Divulgação

NOTÍCIAS

8 de março: vamos debater a sub-representação da mulher no cinema?

Anora, a exploração capitalista e a persistência do olhar masculino

Por Ana Carolina Lima e Rubia Padilha Lima

 

Ao contrário de Uma Linda Mulher (1990), filme estrelado por Julia Roberts e dirigido por Garry Marshall, Anora (2024), de Sean Baker e protagonizado por Mikey Madison, ganhador dos Oscar de Melhor Filme, Melhor Atriz e Melhor Direção, apresenta uma narrativa que, embora traga elementos de conto de fadas, aborda como o sistema capitalista não abre espaço para finais felizes.

Duas dimensões um tanto diferentes emergem do filme, ambas em diálogo com a questão do lugar social e das representações sobre a mulher.

Uma primeira dimensão refere-se aos inúmeros debates feministas. No artigo “Feminismos e cinema: crítica à representação da mulher”, a autora Leilane Gruba cita que a maioria das obras literárias sobre a representação da mulher no cinema concentra-se no cinema hollywoodiano, sendo as maiores críticas voltadas para: “(a) a objetificação da mulher e dominação masculina; (b) a construção da mulher como o outro da narrativa, sexualizada e sujeita à contemplação masculina; e (c) a construção da heterossexualidade, centrada em torno do desejo romântico heterossexual como eixo norteador das narrativas.” (Grubba, 2021)

Tais afirmações vão ao encontro das críticas recentemente feitas ao filme. Baker é conhecido por jogar luz em histórias de grupos marginalizados, o que rendeu a ele muitos elogios na construção de um filme em que é retratado o mundo da prostituição. No filme Anora, a protagonista Ani, uma jovem stripper conhece o filho de um milionário russo na boate onde trabalha, e a trama se desenrola a partir do romance do casal. Se por um lado Anora foi aclamado pela Academia hollywoodiana, por outro, recebeu críticas pertinentes em relação à representação, ou melhor, a sub-representação da mulher no cinema.

No filme, a história de Ani é narrada a partir dos olhares de dois homens: Vanya (o jovem milionário) e Igor (o capanga da família do rapaz), sendo esses dois homens os possíveis salvadores da ‘protagonista’. Dessa forma, a personagem se desenvolve a partir da visão de terceiros, inclusive nas cenas sensuais e de nudez que abrem a obra cinematográfica.

Alysson Oliveira e Patrícia de Aquino, no artigo intitulado “É preciso salvar Anora de seu criador“, apontam que, para além das cenas de nudez que parecem construídas apenas a partir de um olhar masculino, mais problemático “é a maneira como [o filme] perpetua a ideia de que a protagonista precisa ser escolhida em casamento e salva da prostituição. A vantagem é um reconhecimento identitário: ao ser escolhida, a mulher passa a ter valor, a existir, e a cumprir sua verdadeira função social.”

Já a cineasta Cibele Amaral foi mais ácida nas críticas ao filme pontuando que “as mulheres que aparecem no filme são: as ingênuas prostitutas em busca do príncipe encantado, a prostituta “recalcada” que disputa o macho da Anora e a bruxa velha mãe do príncipe (que vira sapo), a madrasta malvada dos contos de fadas, a velha que não quer a felicidade da novinha. E ponto. Acabou aí. Não tem outros papéis femininos. Não tem uma mentora, uma cientista, uma guarda costas, uma gangster. Não tem nada além do clichê.”

Por outro lado, a protagonista pode ser vista não apenas como uma jovem ingênua em busca do amor, mas uma mulher trabalhadora. Uma mulher que busca por meio de um relacionamento promissor a tão sonhada mudança de vida, ou seja, uma oportunidade de progredir socialmente, e a objetificação de seu corpo busca justamente ilustrar sua realidade. Fora da boate onde trabalha, ela é apenas mais uma entre tantos trabalhadores que enfrentam longas jornadas e deslocamentos, evidenciando que, no capitalismo, todos vendem seu tempo – e, em alguns casos, seus corpos – para sobreviver.

No entanto, ainda que Anora seja consciente de sua realidade e de suas tomadas de decisão, o filme reforça o fraco protagonismo de personagens femininas, muitas vezes hipersexualizadas ou reduzidas a interesses masculinos, validando a ideia de que suas histórias ascendem a partir dos homens. Mesmo quando são apresentadas como fortes ou independentes, frequentemente suas trajetórias são moldadas para agradar ao olhar masculino, um fenômeno conhecido como “male gaze[1]“.

Embora o filme traga um olhar realista sobre a ausência de finais felizes para certas personagens dentro do sistema capitalista, ele não rompe totalmente com as representações convencionais do feminino no cinema. Ao fim, Anora se equilibra entre a crítica e a reafirmação de um modelo narrativo que, frequentemente, coloca as mulheres como peças em histórias que giram em torno dos desejos masculinos.

Apesar dos avanços trazidos por movimentos feministas, Hollywood ainda enfrenta o desafio de romper com essa estrutura e criar representações mais diversas e realistas das mulheres no cinema. Mas, como citou Meryl Streep, “Homens têm dificuldade para entender personagens femininas“.

Nesse 8 de março de 2025, assistir e debater Anora, pode nos ajudar a fazer avançar as lutas  históricas pelos direitos das mulheres e pela defesa da diversidade cultural.

___

[1] ‘Male gaze’ (olhar masculino) é o ato de retratar as mulheres no mundo, nas artes visuais e na literatura a partir de uma perspectiva heterossexual masculina, ou seja, que apresenta e representa a figura da mulher como objeto sexual para o prazer do espectador homem.

___

Referência:

Grubba, Leilane Serratine. “Feminismos e Cinema: Crítica à Representação Da Mulher.” Antares: Letras e Humanidades, 2021. v13.n31.10. Disponível em: https://www.academia.edu/65729910/Feminismos_e_cinema_cr%C3%ADtica_%C3%A0_representa%C3%A7%C3%A3o_da_mulher. Acesso em 05. mar. 2025.

Deixe aqui o seu comentario

Todos os campos devem ser preenchidos. Seu e-mail não será publicado.

1 Comentário para “8 de março: vamos debater a sub-representação da mulher no cinema?”

  1. Avatar Neto disse:

    Ótima resenha sobre a representação da mulher no filme!

ACONTECE

Chamada para publicação – Boletim 101, N. 01/2024

CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO – Boletim 101, nº 01/2024 Cultura Viva: 20 anos de uma política de base comunitária  Período para submissão: 13 de março a 23 de junho de 2024   A Revista Boletim Observatório da Diversidade Cultural propõe, para sua 101ª edição, uma reflexão sobre a trajetória de 20 anos do Programa Cultura Viva […]

CURSOS E OFICINAS

Gestão Cultural para Lideranças Comunitárias – Online

O Observatório da Diversidade Cultural, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, patrocínio do Instituto Unimed, realiza o ciclo de formação GESTÃO CULTURAL PARA LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS. Período de realização: 10, 17 e 24 de outubro de 2024 Horário: Encontros online às quintas-feiras, de 19 às 21h00 Carga horária total: 6 […]

Mais cursos