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Projeto Olho do Tempo – Escola Viva: sem sonho não existe o ser humano

Foto: Reprodução olhodotempo.org.br

No mês de maio, o Observatório da Diversidade Cultural realizou um evento dedicado à diversidade cultural, cujo tema central foi a relação entre cultura e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e apresentou um conjunto de conversas plataforma Youtube tendo como convidados projetos e iniciativas que envolvem a arte e a cultura e suas relações com os ODSs.

Um dos projetos participantes da live sobre a contribuição da cultura para os ODSs da dimensão ambiental foi o Projeto Olho do Tempo – Escola Viva, que desenvolve atividades relacionadas à preservação do meio ambiente, educação e cultura, com crianças e jovens da comunidade do Vale do Gramame, na Paraíba. Esta iniciativa contribui com vários ODSs, incluindo o ODS 6, que busca assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água para todas as pessoas. Para apresentar essa experiência, conversamos com a Mestra D’Oci, idealizadora do projeto e que nos encantou com a história desse sonho!

 

Observatório da Diversidade Cultural (ODC) – Antes de mais nada, quem é a Mestra D’Oci? Qual o sonho dessa mulher?

Mestra D’Oci – Sou uma baiana, filha do bairro dos Alagados, em Salvador, mas escolhi viver e morrer na Paraíba. Sou educadora, formada em Letras pela Universidade Federal da Bahia e especialista em educação para adultos pela Universidade Federal da Paraíba. Além disso, sou contadora de histórias. Meu sonho foi o de devolver ao mundo aquilo que ele me proporcionou, e a minha forma de fazer isso foi trocar os meus bens pessoais, e tudo que construí ao longo da minha vida, por uma escola que pudesse receber crianças e adolescentes para construir e vivenciar um projeto democrático  de educação para a vida coletiva e para o mundo.  E foi assim que se deu. Vendi tudo o que tinha, comprei esse espaço, abri as portas e deixei que as crianças viessem e me dissessem o que elas queriam, entrassem e me contassem quais eram os seus sonhos. Porque de onde eu venho, crianças não têm sonhos, têm necessidades. Mas eu nunca acreditei nisso, porque eu consegui sair daquele lugar e chegar aqui onde estou. Isso é possível quando você não perde de vista o sonho, mesmo que a necessidade seja gritante. E assim nasceu o projeto Olho do Tempo – Escola Viva.

Mestra D’oci, reconhecida nacionalmente como Mestra Griô no seu saber, implantou no Vale do Gramame a Escola Viva Olho do Tempo.

ODC – O que é o Projeto Olho do Tempo – Escola Viva?

Mestra D’Oci – Esse projeto nasceu em 1998 no Vale do Gramame, zona rural de João Pessoa. Pelo seu caráter coletivo, o Olho do Tempo – Escola Viva se institui como associação sem fins lucrativos com certificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Também é Ponto de Cultura e de Memória credenciado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Hoje, o projeto possui uma estrutura que possibilita o desenvolvimento de todas as ações a que se propõe. O projeto é dotado de quatro salas de aula, sala de projeção audiovisual, biblioteca, museu, trilhas ecológicas, teatro escola, estúdio de música, quadra de esportes, laboratório de fotografia, cozinha e sala de informática.

A gestão é compartilhada, em uma relação dialógica e horizontal, desde os menores até os mais experientes. Há uma divisão de trabalho onde cada um assume seu compromisso. As decisões são discutidas na roda de forma coletiva, e a partir daí passam a ser respeitadas pelo coletivo.

É muito bonito acompanhar o crescimento dessas crianças, cada um atuando no seu respectivo setor, com compromisso com o todo. Hoje temos um trabalho de grande porte, com 130 crianças e adolescentes envolvidos em atividades de cultura, meio ambiente e comunicação. Inserido nesse contexto, temos os Guardiões do Rio Gramame que vestem a camisa da vida, cuidando e monitorando o rio e seu fluxo. Aqui nós ensinamos a essas crianças que sem sonho não existe o ser humano, sem sonho eu não vejo o outro porque eu não me vejo.

O nosso trabalho busca construir algumas compreensões de que, mesmo diante das adversidades, a gente pode sim pegar uma ponte, e mesmo sabendo das dificuldades de andar nessa ponte, ao atravessá-la, podemos decidir para onde queremos ir. Assim, buscamos fortalecer as passadas, o equilíbrio com a cabeça, para que as crianças e adolescentes atravessem a ponte da sua vida e cheguem do outro lado, em solo firme.

