Renato Soares

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19 de abril, Dia do Índio?

No Brasil, o Dia do Índio é “comemorado” em 19 de abril, mas lideranças indígenas e estudiosos do tema contestam a legitimidade da data que representa os povos indígenas de forma folclórica e genérica, desconsiderando as diversas etnias e suas peculiaridades. O país possui 817,9 mil indígenas, de 305 etnias e 274 línguas diferentes, conforme o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em entrevista à BBC Brasil, o escritor indígena Daniel Munduruku diz que a palavra “índio” denota preconceitos, manifesta a ideia de homem selvagem e do passado, além de não evidenciar a diversidade dos povos indígenas.

Talvez o 19 de abril devesse ser chamado de Dia da Diversidade Indígena. As pessoas acham que é só uma questão de ser politicamente correto. Mas, para quem lida com palavra, sabe a força que a palavra tem.

A data controversa surgiu a partir do Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México, em 1940, e foi instituída em 1943, por meio de um decreto-lei do então presidente da república, Getúlio Vargas, sob influência do general Marechal Rondon, de origem indígena e criador do Serviço de Proteção ao Índio, em 1910, órgão que depois se tornaria a Fundação Nacional do Índio (Funai). À época, os indígenas, sob a tutela do Estado, não exerciam seus direitos. A partir de 1988, passam a ter direitos constitucionais e, com o Novo Código Civil (2002), obtêm capacidade civil reconhecida por legislação especial.

As pautas da agenda indígena enfatizam, ao longo da história, a demarcação de terras, a criminalização dos movimentos indígenas, as iniciativas legislativas anti-indígenas e a precarização de serviços básicos, como educação e saúde, o que tem sido motivo de preocupação no atual cenário de pandemia ocasionado pela COVID-19. Até a última segunda-feira (13), o novo coronavírus havia vitimado três indígenas e os recursos destinados para combater o avanço do vírus entre estas populações não havia sido usado para tal fim. No dia 2 de abril, a Funai recebeu mais de R$ 10 milhões em recursos emergenciais, mas apenas cerca de R$ 11 mil foram utilizados.

Destaca-se o processo de enfraquecimento da Funai e a descaracterização das políticas para as populações indígenas, que reflete perspectiva de integração à sociedade nacional, cortes no orçamento anual e transferência para o Ministério da Agricultura, em dezembro de 2019, das tarefas de identificação e demarcação de terras indígenas, até então exercidas pelo órgão, vinculado ao Ministério da Justiça. De acordo com a Funai – atualmente ligada ao Ministério das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos – total de 128 processos de demarcação está em andamento, envolvendo terras que abrigam mais de 120.000 indígenas de diversas etnias. O Brasil possui 462 terras indígenas, o que equivale a 12,2% do território nacional, mas apenas 8% estão regularizadas.

“O desmanche já começou. A Funai não é mais responsável pela identificação, delimitação, demarcação e registro de Terras Indígenas. Saiu hoje no Diário oficial da União. Alguém ainda tem dúvidas das promessas de exclusão da campanha??”, escreveu na rede social Twitter a liderança indígena Sônia Guajajara que participa hoje (17), às 18h, da live “Covid-10 e Povos Índígenas”, com Manuela d´Àvila (PCdoB).

Desde o início da pandemia, as invasões em terras indígenas na Amazônia aumentaram. Os alertas de desmatamento subiram 29,9% em março deste ano, comparados ao mesmo período de 2019. Reportagem da Agencia Pública aponta a assistência precária do governo e a pressão da crescente onda de invasões dos territórios indígenas: “O vaivém descontrolado de pessoas nos garimpos ilegais, segundo as entidades indigenistas ouvidas, é atualmente o grande desafio dos profissionais de saúde e das lideranças que lutam para evitar o contato”.

O progressivo enfraquecimento do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) agrava a situação, o que vem sendo denunciado pelos servidores da pasta. Em documento publicado em 15 de março, a Associação dos Servidores do Meio Ambiente (Ascemai) afirma que o desmonte da fiscalização acentua o avanço da doença entre os povos.

A exploração econômica pelas atividades mineradora e agropecuária em terras indígenas é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro que assinou, em 5 de fevereiro, projeto de lei, encaminhado ao Congresso, autorizando a prática, em sua maioria, na Amazônia.

Previsto na Constituição Federal, o respeito aos costumes tradicionais dos indígenas também ocupou o centro dos debates, após o óbito de um jovem de yanomami, enterrado em Boa Vista (RO), no dia 9 de abril. Sem o necessário diálogo com os povos indígenas, os protocolos sanitários do governo contrariaram a cultura tradicional que prevê rituais funerários nas aldeias.

Uma vez que as doenças de origem respiratória consistem na principal causa de morte entre essas populações, a falta de políticas públicas de enfrentamento à pandemia pode causar a morte massiva em comunidades indígenas. Segundo a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Sofia Mendonça, os modos de vida de povos que compartilham utensílios e moram em habitações com muitas pessoas acendem o alerta para o maior contágio de doenças infecciosas.

Os povos indígenas padecem com a exploração ilegal de terras por grandes fazendeiros, madeireiras e garimpos e, nesse contexto, o contato com a população não-indígena é danoso porque instaura o conflito e desorganiza as relações socioculturais. Como afirma a pesquisadora, além do risco de dizimar populações, as perdas impactam a diversidade cultural.

“Todos adoecem, e você perde todos os velhos, sua sabedoria e organização social. Fica um buraco nas aldeias”.

Para saber mais:

Com dados do censo de 2010, o IBGE em parceria com a Funai, lançou o especial “O Brasil Indígena”, um trabalho que sintetiza informações acerca da diversidade da população indígena, seus povos ou etnias, línguas indígenas faladas, através de tabelas, gráficos, mapas e fotos – acesse o folder eletrônico com os dados e os mapas.

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