REPRODUÇÃO: O Joio e O Trigo
Por Flávia Schiochet
Foto: ISA/Enciclopédia dos alimentos yanomami (sanöma) – Peixe assado na folha, banana verde assada e beiju com pimenta em pó
Imagine uma mesa de café da manhã. Qualquer que seja a composição desta refeição na sua cabeça, é certo que ele estará lá: o café. A naturalidade com que o brasileiro encara uma xícara para começar o dia é uma construção histórica. Como toda tradição, é o resultado da repetição ao longo dos tempos, que traz a sensação de que essa é não só uma escolha inata, como também a mais adequada a esse tipo de refeição e momento do dia. A resposta varia de acordo com a cultura alimentar de cada um – um indiano diria que é o chá preto com especiarias; um chinês optaria por chá verde.
Esse exemplo, ainda que genérico, é um bom exercício para compreender as diferenças culturais ligadas à alimentação. Quanto mais se aproxima a lupa da mesa da nossa população, mais particularidades se encontram: pão, banana-da-terra, mandioca, cuscuz ou tapioca podem ser as bases. Ovo, geleia, fruta fresca, linguiça ou queijo podem ser os complementos. “No Ceará, o café da manhã genérico é café, leite, cuscuz com sal, queijo coalho ou carne de sol. A menos de 500 quilômetros daqui, ainda na região Nordeste, o pernambucano come de manhã inhame, carne guisada e macaxeira”, exemplifica a antropóloga Vanessa Moreira, coordenadora do Laboratório de Criação em Cultura Alimentar e Gastronomia da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, em Fortaleza.
O jeito que se come é uma característica tão complexa quanto o desenvolvimento de uma língua, segundo o historiador da alimentação Massimo Montanari. Assim como as línguas e dialetos evoluem e se transformam, as formas de produzir alimentos, prepará-los e consumi-los também. Manter operante essa variedade de conhecimentos ligados à comida é uma forma de manter viva a cultura de um povo. E o Brasil tem múltiplas culturas alimentares.
“A cultura é o produto da capacidade sem igual de criação e de transmissão de conhecimentos do Homo sapiens. A alimentação humana, portanto, é antes de tudo um ato cultural, o que quer dizer diverso, associado a diferentes formas de conceber o mundo”, define Paulo Eduardo Moruzzi Marques, professor de Socioantropologia da Alimentação da Universidade de São Paulo (USP).
A partir de recursos naturais disponíveis, conhecimentos compartilhados e necessidades, os grupos humanos construíram estratégias para produzir e consumir alimentos, criando significados e padrões – em outras palavras, identidade. Quando se dificulta ou se retira de um sujeito o acesso a alimentos que ele reconhece como comida, é também sua humanidade que está sendo negada. Por isso, não se mata a fome com uma ração, como a farinata proposta por João Dória em 2017.
“Quando se toma a cultura alimentar como orientação para a ação política, a intenção consiste em valorizar a diversidade cultural em torno da alimentação, diante de tendências homogeneizantes impostas por interesses econômicos poderosos”, completa Moruzzi Marques.
Ministério da Cultura sem cultura alimentar
Apesar de conter a palavra “cultura”, o conceito de cultura alimentar é mais encontrado em debates e políticas públicas da área de segurança alimentar e nutricional do que nas políticas culturais brasileiras. Na área cultural, tem prevalecido outro termo: “gastronomia”. Embora seja uma parcela da cultura alimentar, a gastronomia está intrinsecamente ligada à economia e à comercialização de produtos.
É por isso que, desde o primeiro momento, a luta de vários movimentos da sociedade civil tem sido promover o conceito de cultura alimentar e reduzir a participação da gastronomia em espaços de discussão de políticas culturais. “Quando falamos de cultura alimentar, não estamos falando da dimensão econômica e do trabalho como dimensões prioritárias. Estamos falando de cultura como dimensão prioritária”, frisa Tainá Marajoara, cozinheira e fundadora do Ponto de Cultura Alimentar Iacitatá, em Belém, Pará.
