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Games for Change: ”a criação de um novo mundo”. Entrevista especial com Gilson Schwartz

“Temos que superar a carnavalização da inclusão digital e crescer com políticas públicas e empreendedorismo digital”, aponta o economista.

“Não basta criar e alimentar redes se elas atendem a objetivos de homogeneização de comportamentos”, observa Gilson Schwartz (foto abaixo), professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – USP. Crítico do desenvolvimento de redes sociais dominadas por “agendas que não exigem real participação política dos envolvidos”, Schwartz assinala a necessidade de “fazer pontes entre as redes e o desenvolvimento econômico, social e cultural de todos os envolvidos”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador aponta que “estamos na era da ‘iconomia’, ou seja, a economia dos ícones”, onde o principal desafio é a “criação de emprego, renda e novos circuitos de geração e acumulação de capitais que traduzam práticas de mercado na economia da cultura, do audiovisual e do conhecimento digital”. Na compreensão dele, “um novo capitalismo surge no século XXI animado por uma redução radical nos custos de coordenação numa variedade impressionante de atividades humanas”.

Membro do Games for Change Latin America, uma rede que pesquisa a relação entre jogos, aprendizagem e transformação social, Schwartz enfatiza que “para entender a emergência dos games como forma cultural, como atividade econômica e até como estratégia para mudar o mundo, é preciso ter consciência das relações entre o virtual e o real. O foco é digital, mas a abordagem é interdisciplinar e tem como horizonte a chamada internet das coisas conectadas, ou seja, a criação de um novo mundo em que as conexões entre máquinas, pessoas e lugares contribuem para melhorar a sociedade e aprimorar nossa vida individual e coletiva”.

Games for Change é um dos temas a serem abordados no I Seminário – XIV Simpósio Internacional IHU: Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e Sociedades, que se inicia neste mês no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Acesse a programação completa nesta página.

Gilson Schwartz é graduado em Economia e em Ciências Sociais, pela Universidade de São Paulo – USP, e mestre e doutor em Ciência Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Desde 2005 é professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Depois de mais de duas décadas de existência, quais são os principais impactos e efeitos políticos, econômicos e sociais da web?

Gilson Schwartz – Acredito que estamos na era da “iconomia”, ou seja, a economia dos ícones. Criei essa disciplina de graduação na USP, que é oferecida para alunos de engenharia, estatística, computação, economia, administração, contabilidade, comunicações e artes, direito. Ou seja, para que possamos avançar, busco uma nova perspectiva teórica, novos conceitos de educação profissionalizante, uma nova prática nas áreas de cultura e extensão na universidade, uma aproximação não apenas entre áreas do conhecimento, mas também entre práticas sociais no setor privado, no setor público, na academia e no chamado terceiro setor. Mas criar uma disciplina nova na USP, ainda que difícil, é bem mais fácil do que ver essas convergências conceituais e práticas avançarem no dia a dia. Ainda estamos presos no Fla-Flu em torno da propriedade privada, de um lado, e do aparelhamento ideológico do Estado, de outro. A mudança cultural e prática ocorre aos poucos e, sempre é bom lembrar, com recuos, fracassos e desvios. O anjo da história avança olhando para trás; o progresso se faz a contrapelo.

Além da questão teórica e política, o Brasil está muito atrasado no investimento em infraestrutura tecnológica e formação profissionalizante voltada para a emancipação digital (ou seja, a inclusão digital que gera riqueza, identidade e conhecimento, não apenas oportunidade de consumo de máquinas ou serviços de massa). Os episódios se sucedem numa longuíssima novela em que ora se fala do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, ora da banda larga, outrora foi o Gesac – para “tudo se acabar na quarta-feira”. Temos que superar a carnavalização da inclusão digital e crescer com políticas públicas e empreendedorismo digital.

