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LEIC: para além da contrapartida

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Desde último dia 24 de maio, data de publicação da Lei 20.694, as declarações de Incentivo – DI’s protocolizadas na Secretaria da Fazenda – SEF podem usufruir dos novos percentuais de dedução fiscal referentes à Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. A renúncia fiscal das empresas incentivadoras pode ser de 99%, 97% ou 95%, e a contrapartida de 1%, 3% ou 5%, dependendo do porte da organização. Antes da nova Lei, a empresa podia deduzir 80% do valor investido por meio de renúncia fiscal do ICMS. O total de 20% restante correspondia ao valor da contrapartida, repassado ao projeto.

De acordo com a Secretaria Estadual de Cultura (SEC), as atuais regras que alteram a Lei Nº 17.615, de 4 de julho de 2008, incentivam, principalmente, a participação de empresas pequenas e médias. Também aquelas com crédito tributário inscrito em Dívida Ativa do Estado são beneficiadas: conforme a Lei 20.540, de 14 de dezembro de 2012, empresas inscritas há mais de doze meses, contados da data do requerimento do incentivador, podem incentivar projetos culturais e obter desconto de sua dívida em até 25%. O sistema anterior determinava que aquelas com dívida inscrita até 31 de outubro de 2007 poderiam quitar o valor do débito com desconto de 25%, se apoiassem projeto cultural.

Segundo a SMC, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais já beneficiou total de 4.500 projetos, o que corresponde a investimento de cerca de R$ 550 milhões em projetos culturais e geração de cerca de 100 mil empregos diretos e indiretos. O resultado das mudanças da LEIC será avaliado ao final do terceiro ano de vigência do Governo, em 23 de maio de 2016, pelo Poder Executivo em articulação com a Assembleia Legislativa, municípios e sociedade civil.

Perspectivas

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O jornalista, empreendedor e ativista cultural, Israel do Vale.

O jornalista, empreendedor e ativista cultural, Israel do Vale, considera a mudança da LEIC um retrocesso para o setor cultural. Para um dos fundadores e membro da Sociedade Independente da Música e integrante do Fórum Música Minas, “se as empresas não veem o investimento em cultura como contrapartida social e maneira saudável de se relacionar com a sociedade e/ou a sua comunidade, não é isso que vai mudar o jogo de forças”.

Para ele, com as novas regras, continua a dependência dos artistas em relação aos interesses mercadológicos, já que facilitar a contribuição das micro e pequenas não altera a condição de submissão à decisão das empresas quanto a aspectos estratégicos, dentre eles, comunicacionais, agenda do evento, escolhas artísticas ou relacionadas à programação.

Nessa perspectiva, a nova LEIC não modifica a “mentalidade empresarial” sobre o processo de patrocínio cultural: “se o empresário é o grande beneficiado – porque promove sua empresa a um custo baixíssimo – agora perto de zero – e não enxerga isso, pra que mantê-lo como ‘atravessador’ de uma operação que é feita quase integralmente com dinheiro público?”, questiona Israel que defende, em vez de leis de incentivo, a adoção de fundos e editais de recurso direto, com incentivo do estado. Para tanto, defende a reversão dos recursos para um fundo, o refinamento dos critérios de seleção e o papel do governo como indutor capaz de estimular ações de interesse público.

A avaliação é de que a principal distorção do processo consiste na aprovação do valor duas ou três vezes maior do que o teto da renúncia, como explica: “Este aspecto resume um modelo torto que, em vez de ser enfrentado, foi reafirmado; meu sentimento é de que as mudanças na lei são um paliativo e vão gerar apenas ‘menos do mesmo’. A partir de agora, sem a contrapartida, o produtor tem menos dinheiro para executar seu projeto”, afirma, lembrando que a medida não intervém na prática crônica da corrupção, por empresas e/ou ‘profissionais’: “Geralmente a contrapartida não é dada em espécie, mas em forma de produto e serviço, por debaixo dos panos”.

Na avaliação do diretor da Nexo Investimento Social, Thiago Alvim Camargo, o cenário atual não privilegia a lógica mercadológica em detrimento do interesse cultural, uma vez a maior parte das empresas usam o incentivo visando, cada vez mais, o relacionamento com a comunidade. “Um ponto que não costuma ser discutido é que temos uma alta carga tributária e esse tipo de mecanismo da um pequeno desconto no imposto que o empresário deve pagar. O governo dá o desconto, mas condiciona sua aplicação. Eu considero legítimo que o empresário utilize o recurso da forma que achar mais adequado para a estratégia da empresa”, afirma.

Alvim sugere a alteração das faixas de faturamento para aplicação dos limites de dedução do ICMS, como medida viável para relevância dos investimentos das empresas médias, conforme tabela disponível no site da Nexo. “O mecanismo criado em 2008 que permite que empresas com menor faturamento possam deduzir percentual maior do ICMS devido foi muito tímido”, argumenta. O empresário é favorável ainda à limitação da apresentação de projetos por pessoa física, como é previsto na Rouanet. “Não acho que faça sentido uma pessoa gerir em seu nome R$1 milhão em recursos públicos. Daria pra ter um teto pra pessoa física, a partir daí só organizações”, justifica.