ODC – Qual o foco de atuação do Projeto e quais as ações realizadas?

Mestra D’Oci – O Olho do Tempo foi idealizado como complemento educacional para construir caminhos de autoconhecimento, enquanto seres coletivos, e assim fortalecer o sentimento de comunidade nos espaços de vida dos moradores da região do Vale do Gramame. Atuamos na construção de uma sociedade democrática, com igualdade social, buscando uma melhor qualidade de vida para a criança, o adolescente e familiares, por meio de ações compartilhadas de cultura, meio ambiente e tecnologia digital.

As ações desenvolvidas buscam contribuir com a formação integral das crianças e adolescentes, complementando a educação formal e, para isso, são realizadas ações socioeducativas focadas na compreensão e valorização da cultura e do meio ambiente, nos saberes dos mestres e mestras da oralidade, nas vivências em rodas e nas relações intergeracionais. Este trabalho busca construir caminhos para que crianças e jovens continuem permanentemente estimulados a sonhar, realizar e protagonizar histórias de beleza, superação e transformação, fortalecendo seus potenciais para caminhar, ensinar, aprender e ressignificar.

ODC – Como o Projeto Olho D’água contribui para o ODS 6?

Mestra D’Oci – Aqui nós atendemos a vários ODSs e não somente ao ODS 6. Atendemos a redução de desigualdade, cidades e comunidades sustentáveis, consumo e produção responsável, mudança global do clima e trabalhamos com a água. Trabalhamos com uma série de itens desse conjunto que engloba os ODSs, mas, o mais importante, é que aqui trabalhamos com a comunidade o sentimento de pertencimento em relação ao lugar onde a gente vive, um lugar que possui um rico patrimônio natural e cultural. Trabalhamos também com essa questão da importância de sonhar, de acreditar na educação e na formação do ser humano.

Para atender ao ODS 6 desenvolvemos várias ações, dentre elas o trabalho de preservação dos olhos d’água (nascentes), que são fontes de manutenção da vida dos seres vivos, bem como o atendimento prioritário de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, fomentando o sonho de cada um como ferramenta de transformação humana.

Para nós, o sonho existe como ferramenta de transformação humana, pois é onde nasce o desejo, a esperança e a certeza de que é possível alcançá-lo, na medida em que formamos cidadãos e cidadãs mais conscientes, atuantes e inspiradores.

Todas as atividades realizadas buscam ampliar a compreensão dos nossos educandos para ações positivas acerca da preservação do meio ambiente, da educação e da cultura e, por isso, desenvolvemos várias ações permanentes e continuadas, tais como: Proteção do Rio Gramame e de sua mata ciliar, na perspectiva ambiental; Programa Eco-educação: Cultura, Memória e Tecnologia no Vale do Gramame; ações continuadas de fortalecimento dos griôs, mestres e mestras de tradição oral; Roteiro Ecológico Cultural de Trilhas Griôs; Museu Comunitário; Gincana Ambiental; e Carroça da Leitura.

É conjunto de ações que objetivam ampliar a visão de mundo de crianças e jovens, possibilitando o contato com as novas tecnologias e, sobretudo, com a articulação de conhecimentos e saberes que visam conectá-los com a importância da preservação e proteção dos bens naturais e culturais, bem como contribuir para a construção de valores positivos sobre a vida em comunidade.

ODC – Quais as principais dificuldades enfrentadas hoje no Vale do Gramame, em relação à preservação do meio ambiente?

Mestra D’Oci – A ausência de atuação e fiscalização do poder público municipal, estadual e federal no cumprimento da legislação ambiental e na adequação dos empreendimentos situados no curso do rio, de forma a minimizar os impactos e garantir um ambiente equilibrado.

Apesar de toda visibilidade com a campanha permanente “O Rio Gramame quer viver em águas limpas”, realizada há 17 anos com o trabalho de conscientização e sensibilização promovido pela Escola Viva Olho do Tempo e as comunidades ribeirinhas, e pertencente à Agenda 21 do Baixo Gramame, o poder público ainda não prioriza e não dá real importância à grave situação do Rio Gramame e toda a sua bacia hidrográfica, mesmo sendo ela responsável por 70% do abastecimento da água de João Pessoa e municípios do entorno.

