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O papel da paisagem no desenvolvimento sustentável

O jardim como metáfora e a paisagem como sujeito do desenvolvimento sustentável. "Os Lusíadas" de Camões, a floresta, a grama e a orla inspiram a paisagem da Fundação Gulgenkiam, de Lisboa Crédito: José Antonio Hoyuela Jayo. Fundación Gulgenkiam, Gonçalo Ribeiro Telles y Antonio Viana Barreto, 2010

O jardim como metáfora e a paisagem como sujeito do desenvolvimento sustentável; “Os Lusíadas” de Camões, a floresta, a grama e a orla inspiram a paisagem da Fundação Gulgenkiam, de Lisboa
Crédito: José Antonio Hoyuela Jayo. Fundación Gulgenkiam, Gonçalo Ribeiro Telles y Antonio Viana Barreto, 2010

* Jose Antonio Hoyuela Jayo

 

David Harvey e Milton Santos anunciaram, no final do século XX: “… cada homem valerá pelo lugar que habita”[i];. A importância da paisagem, do meio ambiente ou do local, na educação, no bem-estar e na qualidade de vida do sujeito e, por extensão, na sociedade, é fundamental. Um ambiente físico saudável, diversificado, atraente, natural e cultural harmonioso contribui para o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos e do meio ambiente (Fariña Tojo, 2008[ii]).

Nos últimos anos do século XX, a sensibilidade ambiental e cultural favoreceu a proteção de muitos espaços e lugares, mediante seu tombamento[iii]. Uma política que visa mais a proteção e menos a ação ou a gestão. Uma politica que exige uma nova abordagem. O aumento da consciência social e os movimentos sociais, a globalização e o fortalecimento da identidade local, através de processos de planejamento participativo, contribuíram para construção de novos modelos.

A tecnologia, assim como os conceitos de espaço e sociedade (Milton Santos, 2006), aplicadas às formas urbanas e formas de viver, e de se relacionar, estão mudando. Mas será que temos as ferramentas necessárias para gerenciar essa mudança? Há ferramentas capazes de enfrentar este desafio? Pode ser o planejamento da paisagem um caminho rumo ao desenvolvimento sustentável?

O conceito da paisagem hoje é predominantemente visual e midiático, um objeto que se analisa e descreve, mas não se integra aos processos de planejamento. Temos a intenção de defender a sua transformação em sujeito, em instrumento básico para o planejamento sustentável[iv]. Vivemos um momento crucial, a fim de transformar a realidade, o meio ambiente, através da revisão dos instrumentos de planejamento territorial e urbano e a integração da paisagem nesses instrumentos.

Em 20 de outubro de 2000, em Florença, os países da União assinaram a Convención Europea del Paisaje (Convenção Europeia da Paisagem – CEP), da iniciativa do Conselho que definiu “paisagem” como “… qualquer área, como percebido pelas pessoas, cujo caráter é o resultado da ação e interação dos recursos naturais e / ou humanos”. A Convenção reconhece a paisagem numa dimensão holística, abrangendo todo o território[v] e, também, seu impacto sobre o desenvolvimento sustentável, do ponto de vista econômico, social e ambiental[vi]. O CEP reconhece, explicitamente, o papel da paisagem na melhoria do bem-estar e qualidade de vida[vii].

Na Espanha, a legislação regional, como a Lei da Paisagem de Cataluña, 2005; Valencia, 2004; Galiza, 2009, ou o País Basco (projeto de lei 2012), introduzem o novo conceito nas politicas de ordenamento do território e urbanismo, disponibilizando seus instrumentos disciplinares. Essas leis transformam a paisagem em um bem público, direito de todas as pessoas e não apenas enquanto medida de proteção (como foi), mas também e acima de tudo, de gestão e execução para a transformação do território.

O modelo mais avançado, certamente, é o catalão. O Observatório da Paisagem[viii] juntou Planejamento e considerações paisagistas, estendendo seus instrumentos operativos em várias escalas, através de um processo de consenso e participação intensiva. Valencia e Galícia[ix], entre outras regiões, estão trabalhando forte acima desse novo paradigma.

No Brasil, a Chancela Paisagem Cultural foi adotada em 2009, com importantes avanços nesta linha, mas, com duas diferenças fundamentais em relação ao conceito europeu, a seleção das paisagens eminentemente “culturais”, de excelência, e o uso de ferramentas operativas limitadas. Nem todas as paisagens, mas apenas as de maior interesse cultural, são consideradas. Apesar de ser uma proposta interessante e propor o concerto público – privado, e orientado à gestão operativa, realmente não oferece capacidade real de integrar essas iniciativas com os instrumentos de planejamento urbano nem com as políticas públicas, leis e regulamentos que atuam acima do território.

Itinerários e territórios culturais propostos pela Chancela tentam estender o conceito de paisagem cultural para o entorno, mas não têm as ferramentas técnicas necessárias para a sua integração nas políticas públicas, setoriais, urbanas, ambientais ou territoriais. A Chancela, no entanto, abre a possibilidade de integrar cultura, natureza, história e espaço, para avançar na criação de territórios mais sustentáveis, para desenvolver politicas de integração entre as oportunidades e os valores do território, através em definitiva de ferramentas de planejamento baseadas no uso da paisagem.

Na foto: a água como espelho celestial. As fronteiras entre a floresta (segurança) o verde (cerrado) formam as franjas ou limites, ecotonos, constituindo novos ecossistemas e habitats, ao mesmo tempo naturais e culturais. O sistema foi aplicado à escala territorial na REN, Rede Ecológica Nacional, e na RAN, Rede Agrícola Nacional com o apoio de Gonçalo Ribeiro Telles.

 


[i] Cada homem vale pelo lugar onde está. O seu valor como produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território […]. A possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. (SANTOS, 1987, p.81).

[ii] http://elblogdefarina.blogspot.com.es/2008/08/el-convenio-europeo-del-paisaje.html consultado en Julio de 2013

[iii] As APA, Áreas de Preservação Ambiental, como tombamento ambiental,  e os tombamentos culturais e naturais de bens moveis o imóveis a diversas escalas do IPHAN,…

[iv] O espaço criado na cidade moderna […] reflete a ideologia prevalecente dos grupos e instituições dominantes na sociedade. […] O urbanismo possui uma estrutura separada – ele pode ser concebido como entidade à parte – com dinâmica própria. (HARVEY, 1980, p. 267-268)”

[v]  “el paisaje es un elemento importante de la calidad de vida de las poblaciones, tanto en los medios urbanos como en los rurales, tanto en los territorios degradados como en los de gran calidad, tanto en los espacios singulares como en los cotidianos” (Convenio Europeo del Paisaje, 2000)

[vi] “el paisaje participa de manera importante en el interés general, en los aspectos cultural, ecológico, medioambiental y social” (Convenio Europeo del Paisaje, 2000)

[vii] “el paisaje constituye un elemento esencial del bienestar individual y social ” (Convenio Europeo del Paisaje, 2000)

[viii] Página web do “Observatori del Paisatge”: http://www.catpaisatge.net/

[ix] O Instituto Galego de Estudos do Território esta fazendo um trabalho intensivo nesta área: http://www.cmati.xunta.es/organizacion/c/Instituto_Estudos_Territorio

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