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Participação e Interesses do MinC na Convenção para a Diversidade Cultural

Inauguro esta coluna no site do Observatório da Diversidade Cultura trazendo um pouco da minha pesquisa sobre a participação do Ministério da Cultura – MinC – na criação e aprovação da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais, da UNESCO. No processo de negociação para criação e aprovação desta Convenção é destacada a ativa participação do Brasil e é isso que veremos aqui.

O país preparou-se internamente, reunindo os ministérios da Cultura e das Relações Exteriores num Grupo de Trabalho que estudou e articulou uma posição a ser levada aos encontros intergovernamentais, ocorridos na UNESCO. Durante essas reuniões, o Brasil compôs o Comitê de Redação, sugeriu metodologias de trabalho e se articulou com outras nações em desenvolvimento.

Segundo relatos dos gestores do MinC, o posicionamento do Brasil em favor da Convenção exerceu forte influência nos países africanos e latinos. Esse peso político do país na arena internacional estava respaldado por um trabalho anterior de análise feito pelo GT, bem como pela participação ativa durante as reuniões. Um adicional para esta relevância do Brasil foi a presença do artista mundialmente reconhecido, Gilberto Gil, como ministro de cultura. O próprio Gil em entrevista afirmou que, “sem dúvida o ministro-artista tinha um papel incrível nessa história toda”. Essa posição do Brasil frente às demais nações e também em articulação com o grupo de países formado pela União Européia e Canadá, auxiliou no desequilíbrio da disputa com os Estados Unidos durante essas reuniões, logrando a aprovação do texto.

Países que têm em seu território uma diversidade de expressões culturais perceberam que essa era uma oportunidade para avançar na era global. Trazendo um enfoque diferenciado acerca da Convenção, com relação à defesa dos direitos das minorias e das populações tradicionais o Brasil parece ter surgido com o discurso certo para convencer nações que estariam no mesmo patamar de desenvolvimento que o seu.

Assim, em sua estratégia de negociação, o Brasil trouxe para cena seus principais interesses em relação à Convenção, privilegiando alguns aspectos do texto, a saber:

a) O direito dos Estados de proteger e promover a diversidade de seus conteúdos e suas expressões culturais;
b) A afirmação da especificidade dos bens e serviços culturais e;
c) O princípio de que as políticas culturais na esfera internacional devem favorecer o fortalecimento da economia da cultura dos países em desenvolvimento por meio de maior isenção no mercado internacional.

Com relação à defesa dos princípios da autonomia dos Estados na elaboração de suas políticas culturais, cabe lembrar que o MinC, desde o princípio da gestão Lula / Gil, em 2003, definiu o Estado como ente promotor e estimulador do desenvolvimento cultural da sociedade. A partir de políticas públicas de cultura o Estado consegue criar condições de acesso, produção, difusão, preservação e livre circulação; regular as economias da cultura para evitar monopólios, exclusões e ações predatórias; bem como consegue democratizar o acesso aos bens e serviços culturais. Além desse argumento em favor das políticas culturais, com a aprovação da Convenção o MinC teria respaldo político de peso internacional às ações e reformas implementadas nessa gestão.

Também era de interesse do Brasil, bem como para outras nações, o reconhecimento da especificidade dos bens e serviços culturais. Isto daria uma segurança jurídica para formulação de novas políticas relativas ao desenvolvimento da economia do setor cultural, inclusive no que se refere aos direitos autorais.

Uma visão ampliada da cultura não poderia estar separada do potencial de geração de riqueza e de empregos apresentado pelo setor. Desse modo, convinha também ao Brasil reivindicar o estabelecimento de um terreno no qual a cooperação internacional ajudasse a construir um cenário de trocas culturais em mercados mais equilibrados.

A homogeneização e a padronização da produção cultural, que está na raiz da questão da luta pela defesa da diversidade cultural, vêem-se confrontadas pela nova Convenção, na medida em que se reconhece a necessidade de fortalecer e estimular a emergência de indústrias culturais nacionais, bem como a difusão da diversidade nos meios de comunicação, o livre intercâmbio e a circulação de ideias e expressões culturais. Este aspecto da Convenção é de particular interesse das potências culturais emergentes, como o Brasil.

Por fim, pode-se afirmar que, com a Convenção aprovada, o Brasil obteve o êxito esperado. No entanto, para atingir plenamente os interesses que motivaram o país a defendê-la, a ratificação do texto é apenas o primeiro passo. A Convenção traz novos desafios ao MinC, tanto com relação à continuidade e desenvolvimento das ações relativas à dimensão identitária da cultura como, sobretudo, na promoção de políticas referentes à dimensão econômica da diversidade cultural. Resta-nos, enquanto sociedade civil, acompanhar e cobrar do Ministério uma atuação efetiva em prol da proteção e promoção da diversidade cultural.

*Giuliana Kauark é Mestre em Cultura e Sociedade (UFBA, 2009) e membro do Fórum Mundial U40 para a Diversidade Cultural. Atualmente é Diretora de Espaços Culturais da Fundação Cultural do Estado da Bahia e professora do curso de especialização EAD em Gestão Cultural do SENAC Bahia.

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