INFORMAÇÃO

A mediação no âmbito dos equipamentos culturais

Divulgação/MAM-BA

Divulgação/MAM-BA

Lívia Espírito Santo[1]

Plínio Rattes[2]

O papel da mediação no consumo e práticas culturais adquire relevante importância na relação que os indivíduos estabelecem com as artes e a cultura na atualidade. Nas cidades de Salvador-BA e Belo Horizonte-MG, por exemplo, temos observado algumas iniciativas de mediação no âmbito dos equipamentos culturais, em especial aqueles voltados para as artes dos espetáculos, como teatro, dança, circo, etc.

Nos últimos anos, tem sido comum ouvir entre os profissionais que trabalham no campo da organização da cultura que: “o público sumiu!”. O público, aquele elo necessário para se completar a razão de ser de uma obra artística, parece de fato ter diminuído a frequência aos espaços culturais da cidade, ou seja, aqueles locais construídos com o objetivo de produzir, elaborar e disseminar práticas culturais e bens simbólicos: teatros, cineteatros, casas de cultura, centros de cultura, etc.

Diante deste cenário, algumas estratégias de mediação cultural para fins de formação, ampliação e fidelização de públicos no âmbito dos equipamentos culturais têm sido utilizadas com cada vez mais frequência nas capitais baianas e mineiras. Em relação a Salvador, podemos ter os seguintes exemplos: o Museu de Arte Moderna – MAM, com mediação específica, inclusive, para o público surdo e surdo-mudo; o Espaço Xisto Bahia, teatro mantido pela Secult/Ba, tem um trabalho voltado ao púbico infanto-juvenil; o Festival Internacional de Artes Cênicas – FIAC, realizado em diversos espaços de Salvador, mantém um programa de mediação com alunos de colégios públicos que vai além dos dias do festival, com a mediação sendo iniciada em março, concluindo apenas no mês do evento, em outubro. Há ainda o Teatro Sesc-Senac Pelourinho, que é um dos poucos teatros da cidade, que mantém em sua equipe de funcionários um profissional específico para idealizar e executar ações e estratégias de mediação cultural.

Em Belo Horizonte, temos, por exemplo: a Fundação Clóvis Salgado com um programa educativo que contempla às áreas de artes visuais, artes cênicas, cinema, dança e música com iniciativas que compreendem a realização de visitas mediadas às exposições nas galerias, cursos, palestras, bate-papos, espetáculos de dança e concertos didáticos, ensaios abertos, compartilhamento de processos criativos de trabalhos artísticos, publicações, oficinas e exibições de filmes com conversas. Estas atividades são pensadas para públicos com idades e vínculos institucionais diversos. O Museu de Artes e Ofícios com o programa educativo “Trilhas & Trilhos” com diversas atividades, dirigidas especialmente ao público escolar, voltadas à temática do universo do trabalho em nosso país. O CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil com ações educativas voltadas para visitas mediadas e teatralizadas acessível em LIBRAS, ações cênicas didáticas, laboratório de ações criativas destinado a família, além de atividades relacionadas às exposições e à história do prédio. O Sesc Palladium com ações educativas que visam democratizar o acesso do público à arte e a cultura. O Circuito Cultural Praça da Liberdade, que integra oito espaços culturais, dentre eles o Memorial Minas Gerais Vale, com um programa educativo preocupado em proporcionar atividades que “não sejam apenas uma extensão de conteúdos escolares, mas experiências de aprendizagem, descoberta e encantamento, de aproximação com a arte, a história e a cultura de Minas Gerais”.  Importante ressaltar que, em todos os espaços culturais citados, há ações educativas que contemplam também o público espontâneo.