Essa luta teve um primeiro ponto alto em 2013, durante a 3ª Conferência Nacional de Cultura (CNC). No modelo de participação social brasileiro, as conferências são o ápice: é nelas que são definidas as diretrizes pelas quais os agentes políticos devem se pautar nos próximos anos. Tainá, em conjunto com outras pessoas, apresentou uma moção no encontro solicitando que, dali pra frente, o termo “gastronomia” fosse substituído por “cultura alimentar”, e que fosse incluído no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) um setorial, ou seja, um grupo de representantes da área. Os participantes da conferência aprovaram a mudança, e a cultura alimentar passou a ser um tema do conselho.
O CNPC, criado em 1992, é um órgão colegiado do Ministério da Cultura que se reúne a cada três meses. Composto por representantes de diversas linguagens artísticas e patrimônios culturais – como teatro, dança, museus, chamados de setoriais – além de membros do poder público, o conselho serve como um espaço onde a sociedade civil orienta as ações do ministério, analisa editais, além de formular recomendações e propostas para diretrizes e programas de governo. O CNPC também é responsável por criar planos com estratégias específicas para cada área cultural, e o Plano Nacional de Cultura (PNC), atualizado a cada dez anos para definir as metas e prioridades das políticas culturais do país.
A participação social nas políticas federais foi praticamente extinta pelo governo Bolsonaro em 2019, quando o MinC foi rebaixado à Secretaria Especial da Cultura. Foi nesta mudança que o Conselho Nacional de Política Cultural foi eliminado, e os representantes da sociedade civil ficaram sem espaço de articulação junto ao governo.
Bolsonaro também dissolveu o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), ligado à Presidência da República, no qual a diversidade cultural alimentar era uma pauta trazida pela sociedade civil. Em 2023, as atividades do Consea, assim como o MinC, foram retomadas pelo governo Lula.
A expectativa dos movimentos sociais era que o MinC retomasse a composição do conselho com todos os setoriais que estavam em operação até sua extinção, mas a escolha do ministério foi a estaca zero: por meio de uma portaria em março de 2023, o CNPC foi restituído na sua versão sem representantes da sociedade civil e o órgão colegiado está passando por um processo de reestruturação a partir de reuniões com conselheiros de cultura estaduais.
Em novembro de 2023, a Conferência Livre Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional sobre Cultura Alimentar, ligada ao Consea, teve a presença da secretária de Comitês de Cultura, Roberta Martins, que sinalizou que organizaria uma reunião sobre cultura alimentar junto à ministra Margareth Menezes. Segundo Tainá Marajoara, em um ano, o MinC nunca os recebeu. O MinC não respondeu sobre esta questão até o fechamento desta reportagem.
E aí a sociedade civil voltou a bater na tecla: a mesma solicitação de substituição da gastronomia por cultura alimentar foi feita por Tainá Marajoara, Socorro Almeida e Sulamita Santos com a moção 46 na 4ª CNC, em março de 2024.
“O Ministério da Cultura tem uma resistência ao termo ‘cultura alimentar’ e à complexidade que ele abrange. Entendemos isso como racismo estrutural, uma vez que é defendido por mulheres de povos originários e negras” diz Tainá, citando que a luta pela cultura alimentar é protagonizada por lideranças como Edna Marajoara e a mãe Rita Santos, da Associação Nacional das Baianas de Acarajé.
“Quando esse ministério assume e retoma os processos [interrompidos no governo Bolsonaro], reduz o significado do conceito de cultura alimentar, apartando-o da gastronomia. Isso abre brechas para práticas que não têm a dimensão cultural como prioritária sejam passíveis de serem contempladas pelos editais”, aponta Tainá. Como exemplo, ela citou a categoria Gastronomia/Alimentação, do Edital Escolas Livres de Formação em Arte e Cultura do Programa Olhos d’Água, lançado pelo MinC em agosto de 2023.
O documento não cita nem define cultura alimentar e, da forma como foi redigido, a categoria permite a inscrição e aprovação de iniciativas sem teor cultural. Em nota, o MinC respondeu que tem “a linha de atuação cultura alimentar que aponta para as ‘práticas educativas na área de gastronomia e alimentação’”. A citação é parte do descritivo da categoria Gastronomia/Alimentação, que não menciona em momento algum cultura alimentar.
