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Políticas para além de um decreto

Com o propósito de atualizar e de estabelecer regras mais rígidas voltadas às concessões de rádio e TV comerciais, o governo federal, por meio do decreto nº 7.670, de 16 de janeiro deste ano, alterou alguns artigos do decreto nº 52.795, de 1963. O dispositivo, ainda que demasiadamente arcaico, regulamenta os serviços de radiodifusão e determina diversas obrigações aos concessionários e ao poder concedente (neste caso, o Executivo federal). Entre elas, estão os critérios usados no processo de licitação das outorgas a fim de avaliar as propostas no que tange ao conteúdo. Essa é, talvez, uma das mudanças mais importantes trazidas no bojo do novo decreto.

Isso porque, na avaliação das propostas de conteúdo, aumentou o peso do tempo destinado a programas jornalísticos e educativos (máximo de 20 pontos cada); a programas culturais, artísticos, educativos e jornalísticos produzidos na localidade onde opera a emissora outorgada – produção local (máximo de 30 pontos); e a programas produzidos por empresas sem vínculo com concessionárias de radiodifusão – produção independente (máximo de 30 pontos). Este último critério não figurava no texto do decreto original.

Na avaliação do Blog do Planalto, em matéria intitulada “Governo define novas regras para o serviço de radiodifusão no país”, “(…) a legislação passa a atender uma diretriz do artigo 221 da Constituição Federal de valorização da produção local e independente, com o objetivo de ampliar a geração de empregos e fomentar um mercado produtor nas cidades sede das novas outorgas”.

Conteúdo jornalístico e educativo

Mas não é bem assim. O artigo constitucional mencionado acima estabelece os princípios a serem obedecidos pelas emissoras de rádio e TV no que diz respeito à programação, que deve dar preferência a conteúdos educativos, artísticos, jornalísticos e culturais; além de dar espaço a produções regionais e independentes. Todavia, tal dispositivo ainda carece de regulamentação, fato que impede a imposição de cotas de conteúdo destinadas a produções locais e independentes, por exemplo, a serem veiculadas nas emissoras de rádio e TV.

Uma coisa é a imposição de critérios de programação restritos unicamente à disputa licitatória, com o intuito de avaliar propostas e classificá-las. Outra, bem diferente, é a definição de dispositivos legais que obriguem as empresas radiodifusoras em plena exploração de sua concessão a concederem espaço a produções regionais e independentes para, assim, poderem cumprir o que determina o artigo 221 da Carta Magna. Quanto a isso, pelo menos em tese, o novo decreto não altera em nada a realidade brasileira, visto que o sistema de classificação de propostas de programação por pontos já existe desde 1963, data em que foi publicado o decreto nº 52.795.

O que o decreto de 2012 trouxe de “novidade” foi um relativo aumento na pontuação para as propostas de conteúdo jornalístico e educativo (era um máximo de 15 pontos para ambos), além da inserção do critério “tempo destinado a programas culturais, artísticos, educativos e jornalísticos a serem produzidos por entidade que não tenha qualquer associação ou vínculo, direto ou indireto, com empresas ou entidades executoras de serviços de radiodifusão” (máximo de 30 pontos). O critério “tempo menor para entrar em funcionamento”, com um máximo de 40 pontos, perde a validade.

Programação regional e independente

E por falar na valorização de produções audiovisuais fora do eixo Rio-São Paulo, um estudo do Observatório do Direito à Comunicação publicado em 2009, intitulado “Produção Regional na TV Aberta brasileira”, constatou um baixo índice de produção regional em 58 emissoras de televisão sediadas em 11 capitais do país. O objetivo era saber a quantidade de programas produzidos no estado da emissora que o veicula. A pesquisa revelou que o tempo médio dedicado à exibição de programas produzidos localmente era de 10,83%.

E são as emissoras públicas que reservam mais tempo à programação local. Em média, 25,5% da grade de programação das televisões desse campo presentes no estudo destinam-se a conteúdos elaborados nas cidades das emissoras. Bem atrás, estão as afiliadas à Rede TV! (12,20%), Record (11,20%), CNT (9,21%), SBT (8,60%), Band (8,56%) e, por último, à Globo (7%). Na contramão das emissoras educativas, as TVs de cunho comercial estão abaixo da média nacional quanto ao espaço reservado à produção de conteúdo regional, com apenas 9,14%.