Engatinhando no mundo da inclusão

Finalmente, do ponto de vista estritamente financeiro, estamos ainda engatinhando no mundo da inclusão. Foi somente em 2009 que o Banco Central organizou o I Fórum de Inclusão Financeira. Esse debate ficou interrompido no governo Dilma. Mas sabemos que a chave da expansão econômica contemporânea está na chamada “base da pirâmide”, os dois mandatos do governo Lula colocaram esse modelo em evidência, e a percepção de que a lógica do desenvolvimento de baixo para cima exige novos modelos ganha espaço em todo mundo. Passamos da globalização financeira para uma nova era de financiamento à sustentabilidade da inclusão social que nem economistas nem engenheiros e, menos ainda, cientistas sociais se prepararam para estudar e influir.

IHU On-Line – Qual a principal proposta do projeto “Cidade do Conhecimento”?

Gilson SchwartzCidade do Conhecimento surgiu como projeto em resposta a um concurso público do Instituto de Estudos Avançados da USP, em 1999. Ao longo de mais de dez anos, o projeto evoluiu para tornar-se um grupo de pesquisa com foco na experimentação com novas mídias, conectando as tecnologias de informação e comunicação a áreas aplicadas de humanidades e empreendedorismo. É um laboratório de redes, sempre voltado para a inovação e a formação de parcerias estratégicas com outros grupos e diferentes unidades na USP e além. Já foram investidos cerca de R$ 5 milhões em dezenas de projetos, várias dissertações e teses foram produzidas a partir de projetos na “Cidade”. Desde 2005, o grupo está associado ao Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP. O propósito essencial é transformar a própria experiência de produção de conhecimento universitário projetando desafios e soluções em redes estratégicas de cooperação e inovação.

IHU On-Line – Quais foram suas principais conquistas até hoje? Qual o futuro do projeto?

Gilson Schwartz – Foram inúmeras conquistas. Destaco prêmios, editais e reconhecimento de entidades como a Financiadora de Estudos e Projetos – Finep, o Ministério da Cultura, o Banco Central do Brasil, o BNDES, governos estadual e prefeituras, a Unesco, além de parcerias com empresas privadas e grupos de mídia. Nesse sentido, a principal conquista é de fato servir como veículo, ao longo dos anos, para a construção de redes de projetos aproximando a USP de entidades e organizações em todos os setores. Seu futuro está na ampliação dessas redes, consagrando uma metodologia participativa e com prioridade para a diversidade, algo que se conhece como multistakeholderism e poderia ser bem traduzido como pluralismo. Não basta criar e alimentar redes se elas atendem a objetivos de homogeneização de comportamentos. Dessa perspectiva, as ditas redes sociais dominadas por agendas que não exigem real participação política dos envolvidos é um horizonte de liberdade superficial. É preciso fazer pontes entre as redes e o desenvolvimento econômico, social e cultural de todos os envolvidos.

IHU On-Line – O que significa a “moeda criativa”? Qual o seu potencial transformador da economia?

Gilson Schwartz – Em 2003, comecei um projeto de pesquisa com foco em inovações nos modelos de inclusão digital. Na época, falava-se muito em “telecentros” e ainda não existiam “pontos de cultura”. O projeto foi realizado pelo grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento em convênio com o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação; eram os primórdios do programa Casa Brasil e o Sérgio Amadeu comandava o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI. Do projeto, destaco duas inovações cujo pioneirismo rendeu vários prêmios ao nosso grupo de pesquisa. A primeira foi olhar menos para telecentros e formas convencionais de inclusão digital para investir na inclusão social pela produção cultural para telefones celulares. Fizemos o piloto em comunidades no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, em parceria com índios xavante, com o Jorge Bodanzky no Pará e com a comunidade local na Praia da Pipa, no Rio Grande do Norte. A segunda inovação foi a criação de uma moeda local emitida pelo telecentro.

