Por Maria Luiza Alves & Merilyn Padilha
Por muito tempo, as universidades pareciam um sonho distante para grande parcela da população. O cenário só começou a mudar quando a política de cotas foi instaurada com o objetivo de democratizar o acesso às universidades, destinando parte das vagas em instituições públicas e privadas às minorias, como os jovens de baixa renda, pessoas indígenas, negras, pessoas com deficiência e que cursaram o ensino médio em escolas públicas ou em particulares com bolsa.
Apesar dos esforços já feitos, ainda há um enorme caminho a percorrer rumo ao acesso democrático ao ensino superior. Por isso, hoje vamos falar de mulheres negras nas universidades, grupo que enfrenta o racismo e o machismo ao mesmo tempo, tendo que lidar com a interseccionalidade:
Ferramenta teórica e metodológica utilizada pelas feministas negras para refletir acerca da inseparabilidade estrutural entre patriarcado, sexismo, e racismo em suas articulações, que implicam em múltiplas situações de opressão sofridas pelas mulheres negras. A intersecção de estruturas racistas e machistas sobre estas mulheres as colocam mais expostas a condições de vulnerabilidade política e social (Leal, 2020, p. 18)
Para entender melhor, Stephanie Angélica, Cecília Liz e eu (Maria Luiza), mulheres negras e estudantes de Publicidade e Propaganda em uma universidade privada em Belo Horizonte, conversamos sobre a realidade dessas pessoas na universidade.
Stephanie, mais conhecida como Teffy, tem 27 anos e é uma artista musical independente com algum destaque na cena de Belo Horizonte. Quando perguntada sobre a presença de pessoas negras na universidade que frequenta, reafirmou como pessoas brancas ainda são maioria:
Se tratando de raça chega ser até clichê falar sobre, mas é um espaço totalmente elitizado onde certamente somos minoria! Quando entrei dava pra contar nos dedos quantas pessoas pretas tinham na universidade.
Sua colega de sala Cecilia Liz, tem 21 anos e é graduanda em Publicidade e Propaganda, complementa com uma resposta direta, porém, cirúrgica e necessária, que retrata o cenário das universidades, em especial particulares de Minas Gerais. Sobre o peso que a narrativa de uma jovem negra tem em debates acadêmicos, Cecilia afirma:
A universidade não dá voz e ao meu ver não promove nada nesse sentido. Uma palestra ocasionalmente não é ‘promover o debate e a inclusão’. Faltam professores e alunos negros.
E ainda sobre a presença de pessoas negras na universidade, considerando a localização privilegiada na região nobre de Belo Horizonte, Cecília descreve a sensação de estrear sua vida acadêmica em uma universidade majoritariamente composta por pessoas brancas: “Quando cheguei me senti um pouco deslocada, por não conhecer ninguém e por ser uma das únicas negras da faculdade. Na época haviam outras duas na minha sala. Após meio semestre consegui me localizar e fui fazer amizade justamente com essas meninas. O campus da Liberdade é majoritariamente composto por pessoas brancas e de classe mais alta que a minha, no início isso foi uma barreira”.
As jovens acreditam que a universidade, apesar de estar longe de ser o lugar mais inclusivo, é um espaço para ser ocupado por pessoas negras. Cecília deixa um recado: falta inclusive a presença de professores negros. Ela não foi a primeira e nem será a última a conquistar um diploma na sua família, pois a universidade é lugar para fazer a diferença e ela está trilhando esse caminho.
Falando sobre minha experiência pessoal, a universidade é um lugar de muito aprendizado, mas, também onde consigo enxergar mais claramente os privilégios da maior parte dos alunos em relação a mim. Encontrei poucas pessoas com quem eu tive algum nível de identificação. Estudando em uma universidade privada, eram muito poucos os alunos negros e de baixa renda ocupando esse espaço. Além disso, as discussões sobre temas raciais não são frequentes o suficiente e, por muitas vezes, são rasas.
A representatividade de negros no ensino superior é escassa, a realidade não condiz com a evolução e a revolução que já deveria estar sendo promovida nas universidades. Eventos são importantes, mas a discussão em relação à representatividade negra precisa ser levada ao nível palpável, para que a universidade seja um lugar plural, de acolhimento, e onde mulheres negras não se sintam solitárias durante os anos de graduação. É necessário trabalhar a representatividade dos alunos aos professores, para que não só pessoas negras, mas toda a comunidade acadêmica possa se beneficiar de uma formação inclusiva, empática e transformadora. Universidade provém do latim universitate, que por sua vez significa universalidade, totalidade, conjunto. Um conjunto só de pessoas brancas não é a totalidade, a totalidade é incluir aqueles que um dia foram considerados fora do conjunto, não é compensação, é dever cívico, social, moral e institucional.
Maria Luiza Alves
Maria Luiza Alves tem 21 anos e é graduanda do curso de Publicidade e Propaganda. Se interessa por assuntos relacionados a diversidade, e tem como paixão a Comunicação. É voluntária no Observatório da Diversidade Cultural e também atua na área de marketing em uma empresa de tecnologia.
Merilyn Padilha
Merilyn Padilha tem 22 anos, futura Publicitária e Técnica em Química, mas fascinada por Comunicação. Atua como Analista de Redes em uma startup e é voluntária em produção de conteúdo no Observatório da Diversidade Cultural.
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