Sheilla Piancó[1]
A Lei 13.019/14 que estabelece o marco legal do Terceiro Setor regulamentando o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, entrou em vigor em julho de 2014 e com ela várias questões vieram à tona, em especial os critérios para que essas parcerias sejam firmadas.
É inegável o papel do Terceiro Setor para melhoria do funcionamento do Estado, para garantir a defesa dos direitos e principalmenteparadar maior garantia àdiversidade cultural no país, uma vez que a sociedade civil organizada tem o objetivo de auxiliar o poder público em questões de cunho social, de interesse ou necessidade da sociedade.
Fato é que a sociedade civil organizada possui mais legitimidade para propor e fiscalizar o trabalho do Poder Público, em especial o Executivo, podendo também trabalhar em parceria com o mesmo para atender ao interesse público, em demandas que os governos nas três esferas não conseguem alcançar.
Porém, ao mesmo tempo que essas organizações são fundamentais para o funcionamento da máquina estatal, elas também podem causar mais facilmente desvios de verbas do erário, uma vez que a sua criação e administração são tratadas do ponto de vista do Direito Privado e não do Direito Público, sendo por isso instituições menos burocráticas. Essa facilidade de fato causou diversos prejuízos aos cofres públicos e,a cada dia que passa, um novo escândalo envolvendo uma instituição do Terceiro Setor aparece na mídia.
A questão é que, até então, essa relação entre Poder Público e Terceiro Setor era regida por meio de decretos, portarias e instruções normativas, ou seja, instrumentos jurídicos frágeis e controlados exclusivamente pelo Poder Executivo.Visando minimizar essa situação, surge a Lei 13019/14 que traz nuances que regulamentam essa relação tão delicada entre o Poder Público e a Sociedade Civil Organizada.
Segundo a nova legislação em vigor, Lei 13019/2014, a organização da sociedade civil é definida como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que não distribui – entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores – eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio,devendo aplicar os recursos integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva.
O objetivo do legislador foi, dentre outras finalidades, evitar desvio de verbas ou má gestão de recursos públicos.E para tal prevê mais fiscalização por parte do poder público, maior qualificação dos gestores e maior transparência do processo.
Acontece que esse forte controle por parte do Estado para uns soa como intervenção no sentido de “macular” as características privadas das instituições, e para outros aumenta a credibilidade e evita, ou pelo menos minimiza, desvios de recursos. A questão é mesmo bem polêmica.
Dentre as mudanças previstas destaca-se: a exigência de um processo de chamamento público (processo seletivo) obrigatório antes da assinatura do contrato; exigência de no mínimo três anos de existência e de experiência das entidades para assinatura de convênios e contratos; ficha limpa tanto para as organizações quanto para os seus dirigentes; e a mão de obra poderá ser assalariada (como permitia a lei das OSCIPs).
Cabe destacar ainda que a legislação prevê uma pesquisa de satisfação junto aos beneficiários diretos do projeto para verificar não apenas a aplicação dos recursos, mas a sua aceitação e seu êxito. Além disso, a nova legislação prevê regras mais rígidas na seleção das entidades e um sistema de prestação de contas diferenciado por volume de recursos repassados.
A legislação buscou trazer definições e conceitos antes ausentes na lei brasileira. Apresenta expressamente quais são os princípios do terceiro setor, afirma que o Poder Público será responsável por capacitar as entidades para garantir capacidade técnica operacional e, por fim, a lei apresenta pontos importantes no que se refere aos requisitos de um plano de trabalho, de como deverão se dar as contratações da entidade, define também quais são as despesas que podem ser realizadas com recursos públicos, cria regras de monitoramento e avaliação, dentre outras várias mudanças.
Ocorre que essa legislação ainda não se encontra em vigor e, pela segunda vez, sua vigência é adiada. A previsão inicial era para começar em novembro de 2014, depois a lei 13.102/15 adiou para agosto de 2015 e agora a MP 684/15 adiou novamente para fevereiro de 2016. A justificativa para o adiamento da vigência da lei é que as mudanças são profundas e complexas, e que tanto as entidades quanto o Poder Públicoprecisam se adequar às mesmas, em especial os municípios.
A MP 684/15 prevê ainda que qualquer parceria firmada por prazo indeterminado, já existente no momento de entrada em vigor da lei, deverá ser providenciadaa rescisão ou a repactuação, em um prazo máximo de até um ano, com a finalidade de adaptá-las à nova norma.Antes a lei anterior estabelecia que a alteração fosse restrita para parcerias firmadas antes da promulgação da lei, ou seja, em agosto de 2014. Com isso, parcerias firmadas até fevereiro de 2016 podem ter mais um ano (fevereiro de 2017) para se adaptar à nova legislação.
Assim, a consequência dessa Medida Provisória para as instituições é não apenas um novo prazo para a adaptação ao novo processo, mas principalmente o respiro em relação a algumas instituições que se encontram atualmente com convênios e contratos firmados, que ganharam a garantia de permanência do anteriormente pactuado até fevereiro de 2017. Esse prazo é essencial para garantir às instituições um período para planejar as atividades de acordo com o novo marco legal.
Dessa forma, não apenas a medida provisória, mas o próprio marco legislativo implantado gera um impacto direto na gestão da diversidade, uma vez que esta é realizada por meio de organizações do terceiro setor. A rigidez ou a flexibilização do acesso a recursos públicos que fomentam atividades que visam resguardar o direito à diversidade podem ampliar ou reduzir o número de ações afirmativas, impactando assim no controle e combate a qualquer tipo de práticas discriminatórias.
[1]Advogada, Consultora e Gestora Social e Cultural atuante no Terceiro Setor
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