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Pessoas vivendo com HIV no Brasil têm cor e lutam para sobreviver a um sistema genocida

Foto: Creative Commons.

A epidemia de HIV/aids atinge desproporcionalmente a população negra no Brasil, que tem 2,4 vezes mais probabilidade de morrer em decorrência aids do que uma pessoa branca. Uma das justificativas, segundo pesquisas, é que o preconceito e a discriminação aos negros, apesar da miscigenação brasileira, não acabou. Entre 2007 e 2015, 54,8% dos casos de HIV/aids registrados pelo Ministério da Saúde são entre pretos e pardos. A diferença é maior entre mulheres: 39,2% dos casos são entre brancas e 59,6% entre pretas e pardas.

Pensando nisso, o Mostra Todos os Gêneros, de Arte e Diversidade, do Itaú Cultural, reuniu, na noite dessa quinta-feira, em São Paulo, jovens soropositivos negros para debater HIV/aids e negritude. “A epidemia, mais do que um problema de saúde pública, precisa ser entendida como um recorte da realidade social. Não podemos mais negligenciar os recortes de gênero, raça e classe”, defendeu o ativista Carlos Henrique Oliveira, da Rede de Jovens São Paulo Positivo. “Estamos vivendo o pior momento da aids no Brasil. Mesmo com tantos avanços e acesso aos medicamentos, temos mais de 12 mil mortes por aids no país. Essas pessoas têm cor, são da periferia, estão encarceradas, são jovens negros LGBT e não acessam os serviços de saúde.”

Dados da ONU confirmam o desabado de Carlos. A população negra é a mais atingida pela desigualdade e pela violência no Brasil. Na saúde, os dados da Pesquisa Nacional de Saúde, em 2015, mostram que apesar de algumas ações do governo, o sistema público continua discriminando a população negra. De toda a população branca atendida no SUS, 9,5% saem da unidade hospitalar com o sentimento de discriminação. O percentual é maior entre pretos (11,9%) e pardos (11,4%), ambas nomenclaturas adotadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cuja soma representa a população negra.

Carlos contou ainda que na cidade de São Paulo a taxa de detecção de casos de aids entre negros é 1,5 vez maior que entre brancos. Entre mulheres pretas o número é 3,1 vezes maior do que entre mulheres brancas.

“Se todos esses dados atingissem a população branca, já teríamos a cura da aids”, afirmou a estudante Aline Ferreira, do coletivo Loka de Efavirenz e da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids.

A jovem aproveitou a fala para relembrar que nasceu com HIV e há muito tempo luta pela visibilidade da população negra nas discussões sobre o tema. Escritora, Aline leu um poema de sua autoria sobre corpos negros e aids. “A razão se utilizou da aids para criminalizar corpos negros e sexualidade dissidentes, e cunhou o conceito de vulnerabilidade para nos manter passivos. A razão nos fez refém da culpa, da camisinha, do coquetel .Porém, não trilhamos o caminho da razão. Nossas referências são outros. Nosso corre é outro”, diz um trecho do texto. (Leia mais)

A arte como instrumento político

O debate contou ainda com a presença da artista visual, Micaela Cyrino, e do dançarino Flip Couto, os dois são do Coletivo Amem. Emocionada, Micaela falou sobre a importância de debater o assunto em um espaço cultural. “A gente luta para existir todos os dias. Somos uma população sem visibilidade na construção de políticas públicas. Então, estamos ocupando espaços com as nossas artes e criando outras narrativas para falar sobre aids e negritude. Lutamos para que as informações cheguem para os nossos”, explicou a artista.

Ela continua: “O racismo nos mata todos os dias, é preciso reconhecer o abismo na epidemia entre brancos e pretos, o corpo negro vive a aids. Estamos falando de corpos encarcerados, corpos que não acessam os serviços de saúde. Nós, artistas negros com aids, não vivemos a arte, a cada performance vivemos a dor.”

Flip Couto seguiu a mesma linha de Micaela. “A nossa reinvindicação também é pelo direito a fala. Não seremos mais silenciados pela branquitude”, disse.

O dançarino contou que teve dificuldade de se colocar enquanto negro vivendo com aids, mas que foi libertador quando conseguiu falar abertamente sobre o assunto. “Sempre percebi muito silêncio nos espaços em que circulava, as vezes até encontrava outras ‘bichas pretas’, mas não falávamos sobre aids. O Coletivo Amem tem nos proporcionado ampliar o debate a partir da arte e expressão.”

O bate-papo durou mais de duas horas, teve a mediação do advogado Ozzy Cerqueira, da Abia. Antes da conversa, o público pode acompanhar e participar da performance Sangue, de Flip Couto. Ele propôs uma reflexão sobre o corpo negro, homoafetivo e soropositivo, tendo como ponto de partida os bailes black dos anos 1970, festas de bairros, reuniões familiares, entre outros.

Fonte: Agência Aids.

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