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Entrevista com Daniel Zen

ODC: Como você acha que Estado e Sociedade Civil se posicionam ou deveriam se posicionar diante da construção política para estas duas áreas?

Daniel Zen: Acredito que há certa dificuldade (semântica, semiótica, semiológica) na compreensão das pessoas sobre a relação de interdependência (e mesmo a relação causal entre conteúdo e continente) que há entre educação e cultura. Se considerarmos os conceitos mais amplos da cultura, veremos que a educação (ou ao menos o ensino), enquanto reprodução escolástica do conhecimento, é parte da cultura. No real, a lógica que se estabelece é invertida: a educação formal, escolar, consome as maiores energias e fatias do orçamento público e a dimensão artística (não-sociológica, não antropológica) da cultura ganha espaço nessa formalidade da educação de maneira muito devagar. As atividades culturais devem ocupar um espaço maior no universo dos conteúdos que integram os diferentes componentes curriculares do currículo pleno. E olha que nem estou falando de educação integral, de atividades complementares no contra-turno escolar, estou falando mesmo de trabalhar de forma mais consistente a disciplina de arte-educação, de formar não necessariamente artistas ou produtores culturais (esse papel é da educação profissional e da educação superior), mas de formar, entre os alunos da educação básica, bons fruidores/apreciadores de cultura. E isso só é possível com exposição ao conhecimento, com familiaridade desse “público” com as particularidades (estéticas, poéticas, catárticas e cognitivas) dos bens e serviços culturais.

ODC: Educação e Cultura vivem momentos propícios para esta integração?

Daniel Zen: Sim e não. A cultura batalha pelo reconhecimento de uma institucionalidade no que tange à implementação de suas políticas públicas. A educação já atingiu essa institucionalidade. A cultura batalha por ampliação do acesso dos brasileiros aos bens e serviços culturais. Na educação, já avançamos bastante na questão da garantia do exercício do direito de acesso das nossas crianças e jovens à Escola, estamos avançando agora nas condições de permanência e na questão do sucesso (desempenho) dos nossos alunos. Ambas as áreas batalham para ampliar as possibilidades de financiamento público para programas e projetos. Há pontos de convergência, mas há também certo desnivelamento histórico nas conquistas de ambas as áreas, isso falando do ponto de vista do Poder Público.

ODC: Quais seriam os reais pontos de diálogo entre os dois Planos? E quais desafios devem ser superados para que seja possível planejar políticas transversais de cultura e educação?

Daniel Zen: PNE e PNC partiram de lógicas distintas (e eu não sei dizer o porquê). O PNE vai para a sua segunda geração, o seu segundo decênio. A segunda versão é bem mais enxuta, realista, tem os pés no chão e a cabeça nas estrelas, pois traz metas concisas e bastante plausíveis, com suas respectivas estratégias. Já o PNC é de uma complexidade (refletida no tamanho do projeto de lei e seus anexos) que até a leitura se torna um pouco cansativa. Confunde diretrizes e princípios com metas e resultados esperados e respectivas estratégias para alcançá-los. Quem estuda a fundo a teoria geral do planejamento estratégico, aplicado à esfera pública, vai ter certa resistência com o projeto de lei do PNC. O PNE superou essas idiossincrasias, o projeto é redondo, até mesmo porque já havia a experiência do primeiro. E mesmo assim já conta com quase (ou mais) de 3.000 emendas no Congresso. Não basta consignar metas, objetivos, estratégias e o que quer que o valha de forma simultânea em ambos os Planos. A integração de política pressupõe sim um planejamento conjunto, matricial, interdependente, ma se dá no campo da gestão, do fazer do dia-a-dia. Acredito que a integração passe pelo chão da escola, e que implica na revisão dos referenciais curriculares da arte-educação e na flexibilização no que tange à formação daqueles que podem ministrar atividades culturais nas escolas. Por que tem que ser somente o professor licenciado? Por que não posso ter um mestre da cultura popular, um bolsista, um estagiário, ministrando não a disciplina, mas oficinas ou projetos complementares, para ampliar o universo de exposição ao conhecimento cultural dos nossos alunos? Para mim, as respostas às perguntas como essas já apontam para um horizonte bastante interessante no que toca à integração cultura/educação.

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