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A prática da cultura


Sobre a vida cultural, ou a pluralidade de manifestações, expressões e públicos

A freqüência dos brasileiros a atividades culturais, como a leitura de livros e ida ao cinema, teatro, exposições de arte e shows de música, diminuiu em 2011, segundo pesquisa da Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecom). De acordo com o levantamento, em 2011, 45% da população estiveram envolvidos com alguma atividade cultural ante a 53% do ano anterior. Foram entrevistadas mil pessoas em 70 cidades do país, incluindo nove regiões metropolitanas.

Entre 2010 e 2011, o hábito da leitura entre os brasileiros caiu de 34% para 28% e a ida ao cinema ou a shows musicais apontou retração de 28% para 24% e de 27% para 24%, respectivamente. De todas as opções sugeridas na pesquisa, apenas a referente a peças ou espetáculos de teatro apresentou crescimento, passando de 7% para 9%. Em entrevista à Agência Brasil, o economista da Fecomércio-RJ, Christian Travassos, disse que a desaceleração da economia, que passou de um crescimento de 7,5%, em 2010, para cerca de 3% a 3,5%, no ano passado, contribuiu para a diminuição.

Mas, de acordo com o levantamento da Fecom, o principal motivo para a pouca freqüência aos ambientes culturais é a falta de hábito e a cultura digital – os produtos piratas contribuem para esse cenário, aliados aos preços altos dos produtos culturais. Predomina, entre os 55% que não usufruíram das atividades culturais relacionadas pela pesquisa, a preferência pelos encontros realizados em espaços de sociabilidade como em torno da TV (72%), churrascos com amigos e parentes (20%), jogos de futebol (11%), igreja ou centro religioso (15%) e bares (8%).

Práticas e públicos

Para a pesquisadora na área de Políticas Públicas, Isaura Botelho, é fundamental dimensionar a análise, tendo como referência o necessário reconhecimento da pluralidade das expressões, práticas e manifestações culturais. “A vida cultural de uma pessoa vai bem além dessas práticas. A questão é que existe uma tendência a se insistir em uma visão equivocada que aponta a cultura erudita como sendo ‘a’ cultura. Até aquela forma vulgar das pessoas dizerem ‘fulano é muito culto’ está diretamente ligada a um entendimento de que ser culto é deter o repertório da cultura erudita”, esclarece a pesquisadora que tem livros publicados sobre questões relativas a práticas culturais, públicos e formação de gestores na área cultural.

Botelho coordenou o estudo “O Uso do tempo livre e as práticas culturais na Região Metropolitana de São Paulo” que revelou, de acordo com ela, “a rica vida cultural de participantes com pouca prática referente ao repertório erudito”. Os resultados mostraram que a freqüência a atividades culturais legitimadas socialmente, como as idas ao teatro, museus ou espetáculos musicais, não detêm porcentagens expressivas. “O que era esperado”, observa a pesquisadora, lembrando que “entretanto, o fazer, o praticar revelaram um peso que não pode ser desconsiderado na análise, principalmente, do ponto de vista das políticas públicas para o setor”.

Isaura destaca, ainda, a importância da internet para a fruição cultural. “Mantém-se uma quantidade ainda muito grande de preconceitos que precisam ser superados. A pirataria, para além dos aspectos legais e econômicos que a jogam na ilegalidade, permite o acesso a vários produtos culturais”, argumenta.

A vida cultural, continua, acontece em contextos específicos, como, por exemplo, no que se refere à expressão de determinada faixa etária, a exemplo da juventude. “A discussão sobre o tema já evoluiu para que se encare a pluralidade de manifestações, expressões e de públicos. Eles também tão variados quanto as diversas expressões culturais”, explica. Segundo ela, a complexidade do universo de práticas culturais mostra que o “fazer, tanto quanto o usufruir, deve ser levado em conta”.

Novos termos, antigas questões 

A discussão sobre as práticas culturais remete ainda à dimensão econômica da cultura, ou às chamadas “economias criativas”, expressão que, em linhas gerais, refere-se aos processos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços, promovidos por meio do conhecimento, criatividade e capital intelectual.

Conforme pesquisa da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), de 1980 a 1998, o volume de recursos no comércio internacional desse segmento cresceu de US$ 95,3 bilhões para US$ 387,9 bilhões. Nesse contexto, a dimensão econômica evidencia a geopolítica da cultura como questão estratégica para agentes públicos e gestores culturais.

“O que está em jogo é a dimensão econômica da cultura – nos termos consagrados por Gilberto Gil – que sempre existiu. A publicização da expressão economia criativa fez com que pareça novidade. A economia da cultura surge da necessidade de considerar a cultura, também, sob esse aspecto, inclusive, como um importante argumento junto às áreas econômicas dos diversos governos”, afirma Isaura, lembrando que os estudos na área já existem desde a década de 1950 e, nesse ponto, é questionável o caráter de novidade atribuído ao conceito de economia criativa.

O uso do termo, em substituição a “indústrias criativas” seria, na sua visão, um meio de aproximar a expressão ao campo cultural. A nova terminologia refere-se, segundo ela, “à descoberta da cultura – principalmente das expressões artísticas – por parte de outros setores da produção no terreno da economia”. Refere-se, assim, à contribuição da cultura como valor agregado aos produtos, “o que também não é novidade”, enfatiza.

Para Isaura, dessa forma, instrumentaliza-se a cultura para rentabilização de bens de outra natureza, tendo o lucro no centro dos debates. Nessa mesma linha, a pesquisadora aponta o emprego do termo criatividade: “É um artifício que também contribui para embaralhar fronteiras, ideias e conceitos: a criatividade é componente essencial do desenvolvimento, não importa em que área seja”.

Em maio de 2011, Isaura concedeu entrevista sobre o assunto ao ODC, durante o Seminário da Diversidade Cultural.

Leia também: “Alternativa à imperfeita economia do livro”

Observatório

No último dia 1º de junho, o MinC lançou, em Brasília, o Observatório Brasileiro de Economia Criativa (Obec). Também no dia 1º, o Diário Oficial da União publicou a nova estrutura regimental do MinC. O decreto 7743/2012, assinado pela presidenta Dilma, traz a formação de duas secretarias: a da Economia Criativa (SEC) e a da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC).

O coordenador do ODC, José Márcio Barros, é um de consultores do Obec, que terá o apoio da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Devem ser montados 14 Observatórios Estaduais até o final de 2012.  O site do Observatório dispõe de estudos de algumas áreas da economia criativa no Brasil, como moda e arte contemporânea.

De acordo com a secretária de Economia Criativa, Claudia Leitão, um dos desafios do Obec é o de levantar dados e informações sobre o setor para formulação de políticas públicas. Conforme divulgado pelo Jornal do Brasil, no dia 1º de junho, não há estatística oficial sobre o segmento no Brasil. De acordo com estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), divulgado em outubro do ano passado, a economia criativa no Brasil alcançou 2,5% de participação no Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 (movimentando R$ 93 bilhões). Em atividades diretas, o setor empregou, formalmente, 771 mil pessoas, quase 30% a mais do que o verificado em 2006. Segundo a Firjan, a renda média desses trabalhadores em 2010 era R$ 2.296.

Outro projeto é o Criativa Birô. O equipamento será implantado nos estados para orientar empreendedores criativos e promover a formação e capacitação através da realização de cursos e assessoria especializada. A intenção é criar 14 Criativas Birôs em 2012 e mais 13 em 2013, atingindo todo o território nacional.

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