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É preciso bater a laje

Por Alexandre Barbalho

 

Na beira da Península de Itapajipe, subúrbio ferroviário de Salvador – que compreende vinte e dois bairros e onde vivem mais de 500 mil pessoas –, encontra-se a associação cultural Acervo da Laje, um acervo de livros, vinis, obras de artes e diversos outros artefatos que contém a memória e conta a história daquele território, que é Salvador, que é Bahia, que é Brasil. Parte significativa desse material está disponível na sua galeria virtual (https://www.acervodalaje.com.br/), mas nada substitui a visita presencial nesse espaço coletivo que tem à frente Vilma Santos e José Eduardo. É conversando com os dois, conhecendo o acervo e vislumbrando o mar e a linha de trem desativada, que o/a visitante compreende por que e como essa associação dá a ver a “beleza e elaborações estéticas” do subúrbio, tornando visível o que é invisibilizado pelos estigmas imputados às periferias das cidades brasileiras.

O Acervo surgiu em 2011, a partir do trabalho de Vilma e José com o fotógrafo Marco Illuminati em torno do projeto “A arte invisível dos trabalhadores da beleza nas periferias de Salvador” que envolveu, entre outras ações, um trabalho de fotografia realizado com crianças e adolescentes dos bairros suburbanos de São João do Cabrito e de Itacaranha. Essas meninas e esses meninos contaram suas histórias recorrendo aos registros imagéticos e construíram uma memória coletiva que virou a exposição “A beleza do subúrbio”.

Desde então, são várias as ações, projetos e exposições, tanto nas casas que abrigam a associação – projetadas por Federico Calabrese e Ana Carolina Bierrenbach, tendo como referência a obra arquitetônica de Lina Bo Bardi –, quanto em outros espaços, como na 31ª Bienal de São Paulo, no Museu de Arte do Rio de Janeiro e na exposição/seminário” Nordeste Expandido – estratégias do (re) existir”, promovida pelo Centro Cultural Banco do Nordeste, que está percorrendo a região, atualmente ancorada em São Luís.

Como reivindica José Eduardo, “a cidade é feita por nós. A cidade é feita onde nós estamos”, daí a urgência de “pensar a periferia como um espaço que precisa ser ouvido. Nós, da periferia, precisamos ser ouvidos!”. Diz ainda o curador: “A  arte  é  um  ato  simbólico,  digamos  assim,  para  apresentar novas formas e novas trincheiras de enfrentamento. A arte consegue capitalizar  essas  trincheiras  de  enfrentamento,  que  são  trincheiras  importantes para vivermos, para respirarmos e para termos saúde mental neste momento. Percebo que há uma intenção de associar periferia à violência, mas, particularmente, não aceito essa narrativa e sigo defendendo que periferia é beleza, é memória, é luta, é elaboração”.

Segundo nos diz Pablo das Oliveiras, no “Dicionário de Favelas Marielle Franco” (https://wikifavelas.com.br/index.php/Mutir%C3%A3o_da_Laje), “‘Virar a laje’  ou ‘bater a laje’ são expressões populares com origem no trabalho coletivo e solidário de parentes, vizinhos e amigos, que corresponde à armação de escoras, “bater” e  “esticar” o concreto fresco. Além dos instrumentos: pás, enxadas e baldes, juntam-se também facas, colheres, conchas e panelas; conforme os campos de ações de homens e mulheres”.

Ora, então tá mais do que na hora de se unir à Vilma e ao José e a tantas e tantos que no país afora estão batendo a laje e mostrando as belezas das margens.

P.s.: se já não é mais possível chegar no Acervo de trem, você pode chegar pelo mar. No terminal marítimo da Ribeira, quase em frente à famosa sorveteria do bairro, você pega um barco que lhe deixa no terminal da Plataforma. Dali até a Laje é um pulo. E já que está na Ribeira, não deixe de visitar a casa-ateliê do artista Prentice Carvalho, mestre na pintura em azulejo. E depois de visitar Vilma e José, siga para almoçar no restaurante Boca da Galinha, ali pertinho e simplesmente um clássico soteropolitano.

Referência

José Eduardo Ferreira Santos. O Acervo da Laje e as periferias insurgentes. Arcos: Design, Cultura e Visualidade, v. 14, n. 1, 2021.

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