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O limite da identidade

Quando o reforço das identidades produz segregação social

Em que medida o reforço das identidades leva à autonomia ou, ao contrário, pode produzir segregação? O antropólogo e pesquisador Peter Henry Fry refletiu sobre a questão durante o I Seminário de Estudos Culturais, realizado na Universidade FUMEC, no dia 4 de maio.  Fry realizou a palestra “Quando o multiculturalismo encontra a mistura”, na abertura do evento que teve como objetivo discutir os processos culturais contemporâneos e seus desdobramentos, em diversos campos do conhecimento.

O pesquisador destacou que o multiculturalismo nasceu no Canadá, aliado à defesa da justiça social, em continuidade à política da Grã Bretanha e com forte presença na Holanda. Nessa perspectiva, “a tarefa do Estado é celebrar as diferenças e enxergar que cada grupo terá sua cultura. Sem cultura identitária não havia possibilidade de uma base coerente”. Embora o valor da simetria fosse contemplado, como explicou o pesquisador, nesse contexto, “o inimigo continuava sendo a mistura”. A defesa das identidades acarreta o estabelecimento de “um jargão fixo, fixador”, pontuou, e por extensão, exige-se que a vida seja organizada em torno, por exemplo, de categorias como raça ou sexualidade.

A atuação da antropologia contemporânea também foi questionada, por produzir o que ele chamou de um “essencialismo estratégico, instalado e justificado”, na medida em que o processo social não é compreendido, ainda que se critique o essencialismo. O antropólogo afirmou, ainda, sobre o risco da ideologia em defesa da identidade como promoção de autenticidade e autonomia: “Ao celebrar a identidade, é possível que estejam sonambulando em direção a segregação”. O pesquisador enfatizou que sua posição sobre o assunto não é conclusiva, mas, sobretudo, reflexiva, provocadora. “Minha função é produzir o debate”, disse.

Mistura

A ideia de multiculturalismo e suas especificidades no Brasil e na África foram abordadas por Fry. a apresentação acompanhou momentos importantes da trajetória do pesquisador. Em 1960, dedicava-se aos estudos na África Austral, onde a segregação com base na categoria racial era percebida na divisão radical do espaço, marcado pela desigualdade e discriminação. “Eu podia entrar nos bares dos negros, mas eles não podiam entrar nos meus”, pontuou.

Em 1970, o antropólogo interessava-se pelas diversas colonizações em língua portuguesa e tinha, como hipótese, ao desenvolver estudo no Brasil, o fenômeno da umbanda como foco de resistência dos negros em relação à hegemonia dos brancos no Brasil. Nos terreiros, encontrou pessoas de diversas origens e grandes símbolos nacionais que teriam sido dos negros ali “tornados brasileiros”. “A cosmologia básica dessas religiões, em vez das grandes lutas, tinha a ver com o desenvolvimento de indivíduos”, afirmou Fry, referindo-se ao tratamento mágico que, nesses espaços, compreendia a mediação das relações interpessoais e com os mortos.

Em 1989, Fry retornou à África. Nesse momento, começaria a relativizar as duas experiências: “O Brasil tinha construído sua identidade de mistura e, na África, sobre a segregação”, relatou, comentando a situação de Zimbabue, a antiga Rodesia que havia conhecido na década de 60 e que, sob a condição da independência, não refletia mudanças efetivas, ao contrário, o novo governo não resultara na ruptura com as premissas do império britânico.

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