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Mães pela diversidade: afeto e respeito na luta por direitos

Nos últimos anos, duas conquistas foram relevantes para a comunidade LGBTQI+: o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da união civil de pessoas do mesmo sexo e a criminalização da homofobia e transfobia. Em 2013, os cartórios passaram também a poder registrar casamentos homoafetivos e, em 2019, o STF criminalizou a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

No entanto, proteção legal não significa segurança no cotidiano. O preconceito, a discriminação e a violência fazem do Brasil um dos países onde se registra o maior número de crimes contra a população LGBTQI+ no mundo.

O relatório anual de morte de homossexuais, divulgado pelo Grupo Gay da Bahia, mostra que, em 2018, foram registradas 420 mortes violentas de pessoas LGBT, vítimas da LGBTfobia no Brasil, sendo 320 homicídios (76%) e 100 suicídios (24%). Já o relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), publicado em janeiro desse ano, apontou que, em 2019, pelo menos 124 pessoas transgênero, entre homens e mulheres transexuais, transmasculinos e travestis, foram assassinadas no Brasil, em contextos de transfobia.

O que agrava ainda mais essa realidade é o fato de que essa violência “não está apenas nas ruas e não vem exclusivamente de desconhecidos. Ela está presente em todos os âmbitos da sociedade e pode surgir de quem menos se espera. Pais, mães e irmãos são citados em grande parte dos relatos como os primeiros agressores”, como afirma Diego Iraheta na apresentação da interessante série produzida pela HuffPost Brasil e pelo Curso Abril de Jornalismo.

Essa complexa realidade motivou a criação da organização não governamental Mães pela Diversidade em 2014, inicialmente em São Paulo e hoje presente em Minas Gerais e outros 22 estados do Brasil. Como uma rede de apoio formada principalmente por mulheres que buscavam enfrentar as consequências danosas, sobre seus filhos homossexuais e transexuais, a ONG constitui-se hoje como uma importante iniciativa da sociedade civil  que busca dar visibilidade pública ao problema, exercer pressão sobre instituições do poder público e realizar ações de apoio a grupos de pais e filhos. “Tire seu preconceito do caminho que vamos passar com nosso amor” é o lema da luta para assegurar os direitos da comunidade LGBTQI+.

No estado de Minas Gerais, o coletivo foi organizado em 2017 em Belo Horizonte e hoje possui núcleos em diversas cidades do interior.

 A voz das mães

“Trabalhar em prol dos direitos civis de nossos filhos LGBTQI+, usando da informação e acolhimento para estimular o respeito e tolerância às diferentes orientações sexuais e identidade de gênero”. Assim, Celina Batista, coordenadora do Mães pela Diversidade em Minas Gerais, resume a razão de ser do movimento iniciado em 2017, com a participação de 13 mães e hoje com mais de 200 mulheres que acolhem familiares vindos em busca de entendimento e por receio da violência.

Celina Batista, coordenadora do Mães pela Diversidade em Minas Gerais, sempre soube da homossexualidade do filho. Foto: Arquivo pessoal.

 

“Sempre soube da homossexualidade do meu filho. Quando ele resolveu conversar comigo e o pai não tivemos problema. Amo meu filho. Nada muda isso, mas o medo da violência acompanha todas e é isso que nos move. Não é só ele, são todos nossos filhos e queremos segurança e direitos para eles. Somos mães e isso já diz muito”, afirma Cibele. Lidar com o próprio machismo é uma realidade das mães no grupo, como enfatiza. “É inevitável uma reflexão sobre as nossas relações com o machismo estrutural na sociedade brasileira. Muitas mães são abandonadas, culpadas e maltratadas pelos seus pares pela sexualidade ou o gênero de seus filhos. Muitas se fortalecem e com o empoderamento natural tomam posse de suas próprias vidas”.

Lelena Lucas, professora e coordenadora do Corpo Escola de Dança e artista plástica, também não teve dificuldade em relação à orientação sexual do filho mais novo, hoje com 18 anos. “Ele teve liberdade, desde sua puberdade conversávamos sobre o assunto. Assumiu-se publicamente, nas redes sociais, aos 15 anos”. No grupo, convive com mães de diferentes percursos de vida que sofrem as consequências devastadoras do preconceito. “O que mais me encantou é que há também uma grande diversidade. Além de histórias bem distintas, diferenças sociais e culturais, existem as diferenças intrínsecas entre as pessoas. Mas há um elo forte e verdadeiro de amor e acolhimento que é incrível!”.

Lelena Lucas e o filho Xande. A artista plástica não teve dificuldade em relação à orientação sexual do filho mais novo. Foto: Arquivo pessoal.

 

A experiência da médica Iara Chaves mostra que os vínculos afetivos construídos no espaço de acolhimento e luta, junto a outras mães, protegem os filhos, além de promover o respeito e a dignidade das pessoas LGBTQI+.  “Em uma noite de julho de 2018, meu filho me deu um livro da autora francesa Gauthier pra ler: Justin. À medida que lia, numa sentada, fui fazendo um check-list da sua história de vida. Vários momentos que havíamos vivido sem perceber o sofrimento dele. Então, assumiu-se como homem trans. Considerando a sociedade em que vivemos, a minha primeira reação foi de medo. E como não ajudei antes?”, interroga-se.

Era preciso unir forças com quem passava pela mesma situação. “Angústias que me fizeram procurar ajuda profissional. Por indicação de um grande amigo cheguei à psicóloga que me apresentou o Mães pela Diversidade. Saber que existem outras pessoas que vivem uma experiência como a sua nos dá uma sensação de pertencimento muito bom”.

Iara despertou para diversos sofrimentos do filho a partir de um livro que ganhou de presente dele. Foto: Arquivo pessoal.

 

Um dos muitos encontros foi especial, ao confirmar a possibilidade de romper com as amarras do preconceito e trilhar outros caminhos. “No meu primeiro dia no Acolhimento tinha uma mãe com seu filho. Ver a felicidade que eles transmitiam foi um bálsamo para meu sofrimento. Entender que era esse o futuro do meu filho, que ele podia ser feliz assim, foi muito importante para minha caminhada”.

A partir deste dia, junto ao companheiro e pai de seu filho, enfrenta os novos desafios com a consciência de quem sabe onde quer chegar. “’Arrombamos de vez a porta do armário’ e encaramos de frente as lutas para garantir que todos os LGBTIs + possam viver bem. Mostrar a todas as famílias que nós somos o porto seguro, para onde eles podem correr quando se sentirem ameaçados pela sociedade, faz toda a diferença na existência deles”.

Para se informar e participar a ONG mantém perfil ativo nas principais redes sociais:

Facebook: https://www.facebook.com/MaespelaDiversidade/

Instagram: https://www.instagram.com/maespeladiversidade/

Twitter: https://twitter.com/maesdiversidade

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