bajubá – um projeto que busca conhecer, promover, apoiar, divulgar e defender a cidadania cultural da comunidade LGBTIA+ brasileira – e outras iniciativas para a preservação e da memória do movimento LGBTQIA+.

A entrevista foi realizada pelo pesquisador do ODC e mestrando em Ciência da Informação (UFMG), Igor Cândido, que é também museólogo, gestor e produtor cultural.

Observatório da Diversidade Cultural (ODC) – Qual foi a motivação para a criação do Museu Bajubá, que resultou na criação do projeto de extensão desenvolvido no curso de Museologia da UFMG?

Jezulino Lúcio (JL) – O Museu Bajubá é uma iniciativa da Rita Colaço, uma ativista e pesquisadora da memória LGBT. Ela tem um blog, “história e memória das sexualidades”, e há muito tempo ela vem reunindo um acervo sobre a história LGBT do Rio de Janeiro. Juntamente com Luiz Morando, que também tem um acervo grande sobre a história e memória LGBT de Belo Horizonte, e com outros pesquisadores do tema, tanto historiadores como antropólogos, eles tiveram a iniciativa de difundir esse acervo e imediatamente procuraram os cursos de museologia. Em um primeiro momento, acionaram o curso de museologia da UNIRIO, e depois o curso de museologia da UFMG, pois eu já vinha desenvolvendo uma disciplina sobre “memória e diversidade”. Como Luiz Morando é um amigo pessoal, ele me procurou para integrar a este projeto. Quando o Luiz me procurou, eu sugeri que eles tratassem o acervo e que eles começassem a divulgá-lo por meio de uma plataforma virtual, um site que inclusive já está criado, o www.museubajuba.org, e também que  esse acervo fosse gerido através de um software livre chamado Tainacan, que é um software de gestão de coleções. Naquele mesmo momento, surgiu o edital “Democratizar” na UFMG, para projetos de extensão. Esse edital previa projetos que se relacionassem com a questão dos direitos humanos. Então, eu fiz a inscrição do Museu Bajubá para que obtivéssemos bolsistas de extensão. Nós fomos contemplados com duas bolsas e selecionamos uma bolsista do curso de Museologia e uma do curso de Comunicação Social, tanto para nos dar suporte para a gestão da coleção no Tainacan, como para difundir o acervo através das mídias sociais – que tem acontecido no Instagram do Museu Bajubá. Portanto, hoje eu desenvolvo um projeto de extensão com esse museu.

ODC – Na sua percepção, quais ferramentas da museologia poderiam contribuir com a formulação de propostas que preservem a memória de grupos invisibilizados pela sociedade?

JL – A museologia hoje fala muito em pensamento decolonial, em decolonizar. Isso porque os grupos reivindicam suas narrativas e, ao reivindicar as suas narrativas, é necessário que a gente tenha acesso também a acervos para produzir essa narrativa. Seja acervo documental ou acervo de objetos. Enfim, o que ficou muito tempo nas reservas técnicas dos museus. A gente sabe que os museus, arquivos, enfim, eles são homo-lesbo-transfóbicos, então, a museologia hoje pode, com as ferramentas e os protocolos da museologia, discutir questões de gênero, buscar esses acervos e muito mais, comunicar esses acervos. Não adianta nada tratar esses acervos, conservá-los e preservá-los, sem promover o acesso a eles para pesquisadores, dar conhecimento às pessoas sobre a existência dessas narrativas, buscar a história dos nossos griôs e das nossas griôas, ou seja, das pessoas LGBTIA+ que fizeram e fazem história. Eu costumo dizer o seguinte: as pessoas falam da revolta de Stonewall como sendo o marco do movimento LGBT mundial, e foi, eu não estou negando que seja. Inclusive, muitas pessoas falam da Marsha P. Johnson (mulher trans que começa esse movimento e que origina o Dia do Orgulho que, aliás, foi outro dia) mas esquecem das histórias e narrativas de sujeitos e sujeitas que estiveram perto de nós. Quem já ouviu falar em Sofia de Carlo? Edson Nunes? Entre tantos outros e tantas outras pessoas LGBTs, como Lota Macedo Soares, Anyky Lima (que faleceu recentemente), Jorge Lafon, Clóvis Bornay. Quer dizer, é necessário que as pessoas entendam que estes LGBTs, que fizeram e fazem parte da história, também tem muito a dialogar com o tempo presente. Por que eles têm que dialogar com o tempo presente? Nós vivemos em uma sociedade que mata LGBTs, então, buscar essas narrativas é evidenciar também uma luta, que é uma luta do passado-presente, e revela que é possível um outro mundo, é possível que tenhamos um mundo com menos preconceito e com respeito às nossas existências.