A mediação cultural é aqui compreendida como uma ferramenta que pode potencializar a experiência estética no encontro entre determinada obra e o público, seja em escolas, instituições culturais ou na vida cotidiana (WENDEL, 2013). E para tanto é preciso se atentar para alguns dos personagens principais deste processo: o mediado, o mediador e a arte. É preciso considerar, por exemplo, que o mediado possui especificidades próprias e repertórios pessoais e culturais singulares. Em relação ao mediador, se faz necessário uma atenção  para as estratégias de acesso e aproximação utilizadas; e para a arte, importante atentar-se às suas possibilidades de interatividade e transformação, além de seu poder/essência de polissemia.

Para Ney Wendell, a mediação cultural é uma formação do público para vivência livre, para autonomia criativa, para a inclusão e diversificação de acessos à cultura.

O público necessita de propostas diferentes e específicas de formação, pois ele é diverso em seus interesses e suas múltiplas realidades sociais. A ação de formação de público precisa ser plural. A palavra “ação” é usada para afirmar a dinâmica e o movimento do público mobilizado a agir. Ele sai do seu lugar estático e é estimulado a viver ações criativas e participativas propostas pela mediação. Essas ações se referem também ao aprendizado de ser público que se inicia na experiência cultural e que cada vez mais deseja encontrar algo novo para aprender. (WENDEL, 2013, p. 7).

A mediação não fecha em única interpretação, ao contrário, é um caminho aberto para gerar uma diversidade de tipos de experiências que o público pode ter com a obra nas suas escolhas autônomas.

É através do mediar que se abre um acesso mais direto com a obra, nos seus conceitos, técnicas e estéticas. A obra passa a ser acessível ao público. Ele [o público] descobre seus próprios caminhos para conhecer e experienciar as obras, estando mais consciente do que é e como viver esse contato vivo e único. (WENDEL, 2013, p. 6).

Considerando que “cada ser humano é dotado de inteligência, cognição e criatividade, e é capaz de construir suas próprias narrativas a partir daquilo que observa e aprende” (BRANT, 2014), entendemos que o processo de mediação deve acima de tudo promover a autonomia do mediado. Esta compreensão do público como ser autônomo e criador cultural, sim, criador cultural, pois entende-se que é com ele que a obra se completa, é essencial no processo de entendimento de mediação cultural.

O aspecto pedagógico da arte permanece em seus símbolos que têm um poder coercitivo na formação de valores dos sujeitos que se dá imediatamente ao contato com a obra. Isso equivale a dizer que a atribuição de sentidos que os sujeitos dão à arte não é carente de mediação, tradução ou simplificação por quem quer que seja. A experiência estética nos proporciona, no ato de sua fruição, sua significação. (CARDOSO, PENTEADO, 2014, p. 18).

É preciso estar atento para se evitar o “poder coercitivo” do processo pedagógico de ensino da arte, que se pautaria em imposições de modelos interpretativos pré-estabelecidos. Para contribuirmos com a ampliação e aprofundamento da percepção do mediado diante da obra é preciso deixa-lo falar; a história de vida e as experiências estéticas de cada um, mesmo que “limitadas”, devem ser valorizadas no processo de mediação/ensino. Em sentido freireano, “ninguém aprende sozinho e ninguém ensina nada a ninguém; aprendemos uns com os outros mediatizados pelo mundo”. (BARBOSA, 2009, p.13). Assim, se a interpretação, como capacidade de atribuir significado e produzir sentido, permite ao sujeito, receptor da arte, elaborar compreensões e reinventar sua realidade, a obra de arte será constantemente ressignificada a cada olhar e isso faz da cultura corrente, fluída e híbrida. Confirmando o pressuposto de que, assim como é diversa a cultura, são diversos também os públicos e múltiplos e variados os sentimentos, emoções e percepções que podem surgir diante do processo de fruição.

Todo indivíduo tem o direito de ser público, de poder usufruir das produções e expressões artístico-culturais de forma plena, livre e autônoma, afinal, antes de ‘público’ somos, sobretudo, cidadãos culturais.