Por meio de um projeto realizado em parceria com o Ministério Público Federal e a Universidade Federal da Paraíba, mantemos as ações de mobilização da campanha nos últimos anos. Porém, os demais órgãos não atuam de forma efetiva para fiscalizar, mitigar e promover uma real transformação nos impactos presentes ao longo do rio, apenas realizam ações pontuais que não resultam em mudanças concretas. Em geral, há um adiamento no tratamento das necessidades urgentes do rio, com uns órgãos delegando atribuições para outros, para não assumir o problema e buscar soluções efetivas.

No entorno do Rio Gramame, principalmente no baixo curso do Rio, temos o distrito industrial da capital, repleto de empreendimentos poluentes que não tratam os efluentes e os resíduos, embora operem com autorização e licenças ambientais do poder público, contribuindo de forma permanente e contínua para a degradação da bacia hidrográfica. No alto e médio curso do rio, temos as usinas sucroalcooleiras, granjas e sítios, pequenos pecuaristas, meios de hospedagem e casas de veraneios, entre outras ocupações em áreas irregulares, principalmente as áreas de preservação permanente (APP), que por lei deveriam ser preservadas.

Por fim, não há uma ação de educação ambiental nas escolas, tampouco nas comunidades e na cidade como um todo, que relacione a situação do rio Gramame, e a responsabilidade governamental e social de cuidado com esse provedor da água consumida pelas pessoas na capital.

ODC – Quem apoia o Olho do Tempo – Escola Viva em suas intervenções de proteção e preservação do Rio Gramame?

Mestra D’Oci – Pessoas físicas, financiadores de projetos aprovados em editais, além de parceiros como as comunidades ribeirinhas, os coletivos e grupos organizados (Guardiões do Rio Gramame, Minha Jampa, Pedagogia Urbana, Quintais Culturais, Grupo Percussivo Tambores do Tempo), escolas públicas do território, bem como algumas instituições, como a Universidade Federal da Paraíba e o Ministério Público Federal, este último dentro do direito à água como bem comum.

ODC – Quais dificuldades e pontos positivos nesse processo?

Mestra D’Oci – Dentre as dificuldades, podemos citar: a captação de recursos financeiros para garantir e ampliar o trabalho; conseguir pressionar o poder público para a urgência em atuar de forma efetiva; e alcançar uma mobilização e visibilidade mais ampla, que conecte as pessoas ao rio que as abastece com esse recurso vital que é a água. Como pontos positivos, temos: a persistência; a adoção e abraço ao Rio Gramame como tema permanente nas ações educativas da Olho do Tempo; as parcerias com organizações entusiasmadas com o projeto e suas ações, que disseminam nosso trabalho e ajudam a buscar novos parceiros, ideias e soluções sustentáveis.

ODC – Quantas comunidades integram o projeto e qual o nível de adesão dessas comunidades às ações propostas e desenvolvidas pelo projeto?

Mestra D’Oci – São nove comunidades integrantes que habitam o entorno do Rio Gramame e da instituição, entre ribeirinhas, quilombolas e comunidades urbanas da periferia de João Pessoa e Conde, na Paraíba. A adesão e aceitação são muito boas, considerando o tempo de atuação do projeto e o trabalho realizado ao longo desses anos com as crianças e adolescentes matriculados na Olho do Tempo, que replicam seus aprendizados dentro de suas comunidades e compartilham seus saberes e fazeres. A instituição mantém 130 beneficiários, com nível alto de permanência nas atividades pedagógicas, além dos familiares mobilizados para melhor acompanhamento destes e sua participação nas ações e construções coletivas.

ODC – O que considera como sendo o maior valor constituído por esse projeto?

Mestra D’Oci – O sonho de cada criança! Precisamos conversar com essa criança e saber qual o sonho dela, perguntar o que ela quer, porque ela sabe o que quer. Então, a partir daí é possível construir um projeto pedagógico, para que essa criança alimente o seu sonho e construa o seu projeto de vida.

 

Link da live Cultura e Desenvolvimento Sustentável – Dimensão Ambiental: https://www.youtube.com/watch?v=eq8DYoG_vOI

E-book do projeto: https://drive.google.com/file/d/1nXAy58Ze_vnoZNnfofOB0B2jAgEQqSFQ/view?usp=sharing

Site do projeto: http://www.olhodotempo.org.br/

Sobre a Mestra D’Oci: https://youtu.be/U47nJLVPg3c

Álbum de fotos do projeto: https://www.flickr.com/photos/olhodotempoescolaviva/albums

 

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