Mas qual seria, então, o espaço ideal ocupado pela programação regional e independente no rádio e na TV? O projeto de lei nº 256, apresentado em 1991, ou seja, há mais de 20 anos, pela deputada federal Jandira Feghali (PcdoB-RJ), tenta até hoje responder a essas perguntas. Ele regulamenta o inciso III do artigo em questão, referente à programação cultural, artística e jornalística das emissoras de radiodifusão.

Documentários, animação e ficção

A proposta tramitou na Câmara dos Deputados por mais de 10 anos, deixando a Casa somente em 2003 rumo ao Senado Federal, onde tramita até hoje. A versão original do projeto de lei, iniciado na Câmara, prevê, de 07h às 23h, um mínimo de 30% de programas jornalísticos, culturais e artísticos totalmente produzidos e emitidos no local onde funciona a sede da emissora. As TVs teriam ainda a obrigação de exibir um filme nacional por semana. Já a versão que tramita no Senado desde 2003 – PLC nº 59/2003– traz alterações importantes.

Ela determina que no horário das 5h às 24h, as emissoras de televisão ficam obrigadas a veicular programas culturais, artísticos e jornalísticos totalmente produzidos e emitidos nos estados onde estão as sedes e/ou suas afiliadas, sendo: 22 horas semanais para emissoras que atendem regiões com mais de 1,5 milhão de domicílios com televisores; 17 horas semanais às que atendem regiões com menos de 1,5 milhão de domicílios com televisores; e 10 horas semanais para emissoras que atendem regiões com menos de 500 mil domicílios com televisores. Os valores previstos nas duas primeiras condições deverão, em cinco anos, aumentar para 32 e 22 horas semanais, respectivamente.

A produção independente ganha destaque no PLC 59/2003. Pelo menos 40% das horas semanais estabelecidas para a programação regional deverão ser ocupadas com conteúdo elaborado por produtores sem quaisquer vínculos, sejam econômicos ou de parentesco, com os concessionários de televisão. Dentro desse total reservado à produção independente, 40% deve ser destinado à apresentação de documentários, além de obras de animação e ficção.

Um novo Marco Regulatório

Elaborada de forma colaborativa a partir da participação da sociedade civil durante consulta pública realizada em 2011 e tendo como objetivo contribuir com o Governo na atualização do marco legal da mídia, a Plataforma para um Novo Marco Regulatório das Comunicaçõescoloca a produção regional e independente entre os 20 pontos considerados fundamentais para a democratização do setor no Brasil. Destaca-se a necessidade da regulamentação do artigo constitucional 221 e da implementação de políticas de fomento e incentivo à produção independente:

Garantia da produção e veiculação de conteúdo nacional e regional e estímulo à programação independente:

É preciso regulamentar o artigo 221 da Constituição Federal, com a garantia de cotas de veiculação de conteúdo nacional e regional onde essa diversidade não se impõe naturalmente. Esses mecanismos se justificam pela necessidade de garantir a diversidade cultural, pelo estímulo ao mercado audiovisual local e pela garantia de espaço à cultura e à língua nacional, respeitando as variações etnolinguísticas do país. O novo marco deve contemplar também políticas de fomento à produção, distribuição e acesso a conteúdo nacional independente, com a democratização regional dos recursos, desconcentração dos beneficiários e garantia de acesso das mulheres e da população negra à produção de conteúdo. Essa medida deve estar articulada com iniciativas já existentes no âmbito da cultura, já que, ao mesmo tempo, combate a concentração econômica e promove a diversidade de conteúdo.

A regulamentação da exigência constitucional de complementaridade dos sistemas público, privado e estatal com vistas ao fortalecimento das emissoras públicas de radiodifusão; o fortalecimento das rádios e TVs comunitárias; e o estabelecimento de limites à concentração dos meios também aparecem na Plataforma como fortes aliados da produção regional e independente em um novo marco legal da mídia.

Como se vê, não é através de remendos (leia-se decretos) ou de mudanças superficiais sobre uma legislação totalmente fora do seu tempo que o Brasil conseguirá enxergar na TV e no rádio a diversidade e a pluralidade tão marcantes na cultura e nos costumes de seu povo. O debate vai além e requer políticas regulatórias amplas, convergentes e democráticas.

Por Vilson Vieira Jr. em 21/02/2012

[Vilson Vieira Jr. é jornalista, Serra, ES]

Fonte: Observatório da Imprensa

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