A falta de conceituação de cultura alimentar em um edital como o do Programa Olhos d’Água é um sintoma de que a cultura alimentar é vista como algo distinto da gastronomia, e que se expressaria em grupos específicos, quando na verdade ela permeia a alimentação de todos os seres humanos. Em políticas culturais, a gastronomia precisa estar atrelada ao saber-fazer de um grupo, seguindo um entendimento antropológico da cultura, ou seja, reconhecendo que a culinária vai além do ato de cozinhar e inclui tradições, histórias e identidades compartilhadas.
Desse ponto de vista, a cozinha do imigrante italiano na Serra Gaúcha poderia ser enquadrada como gastronomia, mas antes de ser algo comercializado, é uma tradição ligada ao território. Um festival de cozinha de imigrantes italianos, portanto, poderia ser realizado no Sul do país, mas estaria descontextualizado em uma região como o Norte. Esta é a principal questão apontada por Tainá Marajoara: quando o edital cita apenas o termo gastronomia, os critérios para seleção dos projetos ficam mais frouxos, e propostas puramente comerciais podem se valer da brecha.
Caso o Conselho Nacional de Políticas Culturais tivesse sido restituído com os setoriais, esse edital (e outros documentos) poderiam ter sido revisados e discutidos pelos representantes de cultura alimentar. Teria sido possível, por exemplo, propor a mudança de nome da categoria e a redação de uma definição mais específica.
A exceção, na análise de Tainá, é o entendimento e definições de cultura alimentar pela Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural. A partir da Lei Cultura Viva, a secretaria reconhece e incentiva espaços e iniciativas ligados à manutenção da cultura alimentar, como o financiamento de projetos que preservam receitas e práticas culinárias ancestrais.
É possível pensar que categorias como Cultura dos Povos Indígenas, Culturas Populares e Expressões Artísticas Culturais Afro-Brasileiras trazem, intrinsecamente, o conceito de cultura alimentar – o que não deixa de ser verdade. Mas elas não exaurem a diversidade de culturas do Brasil. O conceito, por ser interdisciplinar, precisa ser discutido em diferentes instâncias para basear políticas de áreas distintas para que se complementem e se reforcem. E aí a participação popular é fundamental.
“É num setorial de cultura alimentar em um conselho de cultura que vai ter a participação desses povos em coletivos: indígenas, quilombolas, pescadores, povo de terreiro, ribeirinhos, ciganos. Todos se unem para discutir estratégias e apresentar ações e sugestões para o ministério, para que eles apreendam o patrimônio alimentar brasileiro. É necessário ampliar os setoriais de cultura alimentar dentro do MinC, do Ministério da Educação, do Desenvolvimento Agrário, em que as sementes crioulas e estratégias alimentares de resgate e de salvaguarda são parte dessa forma de fazer agricultura”, exemplifica agricultor e pesquisador indígena Mateus Tremembé, membro do Conselho Estadual de Política Cultural do Ceará no assento de Gastronomia e da Cultura Alimentar.
Fortalecimento na área de segurança alimentar e nutricional
A fome e inanição dos Yanomami, no início de 2023, é um exemplo de como a cultura alimentar de povos originários corre mais riscos em momentos de crise. Como ação emergencial, o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) fez uma compra de cestas básicas cuja composição foi listada em nota técnica pela Funai e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai). Mesmo que o documento recomendasse alimentos que fazem parte da cultura alimentar Yanomami, a dificuldade foi encontrar fornecedores de proteínas adequadas.
Resultado: charque e sardinha em lata foram as opções. “O charque foi uma péssima escolha, a sardinha em lata teve menos rejeição. Esses alimentos estavam longe de serem os ideais para a população, mas era para resolver a emergência”, relembra Lilian Rahal, titular da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan).
O MDS recebeu uma série de críticas pela falta de contexto dos produtos. Os Yanomami são caçadores e agricultores e, sem a possibilidade de plantar, pescar e caçar até se restabelecerem, eles terão de receber cestas básicas para sua alimentação. “É difícil comprar mil cestas de cada tipo de composição porque há muitos produtos que não têm escala para atender a uma grande compra. Logo em seguida, começamos a nos organizar para prover o que as pessoas precisam para recuperar sua capacidade produtiva, produzir os grupos alimentares que consomem via agricultura, pesca e caça”, completa a secretária.