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A atriz e produtora cultural, Fernanda Botelho.

A atriz e produtora cultural Fernanda Botelho avalia positivamente as mudanças da LEIC porque desoneram os valores de incentivo para pequenas e médias empresas, favorecendo o investimento dos principais patrocinadores em maior valor, quantidade e diversidade de propostas. Para ela, é necessário impedir que órgãos ligados ao estado possam concorrer aos recursos da LEIC em igual condição com os demais produtores. “A Fundação Clóvis Salgado, a Orquestra Sinfônica, entre outros, deveriam contar com verba direta do Governo do Estado e não concorrer aos recursos de incentivo, fundo e prêmios com os demais empreendedores”, exemplifica. Outra demanda, de acordo com ela, é que a lei de incentivo fiscal não seja o principal ou único mecanismo de financiamento de projetos culturais em nível estadual.

“O Fundo Estadual de Cultura (FEC), por exemplo, teve seus recursos reduzidos do ano passado pra cá e a maioria dos projetos aprovados são de prefeituras. Outra concorrência desleal”, diz Fernanda que destaca ainda a necessidade de ampliação do projeto Prêmio Cena Minas, lembrando que o aumento anunciado de sua verba em 2013 corresponde à correção financeira, desde 2008, cuja atualização não acompanhou índices de inflação do período. “A tríade incentivo, fundo e prêmios deve ser fortalecida e melhor trabalhada para que maior diversidade de projetos e empreendedores culturais seja contemplada”, argumenta.

Ela destaca a necessidade de transparência em relação aos processos de patrocínio com recursos da LEIC, por parte de empresas públicas. “Empresas como Cemig, Copasa e Regape deveriam ter a obrigação de lançar editais para patrocinar projetos através da LEIC. A Copasa, por exemplo, utiliza recursos da Lei Federal de Incentivo à Cultura para gerir os recursos do Prêmio Cena Minas e não informa sobre seus patrocínios através da LEIC. A Regape, este ano, patrocinou mais de R$1 milhão pela LEIC e nem sabemos quem são os beneficiados”, completa.

Participação

A participação no processo de elaboração da lei também divide opiniões. “Houve uma discussão ampliada a partir do momento em que a SEC promoveu vários encontros abertos a empreendedores e interessados na área cultural e, posteriormente, em grupos de trabalho (GTs) formados por integrantes da SEC, representantes de empresas incentivadoras, de segmentos artísticos e empreendedores culturais”, diz Fernanda que, desde 2009, frequenta as reuniões na Secretaria de Estado de Cultura (SEC-MG) sobre a LEIC.

Para Israel, no entanto, é preocupante o esvaziamento crítico e acomodação do setor, cujo incômodo reflete-se apenas na reprovação do projeto em edital ou dificuldade de captação: “O meio cultural se acomodou e acovardou: só se mobiliza pra saber onde está o dinheiro e defender interesses próprios e imediatistas”, sintetiza. Ele reivindica a realização, pelo poder público, de ações de médio e longo prazo: “Em vez de administrar eventuais angústias, frustrações e/ou indignações generalizadas de um setor da economia que, na prática, não consegue viver do que faz”.

Superar, enfim, a noção de política pública associada à fonte de financiamento, para solucionar carências graves, como ausência de dados sistematizados que comprometem o planejamento estratégico do setor. “A sociedade civil também precisa fazer sua parte: não adianta apontar o dedo pro governo pra dizer que não faz ou faz errado e, quando ele abre os canais de interlocução, não aparecer para contribuir e ajudar a construir as políticas”, critica Israel, ao apontar pautas urgentes, como a discussão sobre a política de internacionalização da cultura brasileira, transversalidade das ações, bem como plano estratégico e contínuo com a área da educação e diálogo permanente com o setor.

Outra questão que provoca o debate é a concentração da LEIC no eixo metropolitano, o que tornaria as demais regiões dependentes da Lei Rouanet e de editais da Funarte. Fernanda considera a LEIC importante mecanismo para promoção de projetos no interior de MG, já que o instrumento capilariza ações culturais que incluem a circulação de espetáculos pelo interior. No entanto, ressalva que a circulação orienta-se, não raro, pelo interesse do patrocinador privado, o que resulta na concentração em localidade de interesse desses agentes.

Israel do Vale não prevê ganhos efetivos no contexto dos 853 municípios mineiros. “As micro empresas têm, geralmente, uma estrutura contábil tímida – e, infelizmente, ainda há aquele temor de que ‘o governo vire suas contas do avesso’, o que é uma bobagem, mas inibe a entrada de novos agentes”, explica, ao defender a reformulação do mecanismo de renúncia fiscal, com alocação de 90% dos recursos num fundo, fracionamento do edital e recortes setorizados por expressão artística, por demanda e região.

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