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Os atentados terroristas de novembro de 2015 e a diversidade cultural

Foto: AP Photo / Frank Augstein

Foto: AP Photo / Frank Augstein

Giuliana Kauark[1]

Renata Melo[2]

Sexta-feira 13. Para os supersticiosos, sinal de infortúnio, de que algum acontecimento infeliz pode suceder a alguém. Para os descrentes, um dia como outro qualquer. Para nós, neste momento, a lembrança de um dia como outro qualquer quando um acontecimento mais que infeliz se sucedeu.Foi na sexta-feira 13 do mês de novembro que atentados terroristas,assumidos pelo Estado Islâmico, também conhecido pelas siglas EI (em português) e ISIS (em inglês), ocorreram de forma simultânea em diferentes pontos de Paris e de Saint-Denis, matando 130 pessoas e deixando mais de 350 feridos.

Inúmeras hashtags, charges, artigos e opiniões pulularam rápida e intensamente nos jornais da grande mídia, nas redes sociais e nos demais meios de comunicação. Passadas algumas semanas, o assunto,já fora da pauta internacional, não deixa de ser tema nas rodas de conversa não só de quem vive em Paris.Percebe-se que vira e mexe ainda está se falando sobre isso. Nesse sentido, enquanto pesquisadoras associadas ao Observatório da Diversidade Cultural, nos toca relacionar tais fatos com a cultura e com a diversidade cultural.

Por nos faltar certo distanciamento em relação ao objeto de análise, seguiremos por um caminho simples: Quais as expressões culturais que podem ser relacionadas aos atentados? No Bataclan acontecia um show de rock; nos restaurantes que sofreram os ataques, pessoas comiam, bebiam e conversavam – nas mais diversas línguas já que foram identificadas vítimas de mais de 20 países –; no momento do ataque foram pronunciadas supostas louvações a Alá.

Em todo o mundo shows de rock continuam enervando ou aliviando corações. Em todo o mundo pessoas continuam a se confraternizar. Em todo o mundo as línguas continuam sendo faladas e continuamente renovadas por seus praticantes. Em todo o mundo Maomé, Oxalá, Jesus, Krishna, Alá, continua sendo grande. Nenhuma dessas manifestações culturais foi realmente afetada. A diversidade cultural venceu?

Antes de responder a esta pergunta devemos ter certeza de que a cultura era alvo dos referidos atentados. Vamos falar sobre nossa apreensão (mais prática que teórica) de um atentado terrorista.Um atentado terrorista não é a mesma coisa que violência cotidiana. Ele tem aspectos bem diferentes. O primeiro deles é, justamente, não fazer parte do cotidiano, pelo contrário, ser uma situaçãoeventual. Uma situação ocorrida diariamente passa despercebida, entra na rotina, em contrapartida, um evento que acontece em momentos específicos, causa uma repercussão muito maior ao desviar a atenção das pessoas para aquela novidade.Além deste aspecto eventual, um atentado terrorista é um evento não anunciado. E este caráter de surpresa é também uma ferramenta que amplia o seu impacto. Imaginem se, sem ninguém esperar, começa um grande show daquele artista que milhões de pessoas amam e que nunca vem ao Brasil, numa praça qualquer de uma de nossas cidades? Pensem o frisson queisso causaria na mídia, nas redes sociais e na vida das pessoas que conseguiram ir (porque passaram por ali naquela hora!) e na vida daquelas que, apesar de morarem ou trabalharem ou passarem por aquela praça todo dia, não conseguiram ir. Além de eventual e inusitado, um atentado terrorista é, de certo modo, aleatório.

O que chamamos de aleatório não tem nada a ver com o fato de a escolha não ter nenhuma motivação cultural ou política. Não é isso. É óbvio que a escolha do local dos atentados não é por sorteio, pois sabemos que tais atentados se devem a questões de ordem eminentemente política.No entanto, o fato dos atentados terem ocorrido no Bataclan, nosrestaurantes Le Carrillon e no La Belle Equipe – que em si não tem nada que os diferencie de outras casas de shows ou restaurantes –denota que os fatídicos episódios poderiam ter ocorrido em qualquer outro lugar, inclusive num desses três bares ou no teatro da sua rua (se você mora em Paris). E é isso que causa o verdadeiro terror. O fato de ter sido naquele lugar que você, pessoa comum, que nenhuma das autoridades internacionais conhece, que nunca antes fez sequer um postcontra o EI, frequenta, frequentou ou frequentaria.

A aleatoriedade na escolha dos locais atingidos pode dar uma conotação à priori de “vazio de sentido”.Entretanto, ao contrário disso, acreditamos que os terroristas almejam dar aos atentados um caráter simbólico, deixar na população e nos governantes, a marca da destruição e do rancor decorrentes das muitas décadas de exploração de seu território e de desrespeito contra seus povos, culturas e religiões. Os atentados nãosão ocos de sentido para quem os pratica.

Afirmar isso, todavia, não pode nos levar a ratificar as alardeadas teses de “choque de civilizações” e “guerra religiosa”, que pretensamente justificamos conflitos. Por outro turno, mesmo acreditando na potencialidade do cultivo do“respeito entre povos” e do “diálogo intercultural”, tampouco podemos esperar por resoluções como passes de mágica. A intolerância entre oprimidos e opressores deve ceder lugar ao diálogo e à convivência, isto é fato, mas é preciso reconhecer que os interesses políticos e econômicos são os reais promotores de tais conflitos e seus ouvidos são moucos e seus olhos cegos para o que a diversidade cultural tem a dizer ou demonstrar.

A cultura não venceu não porque ela não seja um dos alvos. Pelo contrário, junto às notícias dos atentados, muitas outras denunciavam o quão lesadas e ameaçadas estão as expressões culturais dos países onde se instalaram grupos terroristas como o EI.Mas, não podemos afirmar que a cultura venceu simplesmente porque não podemos reduzir o terrorismo a uma forma de combate de visões de mundo polarizadas. Querer afirmar isso é querer tapar o sol com a peneira, é querer se salvar se escondendo debaixo da mesa.

[1] Pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultural. Doutoranda em Cultura e Sociedade na UFBA.

[2] Pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultural. Doutoranda em Cultura e Sociedade na UFBA.

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