A partir do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) indígena, a Sesan espera ter uma rede de fornecedores mais adequada para as próximas ocasiões e, segundo Rahal, um grupo da secretaria está sistematizando os sistemas alimentares indígenas para tomá-los como referência para novas políticas públicas.
Mesmo com percalços como o envio de charque para o povo Yanomami, o conceito de cultura alimentar aparece com mais nitidez e como balizador de políticas públicas no Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), via Sistema Integrado de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). “Durante minha pesquisa de mestrado [em 2017], observei como a cultura alimentar vinha sendo levantada e aprofundada muito mais pelos militantes, ativistas e representantes governamentais de diversas áreas ligadas à alimentação no âmbito de políticas de segurança alimentar e nutricional, e não em políticas culturais”, conta Gabriella Pieroni, diretora da Associação Slow Food do Brasil, mestre em preservação do patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e doutoranda em gestão da cultura e do patrimônio na Universidade de Barcelona.
Ainda que não contenha a expressão cultura alimentar, a ideia está difundida na lei que cria o Sisan – o conceito de segurança alimentar e nutricional é fundamentado pelo respeito à diversidade cultural e pelo direito à alimentação adequada. A legislação é considerada um arcabouço que protege as diferentes expressões alimentares do Brasil, e essa foi a base para a recente definição da nova cesta básica, sem ultraprocessados e com uma proposta de respeito às culturas alimentares.
“O processo de ampliação da participação popular na formulação de políticas públicas abriu espaço para que outros saberes e conhecimentos sejam incluídos nas definições. Você abre espaço para trazer aspectos culturais ligados à forma de produzir alimentação, de pensar a vida e o mundo”, analisa Juliana Casemiro, professora do Instituto de Nutrição da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, conselheira do Consea representando o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar.
A experiência do Ceará
Uma discussão dentro da Secretaria da Juventude do Ceará (SEJUV) sobre como profissionalizar jovens em condições socioeconômicas vulneráveis resultou na criação de uma escola pública de gastronomia. “A ideia inicial era construir uma política pública que desse oportunidade em uma linguagem que fizesse brilhar o olho. A juventude é a fase mais criativa e produtiva do ser humano, e por isso muitas vezes criam coisas extraordinárias em moda, tecnologia e gastronomia”, recorda Selene Penaforte, que esteve na assessoria da SEJUV à época. A Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco (construída pelo Grupo M. Dias Branco, detentor de marcas de ultraprocessados, que também doou o terreno e equipamentos ao governo do Ceará) foi inaugurada em 2018 como uma primeira experiência dessa política pública, ligada à Secretaria da Cultura.
Uma das atividades da Escola é o Laboratório de Criação em Cultura Alimentar e Gastronomia, que está em sua sétima edição e já fomentou 24 projetos de pesquisa, muitos em territórios de povos e comunidades tradicionais no Ceará, como a criação de um sorvete usando mandioca da comunidade quilombola Conceição dos Caetanos, e a sistematização do processo tradicional de produção do óleo de batiputá do povo Tremembé.
“Ninguém consegue vislumbrar a formação em gastronomia sem passar pela discussão da cultura alimentar. Tem que conhecer quem planta, quem pesca, quem está construindo na raiz aquilo que a gente historicamente come. Entendemos a escola de gastronomia social como um lugar que estuda e pesquisa para ajudar as pessoas a melhorar suas vidas com inovação e tecnologia social sem perder de vista a valorização da tradição “, diz Selene. A gastronomia, nesse entendimento, está a serviço da manutenção da cultura alimentar, tendo espaço para a criação, mas sem invisibilizar o conhecimento de uma população.
Alinhada à ideia de considerar a cultura alimentar a base para políticas públicas, em 2021, entrou em vigor no Ceará a Lei nº 17.608, que institui a Política Estadual da Gastronomia e da Cultura Alimentar. A legislação cria um marco para desenvolvimento de políticas públicas integradas e que salvaguardam a diversidade de expressões culturais na alimentação do estado.