ODC – De acordo com a história do movimento LGBTQIA+ no Brasil, você percebe avanços nas discussões em pauta como sendo efetivas para a melhoraria da qualidade de vida dessa população, como a inserção no mercado de trabalho e a garantia da dignidade dos direitos humanos?

JL – Do ponto de vista da memória LGBT, como eu disse anteriormente, recuperar essas narrativas é recuperar a luta por direitos. Por direito de existir, que as pessoas possam viver e não serem mortas pelo simples fato de terem uma condição sexual diferente. E nesse sentido, eu acredito que houve muitos avanços, mas ainda pequenos. Ou seja, a gente fala de acesso às pessoas LGBTs nas universidades, de pesquisadores LGBTs, mas ainda é muito pouco. As nossas pautas muitas vezes não entram nos programas de pós-graduação, pesquisa e extensão, e é necessário que a gente consiga isso. As nossas pautas não entram nas atividades acadêmicas curriculares, e é necessário que a gente trilhe um caminho para conseguir isto.  As condições de saúde das pessoas LGBTs ainda tem que melhorar muito. Por exemplo, o acesso à saúde pública (SUS) para pessoas trans ainda é muito precário, ainda mais para os processos de transição de gênero. As pessoas que geralmente conseguem, o fazem em redes particulares. O SUS ainda atende muito mal. Sobre a questão do nome social, não há um respeito efetivo nas universidades, nos espaços públicos. Há muitos avanços, mas eu ainda os considero pequenos frente a nossa população e frente aos desafios que a gente tem.

ODC – Além do Museu Bajubá, você sugere outros tipos de iniciativas culturais que trabalhem com a temática da diversidade ou museus que discutem a memória da comunidade LGBTQIA+?  

JL – Felizmente, nós estamos tendo muitas iniciativas de difusão do acervo e de museus LGBT, ou seja, essa museologia do ponto de vista das narrativas de memória. No Brasil, eu destaco o Acervo Bajubá, o Acervo Lésbico Brasileiro, que está nas redes sociais, o MUTHA, que é o Museu Transgênero de História e Arte. Indico também o blog “história e memória da sexualidade” e o Museu da Diversidade Sexual.

Uma coisa interessante no nosso projeto de extensão, é que nós temos pesquisado nesse período da pandemia, de 2020 para 2021, como cresceram as redes sociais dessas iniciativas. Nós fizemos um levantamento extenso sobre esses acervos que se projetam nas redes sociais, principalmente no Instagram. No entanto, alguns deles também cresceram com a criação de sites, como é o caso do MUHTA e do Museu Bajubá, que agora tem um site já criado. Além disso, o curso de museologia  da UnB teve uma exposição curricular chamada “Montações”, que foi muito interessante, e o curso de Museologia da UFMG pretende também, em um futuro próximo, talvez no ano de 2022, realizar uma exposição sobre a memória LGBT com o acervo do Centro de Estudos, Pesquisa e Memória Cintura Fina, que é um acervo que ainda está sendo tratado e ainda não está sendo difundido devido a Pandemia. Ainda não conseguimos realizar o tratamento desse acervo, mas ele já foi doado para UFMG pelo professor e pesquisador Luiz Morando. Brevemente projetaremos esse acervo na rede, com o sentido de dar acesso a essa documentação que está salvaguardada conosco.

A museologia, falando do lugar e do pensamento da museologia, pode-se dizer que ainda não tem uma epistemologia de pensar o tratamento desses acervos, pois a museologia LGBT ainda é algo muito novo. Há muita produção bibliográfica, mas ainda é uma posição rarefeita pensar as categorias, pois tem categorias que não se adequam às experiências das realidades brasileiras, como por exemplo a categoria queer, que acredito que não se adapta muito às experiências do LGBTs no Brasil. É necessário pensar na memória de pessoas trans e travestis, porque quando se fala de acervo das pessoas trans e travestis do Brasil, quase que não existe. É preciso refletir sobre o acervo de pessoas LGBTs que está se perdendo. Portanto, são muitos desafios, mas já existem muitas iniciativas bacanas. Por fim, indico a Rede LGBT de Memória e Museologia Social, que é uma iniciativa interessante que reúne o país inteiro com pesquisadores do campo da museologia e que estão tratando essa questão desses acervos e arquivos.

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