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Brasil da diversidade e da adversidade

Uma de nossas maiores riquezas é nossa diversidade cultural, afirmam políticos, gestores, intelectuais, os homens e as mulheres que passam pela rua. Alguns dizem que é a nossa cordialidade, nossa boa relação com os outros. Afinal, somos um país sem preconceitos, racismos. Somos pacíficos. Daí a falta de necessidade das cotas! Para que este tipo de instrumento de democracia social importado dos E.U.A? Lá sim, como diz a canção, branco é branco, negro é negro, e a mulata não é a tal. Não é o nosso caso.

Diversidade na unidade: eis o lema da política cultural dos governos militares. Somos muitos, mas há algo que nos une: a nacionalidade. O discurso da identidade nacional tem sido uma marca das relações entre o Estado e a cultura no Brasil. Claro que com inúmeras variáveis. Não dá para comparar o discurso da brasilidade como mercadoria a ser vendida no exterior, marca dos anos FHC/Weffort no MinC, com o da inclusão de setores historicamente marginalizados de nossa cultura, que faz parte do governo Lula e da gestão Gil/Juca.

Mas o fato é que nunca assumimos de frente as tensões que dilaceram esse país. Queremos continuar achando que nos damos muito bem. Que o conflito é apenas de ordem econômica e social, nunca cultural (como se essas esferas pudessem ser separadas). Assim, vamos perdendo as chances de construir mediações entre as visões, muitas vezes preconceituosas sim, de Brasil que existem por aí. Elas ficam sublimadas. Jogadas para debaixo do tapete. Mas em alguns momentos de trauma, vêm à tona. E descobrimos que nossa história não é tão incruenta assim!

No Facebook de uma cearense radicada há anos em São Paulo, alguém postou a mensagem logo após nossa última eleição para presidente: “… volte para a m. do teu Ceará”. Nesse sentido, este período eleitoral pode ser visto como um fato traumático, naquele sentido de revelar sentimentos recônditos, que não expressamos em público, só no espaço privado. A raiva provocada pela derrota e a busca de culpados fazem com que as fobias aflorem no espaço da rua, ou melhor, do ciberespaço.

Uma estudante de direito paulista postou também em seu Facebook, logo após o resultado das eleições: “Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!”. Sua palavra de ordem ecoou em outros(as) frequentadores(as) do espaço virtual! Muitos foram os apoios, apesar da reação contrária também se fazer presente. Às vezes com semelhante ódio, tanto de um lado, quanto de outro.

Ou seja, não conseguimos romper com a idéia da existência de uma harmonia entre os brasis. Não colocamos na sua radicalidade a questão da identidade em seu conflito com a diferença e, portanto, dos conflitos. O que se coloca para nossa sociedade é como assumir e lidar com as manifestações que não se encaixam perfeitamente como peças de um quebra-cabeça porque suas arestas não permitem. Não se trata do respeito tolerante ao outro, onde as diferenças acabam se ajustando em um retrato representando a Humanidade. Ou a Brasilidade.

A questão é assumir que existem os antagonismos que atravessam a sociedade. Só assim poderemos lidar com eles. Estabelecer lugares de convívio entre essas percepções contrárias para que elas possam ser negociadas. Ou, em muitos casos, combatidas, quando se assumirem em seus traços fascistas. Como esses casos relatados acima! E de tanto outros!

Enquanto acharmos que nossa história é incruenta, que somos cordiais, que vivemos em uma democracia racial e outros mitos mais, continuaremos levando “sustos” em períodos traumáticos como o que vivemos nesses últimos dias. Até que em algum dia acordaremos espantados em um estado de exceção. E ficaremos nos perguntando: mas como isso pode acontecer, meu Deus?!

*Alexandre Barbalho é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e professor dos PPgs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC onde pesquisa sobre políticas culturais e de comunicação e sobre cultura das minorias. Autor e organizador de inúmeros livros entre os quais: Relações entre Estado e cultura no Brasil (1998); Comunicação e cultura das minorias (organizado junto com Raquel Paiva – 2005); Políticas culturais no Brasil (organizado junto com Albino Rubim – 2007) e Brasil, brasis: identidades cultura e mídia (2008).

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