Instalamos uma antena Gesac e criamos junto com artistas, empresários, professores, estudantes e turistas o “garatuí”. Transformamos o telecentro num banco central local e imprimimos as cédulas, que passaram a circular no setor de turismo e entre estudantes da rede pública municipal. Nessa mesma época, o Banco Palmas dava seus primeiros passos em Fortaleza. Em 2009, no I Fórum de Inclusão Financeira, o Banco Central finalmente reconheceu essas iniciativas e, hoje, falar em moedas sociais, ou seja, meios de pagamento criados de baixo para cima, cujo lastro é o capital social local, deixou de ser tabu. Moedas criativas são moedas cujo capital ou “lastro” é cultural. São as moedas da economia criativa. Podem ser vistas ainda como uma forma tecnologicamente avançada de “vale-cultura”.

Moedas criativas

O projeto Moedas Criativas recebeu dois prêmios do Ministério da Cultura: o “Interações Estéticas – Residências Artísticas em Pontos de Cultura”, em 2009, e o “Cultura e Pensamento”, em 2010. Nos projetos, como fazia de modo pioneiro em 2003, aponto para as moedas criativas como uma excelente oportunidade para a inovação e o desenvolvimento de formas tecnologicamente avançadas de gestão nos pontos de cultura. Em 2011 e 2012 o projeto passou a contar com o patrocínio do BNDES.

De modo geral, falar em moedas cujas funções estão integradas à criação é pensar e desenvolver novos potenciais de financiamento, geração de renda e ocupação nos mercados culturais, em especial os mercados da cultura digital. Embora o debate público até o momento tenha radicalizado a oposição entre a gestão Gil-Juca e a nova gestão Ana de Hollanda, a criação da Secretaria de Economia Criativa é uma oportunidade para levar adiante o protagonismo do Ministério da Cultura na formulação de políticas públicas inovadoras sem que haja ruptura radical com as muitas ideias renovadoras da gestão anterior. No Fla-Flu do creative commons, a economia criativa desponta como um time que pode levar o campeonato mesmo sem ter as maiores e mais galvanizadas torcidas.

IHU On-Line – Como a cultura gamer pode ajudar no processo de desenvolvimento e expansão cultural da juventude digital?

Gilson Schwartz – Sou responsável pelo game Conflitos Globais, no Brasil, e o primeiro título é sobre conflitos na América Latina. Logo lançaremos traduções para jogos que levam o jogador às realidades do Oriente Médio, África e outras regiões críticas para o futuro das relações internacionais. A partir dessa iniciativa, assumi também a representação para a América Latina da rede Games for Change.

Trata-se de uma perspectiva inovadora, comprometida com a crítica social e com a crítica à chamada “cultura gamer”. Tornou-se urgente promover oficinas e cursos de game design, orientação para professores sobre uso de games e atividades especiais para crianças e adolescentes em escolas, ONGs e empresas. O objetivo é formar pessoas com capacitação para colocar o Brasil no mapa global dos games com foco em criatividade, cultura, política, economia e cidadania.

Emergência dos games

Para entender a emergência dos games como forma cultural, como atividade econômica e até como estratégia para mudar o mundo, é preciso ter consciência das relações entre o virtual e o real. O foco é digital, mas a abordagem é interdisciplinar e tem como horizonte a chamada internet das coisas conectadas, ou seja, a criação de um novo mundo em que as conexões entre máquinas, pessoas e lugares contribuem para melhorar a sociedade e aprimorar nossa vida individual e coletiva.

Tem gente que acha que a escola é uma instituição falida, que o professor é um personagem ultrapassado e que estudar é para quem não tem mais o que fazer. Vamos jogar em outra linha: a escola pode e precisa ser transformada, o professor tem um papel de liderança e mentoria, e estudar pode ser não apenas divertido, mas empolgante e inseparável de nossos sonhos, projetos e atitudes. Criatividade é o nome do jogo. Fala-se muito em educação a distância como principal horizonte da convergência entre tecnologia e educação. É uma visão parcial, que privilegia a massificação, ou seja, o aumento no acesso ao conteúdo, porém geralmente como forma de reduzir custos do lado da oferta, sem necessariamente tornar mais criativa a participação dos alunos.

