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Comitê de Gênero e Sexualidade da Associação Brasileira de Antropologia apresenta nota de repúdio ao PL 5069/2013

Nota da Associação Brasileira de Antropologia e de seu Comitê de Gênero e Sexualidade sobre o Projeto de Lei no. 5069/2013

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) acolhe a análise do Comitê de Gênero e Sexualidade e torna pública sua profunda preocupação diante do grave risco de violação dos direitos das mulheres, se o Projeto de Lei no. 5069/2013, aprovado em 21 de outubro passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, vier a ser aprovado em Plenário, levando a sociedade e os Parlamentares à reflexão.  

  1. O Projeto de Lei altera e restringe a abrangência do atendimento das mulheres vítimas de violência sexual nos hospitais, tal como regulamentado pela Lei no 12.845 de 1 de agosto de 2013 que considera violência sexual, qualquer forma de atividade sexual não consentida. Desde 1940, o aborto não é crime quando a gravidez resulta de estupro, e desde 1998 o atendimento em hospitais públicos tem tido lugar (tímido ainda) no Sistema Único de Saúde. Hoje, a  mulher que se encontre grávida em decorrência de violência sexual, ao buscar o serviço de saúde precisa assinar três termos, o Consentimento Livre e Esclarecido, em que escolhe por manter ou não a gravidez, o Termo de Responsabilidade, onde declara legítima expressão da verdade e o Termo de Relato Circunstanciado, no qual detalha como a agressão ocorreu. O PL  quer restringir a abrangência do atendimento pela exigência da apresentação do boletim de ocorrência e do exame de corpo de delito. Entra assim em contradição com o direito constitucionalmente tutelado – que a criminalização do estupro protege – a dignidade e a liberdade sexual individual. Sabe-se pelos estudos e pesquisas qualitativas e quantitativas que os crimes de violência sexual são os mais subnotificados, pois grande parte desses crimes, quer sejam  cometidos por desconhecidos ou por conhecidos e familiares, colocam as vítimas diante do medo ou da vergonha, dificultando extremamente sua denúncia. Sabe-se também da possibilidade de o exame de corpo de delito se apresentar sem resultados claros quer pela demora da ida da mulher à delegacia, ao Instituto de Medicina Legal (IML), ou ao hospital, quer pela precariedade dos recursos e técnicas de exame dos vestígios. 

A exigência do boletim de ocorrência e do exame de corpo de delito não são inócuas ou burocráticas. São graves e restritivas. Todo ato, procedimento, ou informação sobre procedimentos e práticas de interrupção de gravidez resultante de estupro que não tenha sido denunciado à Polícia Civil e examinado (ou constatado) poderão e serão considerados crimes, tanto para as mulheres quanto para os médicos e agentes de saúde. Há sub-repticiamente, mas de forma contundente, uma alteração restritiva do que se entende por estupro, com impacto negativo na interpretação e na sua literalidade – há alteração dos artigos 126, 127 e 128 do Código Penal – do que se entende desde 1940 por aborto que não pode ser criminalizado: o aborto que se segue à uma gravidez decorrente de estupro. 

  1. O projeto de lei altera as modalidades de atendimento das mulheres vítimas de violência sexual nos hospitais, tal como regulamentado pela Lei no 12.845. Hoje, os hospitais públicos são obrigados a oferecerem acolhimento, atendimento, informação, orientação, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, prevenção da gravidez por medicamentos e oferta de informações sobre os direitos legais e sobre os serviços de aborto legal para interrupção da gravidez, se for o caso e a vontade da vítima. 1) O PL restringe o atendimento obrigatório à oferta de medicamentos não abortivos para prevenção da gravidez. 2) O PL não inclui na modalidade de atendimento a oferta de medicamentos abortivos no caso de gravidez decorrente de estupro, embora não a proíba explicitamente no caso do estupro denunciado à polícia civil e com exame de corpo de delito. 3) O PL interdita que a administração de medicamento ou procedimento abortivo seja obrigatório para nenhuma instituição ou profissional de saúde: “Nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”. 
  1. O Projeto de Lei criminaliza o anúncio de meio abortivo e o induzimento, instigação e auxílio à prática de aborto, assim como a mera orientação ou instrução de como praticar o aborto, por qualquer pessoa. Aumenta a pena se estas ações – que incluem orientação e informação – forem fornecidas por médicos, farmacêuticos ou enfermeiros ou agentes de serviços públicos de saúde, ressalvados os casos de grave risco de morte da mulher e dos casos de estupro no seu novo e restrito entendimento. O que está considerado como Ética Médica, dar orientação e informação, passa a ser crime. Viola-se a Ética Médica e o direito humano individual à informação e à vida. 
  1. O Projeto de Lei revoga a caracterização de contravenção penal com pena de multa atribuída até então aos atos de “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto”, e os converte em crime com penas de um a três anos. Cumpre apontar que a anticoncepção de emergência, definida medicamente como preventivo da fecundação, e não abortivo, é alvo de disputa pelos movimentos contrários ao aborto, que o interpretam como se abortivo fosse. Assim, corre-se o grave risco que o convencimento jurídico poderá basear-se em antagônicos entendimentos. 

A ABA, ao analisar a matéria, não pode deixar de afirmar que o PL significa um enorme retrocesso para os direitos à vida digna de mulheres e meninas. Serão submetidas à revitimização pela violência institucional. Negar o atendimento dos casos de violência sexual e/ou abortamento é omissão de socorro e criminalizar os (as) profissionais de saúde que prestam essa assistência ou informações é, mais uma vez, colocar em risco a vida das mulheres brasileiras, como já afirmado recentemente pela movimentação feminista. Ferem-se assim os direitos à dignidade, liberdade, informação, saúde e integridade física e psíquica das mulheres. A aprovação do PL será a imposição de valores conservadores e moralistas monocráticos que se contrapõem a uma concepção de direitos humanos que admite a pluralidade, a diversidade e a autonomia individual. 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA E SEU COMITÊ DE GÊNERO E SEXUALIDADE 

Brasília, 27 de outubro de 2015.

Fonte: http://www.portal.abant.org.br/index.php/17-noticias/785-nota-da-aba-e-seu-comite-genero-e-sexualidade-sobre-o-pl-5069-2013

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