A partir daí, a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) do estado começou a desenvolver inventários participativos da cultura alimentar em parceria com a Associação Slow Food do Brasil. A metodologia é uma adaptação da identificação de patrimônio imaterial do Iphan para sistemas agrícolas tradicionais e de cultura alimentar. O Slow Food executou dois projetos-piloto, do povo Tremembé e do povo Tabajara, financiados pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrário. Os projetos receberam o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade do Iphan no ano passado. “Essas conquistas todas estão dentro desse processo histórico em que a sociedade civil se movimenta. Nada vem de mão beijada de cima para baixo, é sempre a sociedade civil construindo e refletindo em políticas públicas”, arremata Gabriella Pieroni, que presta consultoria da metodologia para a SDA.
Diversidade homogênea das cidades
Morar em um grande centro é ser inundado pela variedade a cada esquina. É possível que uma mesma pessoa tome um café da manhã ao estilo estadunidense, almoce uma massa italiana e jante um churrasco coreano. Compre um pão de fermentação natural à francesa, uma pasta de gergelim árabe, um chutney indiano. Prepare um cuscuz com manteiga de garrafa, cozinhe com tucupi amazônico e escolha um cacho de uvas vindos de Petrolina, no sertão pernambucano, tudo na mesma semana, na mesma cidade.
O gosto adquirido, esse fenômeno de adaptação do paladar e construção de preferência por alimentos, é um processo individual e bastante urbano. O acesso à variedade das metrópoles dá a impressão de que há diversidade e representatividade de culturas alimentares, e que basta saber navegar para acessar cada uma delas. Mas é uma falácia: em cidades menores, menos cosmopolitas – como era a maior parte do Brasil quatro décadas atrás – os restaurantes são menos onipresentes no dia a dia e a oferta nos supermercados é mais comedida. Padarias, feiras e mercearias são os comércios que abastecem a população com ingredientes e produtos cotidianos, e a variedade e disponibilidade sofrem influências externas.
“A diversidade se sustenta pelo mercado local. É um desafio apontar pro ser urbano como é essa perda de cultura alimentar, como seria para eles perceberem. Para a geração nova, a memória já é do supermercado, de uma diversidade que acaba sendo igual no mundo todo: as mesmas espécies de banana, de manga, de uva”, diz Bibi Cintrão, pesquisadora autônoma na área de segurança alimentar do Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, vinculado ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Para a antropóloga Vanessa Moreira, a cultura alimentar não é assunto de especialistas: deve ser discutida nos centros urbanos diante do aumento das doenças crônicas decorrentes da alimentação. “Com o crescimento da fome e o aumento da alimentação industrializada, é preciso que existam instâncias apropriadas para essa discussão. A cultura alimentar não é uma oposição à alimentação industrializada, porque nessa quantidade de pessoas que temos no mundo, precisamos dessa escala, e processos de inovação na produção são importantes”, pontua.
A produção local e a manutenção de uma sociobiodiversidade ativa são o caminho apontado por Vanessa, ao que Bibi Cintrão faz coro. “À medida que se incentiva o mercado local, com o PAA, você reforça a cultura local. Às vezes, são efeitos colaterais. Quando o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar] foi lançado, o objetivo não era reforçar a cultura local, mas fazer circular o dinheiro localmente. Por isso é chamado de investimento estruturante, porque gera um ciclo positivo de fortalecimento local. E um efeito colateral foi fortalecer a cultura alimentar”, analisa.
O efeito colateral também acontece por omissão, como no caso da reforma agrária ou da demarcação de terras de povos tradicionais. “A principal estratégia hoje para a manutenção de muitas culturas alimentares depende da demarcação de terras e territórios. Os povos e comunidades tradicionais vêm reforçando em suas incidências políticas que sem terra e território não existe cultura alimentar, sociobiodiversidade, patrimônio genético, conhecimentos tradicionais associados… E isso está se perdendo muito rápido”, alerta Gabriella Pieroni. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) não retornou ao pedido de entrevista e informações do Joio até o fechamento desta reportagem.
“Num país que tem a possibilidade de ter uma produção de alimentos para exercer consumo local de forma sustentável, temos diretrizes que levam para outro lugar. A possibilidade de ter a cultura alimentar como base de uma política pública reverbera nas práticas alimentares de acordo com as identidades. Pensar a cultura alimentar de forma estratégica em políticas públicas é uma forma de adiar o fim do mundo”, destaca Vanessa Moreira.
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