Os profissionais de design instrucional poderão ampliar significativamente a participação criativa dos alunos quando integrarem suas plataformas ao universo dos games. Jogar, brincar, fazer a imersão em mundos virtuais é ir muito mais longe do que a mera transmissão em larga escala de conteúdos pré-gravados, de conteúdos disponíveis em ambientes como o Moodle etc. O professor deixa de ser um mero gerente de plataformas de massificação da distribuição de conteúdo para participar, literalmente, do jogo, arbitrando, mediando, promovendo e organizando a brincadeira.

Jogo da mudança

A principal dificuldade para quem está interessado numa atitude crítica no mundo dos games está na cultura ora bacharelesca, ora paternalista de quem fala e propõe mudanças sociais. De um lado, há uma turma de intelectuais e tecnocratas que acredita na transformação social como resultado de decisões geniais adotadas de cima para baixo. De outro, há muita gente que ainda associa transformação social a filantropia, caridade ou, pior, demagogia. Para jogar o jogo da mudança, é preciso evoluir para uma cultura em que todos façam parte do jogo da mudança. É um jogo de ganha-ganha, enquanto as visões tecnocráticas ou paternalistas partem do pressuposto de que uma parte da sociedade está pronta e apenas o “resto” precisa mudar.

O Brasil se prepara para sediar os maiores eventos esportivos do mundo, a Copa e os Jogos Olímpicos. Falar de jogos, ainda mais como a dimensão mais revolucionária da nova cultura digital, é mais oportuno do que nunca. Vamos mobilizar pessoas, empresas e instituições para fazer do vídeogame, dos jogos sociais e das interfaces digitais uma fronteira tecnológica comprometida com a mudança do mundo e a superação da violência que, gostemos ou não, queiramos ou não, habita cada um de nós como um risco potencial, recorrente e inevitável.

IHU On-Line – Quais são os grandes desafios e os grandes problemas colocados pela emergência das redes sociais na era da interconexão total?

Gilson Schwartz – O principal desafio está na criação de emprego, renda e novos circuitos de geração e acumulação de capitais que traduzam práticas de mercado na economia da cultura, do audiovisual e do conhecimento digital. Um novo capitalismo surge no século XXI animado por uma redução radical nos custos de coordenação numa variedade impressionante de atividades humanas. A colaboração no mercado chegará a níveis inéditos, privilegiando o acesso compartilhado em detrimento da propriedade pura e simples. O capitalismo se reinventa valorizando uma nova forma de coletivismo.

No entanto, em oposição ao coletivismo totalitário que predominou até a queda do Muro de Berlim, trata-se a partir de agora de um novo modelo de relacionamento humano que busca inspiração na cooperação livre e na criatividade responsável.

No centro dessa nova formação social e econômica está a “mesh”, ou seja, um tipo de colaboração que se torna viável e ganha potência por meio da rede digital, das tecnologias de informação e comunicação (a “network assisted sharing”). A coordenação, privada ou pública, substituirá a propriedade privada de um número enorme de ativos por parte dos indivíduos, das famílias e das empresas. É algo que passa mas não se esgota no que, hoje, se conhece popularmente como “redes sociais”.

A “mesh” revoluciona profundamente a atividade humana gerando disrupção na maior parte das indústrias e instituições, não apenas na chamada indústria cultural ou economia criativa. Para os empreendedores criativos será uma oportunidade histórica sem precedentes para gerar valor reinventando setores e abrindo novas fronteiras de mercado. Do jovem que ainda está nos bancos da faculdade aos dirigentes das grandes empresas globalizadas, quem ficar fora da “mesh” será incapaz de competir por não saber compartilhar.

FONTE: Instituto Humanitas Unisinos

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