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Sobre encontros e diferenças

Afinal, somos mesmo um país de diversidade religiosa?

“Quando fui iniciada, eu tive que passar um período fora do meu terreiro. Uma das situações que eu passei foi quando uma professora tentou tirar o meu ojá (tecido branco que cobre os iniciados) para ver o que eu tinha na cabeça. Porém, o mais grave que aconteceu foi o fato de nem eu nem os meus colegas conseguirem dar aula na escola porque todos os dias tinha pelo menos 15 a 20 alunos fingindo que estavam recebendo santo. Eu deixei de ser a professora rasta pra ser a professora macumbeira.” A declaração é da professora Cristiane Santos e reflete a intolerância religiosa no país em relação aos cultos afrobrasileiros, produto do processo histórico de dominação dos povo negro.

Depois de sofrer discriminação quanto à sua opção religiosa, Cristiane adquiriu síndrome de pânico e diz que seu principal temor é regressar à escola. “Eu não consigo simplesmente voltar”, afirma. A intolerância religiosa afetou sua vida sob vários aspectos. “O salário que eu ganho não dá nem para pagar a psicanalista e, ainda assim, eu tô fora de folha porque acham que eu não tenho problema nenhum”, diz Cristiane.

Diversidade religiosa?

Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, divulgada em agosto deste ano, revela que, em 2003, total de 74% dos brasileiros se declaravam católicos. Em 2009, o número caiu para 68,4%. A redução foi maior entre jovens e mulheres. O número de evangélicos subiu de 17,9% para 20,2% e de pessoas que afirmam não ter religião cresceu de 5,1% para 6,7%.

À primeira vista, tem-se assim o retrato de um país de diversidade religiosa. Mas será que os números conferem com a realidade? Não é o que tem acontecido em escolas brasileiras, como mostra a situação de Cristiane, se compreendermos que a diversidade não corresponde à soma das diferenças, mas a situações favoráveis às trocas e influências recíprocas, baseadas no reconhecimento e respeito à alteridade.

Histórias que se passam no ambiente da escola, por princípio, espaço de respeito às diferenças, e que narram, no entanto, como discriminação e intolerância quanto à opção religiosa têm provocado desinteresse e afastamento de alunos e professores do ambiente escolar. Matéria do portal Terra relata que Fernando (nome fictício em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente), 13 anos, conversava com os amigos durante a aula de artes, “quando foi expulso da sala aos gritos de ‘demônio’ e ‘filho do capeta’.

Ainda segundo a matéria, o motivo de sua expulsão não era o desrespeito em relação à professora, nem o descumprimento de suas tarefas. A questão é que ele usava colares de contas por debaixo do uniforme, símbolos da sua religião, o candomblé. A professora, evangélica, proibiu o aluno de assistir às suas aulas e orientou os colegas para que não falassem mais com ele que, então, não quis mais freqüentar a escola, foi reprovado e teve que mudar de colégio.

A mãe de Fernando, Andrea Ramito, que trabalha como caixa em uma loja, conta que a auto estima do adolescente, hoje com 16 anos, ficou muito baixa. “O maior prejudicado foi ele que ficou muito revoltado e é assim até hoje”. Segundo a pesquisadora Denise Carrera, citada na matéria, há casos semelhantes de intolerância religiosa em escolas de pelo menos três estados – Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. A investigação será incluída em um relatório sobre educação e racismo no Brasil. “O que a gente observou é que a intolerância religiosa no Brasil se manifesta principalmente contra as pessoas vinculadas às religiões de matriz africana. Dessa forma, a gente entende que o problema está muito ligado ao desafio do enfrentamento do racismo, já que essas religiões historicamente foram demonizadas”, explica a pesquisadora ligada à Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil), que reúne movimentos e organizações da sociedade civil.

Para o professor Roberlei Panasiewicz (PUC Minas), a educação deve levar a sério a dimensão da diversidade cultural e, nesse contexto, o pluralismo religioso. “Não temos uma orientação pedagógica e uma referência religiosa únicas. Estar aberto e ter posturas críticas são fundamentais para pensar novos currículos e novas práticas escolares”. A educação, especialmente a escolar, possibilita a convivência com a pluralidade religiosa, enfatiza o professor.

“Podemos pensar em dois grandes desafios: educar para a tolerância e para a criatividade. Isto possibilita o educando formar-se para a liberdade e, mais, permite que a alteridade desponte. Aqui está a grande contribuição para o sujeito e para a sociedade. O respeito a si, ao outro e ao cosmos são fundamentais para emergir consciência e práticas éticas”, finaliza.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tolerância

A Declaração de Princípios sobre a Tolerâncias (Unesco, 1995) considera este ponto fundamental à convivência no mundo atual. “Vivemos uma época marcada pela mundialização da economia e pela aceleração da mobilidade, da comunicação, da integração e da interdependência, das migrações e dos deslocamentos de populações, da urbanização e da transformação das formas de organização social. Visto que inexiste uma única parte do mundo que não seja caracterizada pela diversidade, a intensificação da intolerância e dos confrontos constitui ameaça potencial para cada região. Não se trata de ameaça limitada a esse ou aquele país, mas de ameaça universal”, diz o artigo 3º da Declaração sobre as dimensões sociais da tolerância.

Confira aqui os artigos 1º e 4º, que tratam, respectivamente, sobre o Significado da tolerância e Educação.

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