Os processos de mediação afirmam este lugar visível e atuante do cidadão cultural. É com ele e para ele que são feitos os produtos culturais. É uma relação que se cria entre o artista-cidadão e o público-cidadão. São pessoas de direitos como seres humanos que podem viver a cultura na sua criação, fruição e reverberação. É um ser cidadão que garante a participação do público para decidir o que quer vivenciar culturalmente. Sua voz, seu gesto e sua decisão estão presentes a partir da mediação que abre um espaço de escuta e expressão. Afirma-se também nesse processo a participação do público como cidadão atuante, que é mobilizado a lutar pelos seus direitos culturais ligados à necessidade do seu contexto social. (WENDEL, 2013, p. 17).

Nesse contexto, cabe reforçar que os serviços educativos são importantes para a construção e fortalecimento de espaços onde se operam a confluência de ideias e cruzamentos de visões de mundo diversos, assumindo o compromisso de mediar as relações de aprendizagem, fomentar o diálogo e empoderar o olhar interativo do público. Para isso, as ações educativas, na perspectiva atual, sinalizam para alguns desafios e objetivos, são eles:

Contribuir para a construção de espaços de encontro e negociação de significados; criar interfaces de comunicação e interculturalidade; construir experiências significativas, efetivas e de longa duração em uma visão de educação ao longo de toda a vida; contribuir para a construção de conhecimento de uma perspectiva de plurivocalidade e múltiplas leituras baseadas no modelo do construtivismo crítico; e, construir um museu em movimento virado para a mudança e a transformação. (SILVA, 2009, p.127).

 Referências:

BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

 BRANT, Leonardo. Mediação Cultural. Disponível em:  <http://www.culturaemercado.com.br/site/pontos-de-vista/mediacao-cultural//>. Publicado em 06 de janeiro de 2014. Último acesso em 28 de novembro de 2015.

 PENTEADO, A. & CARDOSO, W. Arte, cultura e sujeitos nas escolas: os lugares de poder.  In MOREIRA, A. F. & CANDAU, V. M. (Orgs). Currículos, disciplinas escolares e culturas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014; p. 214-254.

 SILVA, Susana Gomes da. Para além do olhar: a construção e a negociação de significados pela educação museal. In: BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão (Orgs). Arte/educação como mediação cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

WENDEL, Ney. Estratégias de Mediação Cultural para Formação do Público. Disponível em http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/publicacoes/estrategias-mediacao-cultural-formacao-publico. Último acesso em 28 de novembro.

[1] Pós-graduada em Gestão Pública pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Integrante do grupo de pesquisa do Observatório da Diversidade Cultural. Bailarina da Cia de Dança Palácio das Artes, BH-MG.

[2] Mestrando do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (UFBA). Pesquisador em formação e membro do CULT – Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (IHAC/UFBA). Pesquisador do grupo de pesquisa Observatório da Diversidade Cultural. Produtor Cultural do Teatro Sesc-Senac Pelourinho, Salvador-Ba.

Deixe aqui o seu comentario

Todos os campos devem ser preenchidos. Seu e-mail não será publicado.

ACONTECE

ODC Diálogos – 17 de Abril de 2024

No dia 17 de abril (quarta-feira), às 19 horas, acontecerá mais uma edição do ODC Diálogos. Motivado pelo número 100 do Boletim, o encontro tem como tema “Avanços e desafios para a política cultural no Brasil hoje”, e contará com a participação de Albino Rubim e Bernardo Mata Machado, sob mediação da pesquisadora do ODC, […]

CURSOS E OFICINAS

Oficina Anônimos Notáveis – Bairro Lindéia/Regina

O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, e com o patrocínio do Instituto Unimed*, realiza a oficina Anônimos Notáveis. A oficina Anônimos Notáveis tem como objetivos: mapear e difundir práticas e expressões culturais e artísticas que acontecem para além dos circuitos visados pelas mídias tradicionais; […]

Mais cursos