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Atlas da extinção

Brasil é uma das maiores nações multilíngues do mundo, entretanto, o país com maior número de idiomas ameaçados de extinção

 

O fim de uma língua pode significar a extinção de importantes referências culturais de um país. Com ela, expressões da diversidade cultural se vão, como receituários etnofarmacológicos, relatos históricos, categorizações comportamentais e relacionais, taxonomias de flora e fauna, tradições alimentares e simbólicas, poesias, músicas, expressões e histórias. A lista do patrimônio cultural perdido é preciosa. “Essa morte é lenta e sofrida para quem dela participa”, afirma o professor da PUC-Minas, Pedro Perini.

“O Brasil é curiosamente um país que se orgulha de um fato social ruim e falso. Tem muita gente que fala que é motivo de orgulho ter uma língua única que nos une do Oiapoque ao Chuí. Isso é falso porque no país há 200 línguas; e ruim, porque quanto mais línguas ativas houver em um país, melhor é”, destaca Perini, ao enfatizar que relações identitárias, comunitárias e culturais são ancoradas no compartilhamento de idiomas.

De acordo com Perini, países que adotam estratégias de partilhar línguas usadas pelas comunidades imigrantes e minoritárias, junto às demais de seus habitantes, ampliam relações comerciais, culturais e familiares intra-raciais e intra-culturais, gerando índices sociais positivos como, por exemplo, queda da violência urbana e melhoria no desempenho escolar.

Nesse contexto, o que pensar sobre a diversidade lingüística brasileira, considerando-se os dados apresentados no Atlas Interativo de Línguas em Perigo no Mundo da Unesco?. Segundo o Atlas, o Brasil é uma das maiores nações multilíngues do mundo, entretanto, o país com maior número de idiomas ameaçados de extinção. O estudo classifica as 178 línguas indígenas faladas em território nacional como vulneráveis (97), em perigo (17), seriamente em perigo (19) ou em situação crítica (45). Entre os idiomas relacionados estão o Apiaká (norte do Mato Grosso), o Diahó (Humaitá, no Amazonas) e o Kaixana (Japurá, no Amazonas), faladas por apenas uma pessoa. O Tikuna (Alto Amazonas) é o idioma indígena com mais falantes no Brasil – total de três mil.

Em matéria veiculada no portal Yahoo, o  diretor do Laboratório de Línguas Indígenas da UnB (Universidade de Brasília) , Aryon Rodrigues, referência mundial no tema, informa que aproximadamente  1,2 mil idiomas desapareceram do Brasil desde que o país foi colonizado.

“Podemos considerar que todas as línguas indígenas ainda existentes correm o risco de sumir porque não há política pública oficial a favor delas e não tem nenhuma delas reconhecida pelo Estado”, diz. Ele explica que a população indígena nem sempre tem relação com a sobrevivência do idioma. “Algumas tribos do Alto Xingu têm menor de falantes do idioma, mas estão estáveis devido às áreas que se encontram, bem demarcadas e protegidas. Por outro lado, os kaiapós (Mato Grosso e Pará) têm população de mais de 8 mil pessoas, mas vivem em terras invadidas; isso arrebenta com a sociedade indígena e com a língua”.

 

Permanências e descontinuidades

Frente às informações disponibilizadas pelo Atlas, não resta dúvida quanto à importância das línguas que, como patrimônios nacionais, devem ser preservados e ensinados, antes que desapareçam. Como toda forma cultural, a língua sofre transformações, sendo afetada pelas circunstâncias históricas e pelos usos e apropriações sociais. O coordenador do curso de pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Minas, Júlio Pinto, pondera: “O idioma é um traço constituidor da identidade de um grupo. Entretanto, a falta dele pode não constituir um apagamento de uma cultura”, diz, apontando a situação de Cingapura: “País pequeno, constituído por população oriental, mas, talvez, em processo de criação de uma cultura própria, apesar de usar o inglês como língua oficial”.

Para ele, a rápida absorção de um povo e seu idioma pode representar o desaparecimento de uma cultura, se não houver o cuidado em preservar seus traços formadores. Mirandês, por exemplo, é uma língua neolatina falada por uma pequena população em Portugal, integrada predominantemente por idosos. “A língua está sendo rapidamente absorvida pelo Português, mas tiveram o cuidado de produzir um dicionário Mirandês-Português e, certamente, também de registrar outros traços da cultura mirandesa. O idioma deixa de ter falantes, mas, quem sabe, traços da cultura podem ser preservados e a identidade daquele povo, ainda que enfraquecida, pode permanecer. A questão é a substituição de um símbolo forte por outro”, explica o professor.

Segundo Pedro Perini, estima-se que haja cerca de 6000 línguas no mundo, 50% delas no continente africano. A previsão é de que, em 100 anos, 90% delas morrerão. “Isso é grave e triste; não tem nada a ver com uma suposta expansão da língua ‘imperialista americana’ pelo mundo; isso é um mito. A língua inglesa mesmo perde espaço em solo americano”, comenta o professor.  “As línguas morrem porque as próprias comunidades usuárias não as valorizam e não têm valorizadas as suas práticas dialetais; isso se chama racialização linguística”, destaca.

Por outro lado, o processo de globalização das culturas pode fortalecer a língua original e “provocar um recrudescimento das consciências étnicas – fato que observamos com frequência recentemente nos Bálcãs”, observa Júlio Pinto.

 

Resistências

De acordo com estudos feitos pela Universidade da Califórnia (UC), em 2040, a maior parte da população que mora no Sudoeste americano falará espanhol e, na região da cidade de San Francisco, prevalecerá o chinês. A adoção do bilinguísmo exige a estruturação de políticas públicas e implica resistências. “Quando uma nação assume políticas de estímulo e de revitalização de línguas minoritárias e moribundas, gera-se a seguinte situação: as comunidades beneficiadas passam a falar uma língua a mais do que o grupo dominante e isso é um instrumento gregário e de poder. Além disso, evidencia-se que em um mesmo país apenas um grupo linguístico foi escolhido”, esclarece Perini, ao distinguir o que é uma situação de bilinguismo cooperativo, ao qual se dá o nome de diglossia, e uma situação de conflito entre línguas, a glotofagia. “Em geral, vivem-se situações glotofágicas”, enfatiza o professor.

A valorização do bilingüismo é enfatizada por Perini. “Um falante bilingue espanhol/inglês nos Estados Unidos ou um falante de tupi/português no Brasil têm menos chance de conseguir um emprego do que um falante monolíngue usuário da língua oficial, o que é bizarro: o camarada sabe mais e é prejudicado por isso”, exemplifica.

Leia também o artigo Políticas lingüísticas, de Pedro Perini-Santos.

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