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Que a juventude não seja só uma unanimidade

Nelson Rodrigues, em suas crônicas politicamente incorretas, vivia incomodando. Afinal, como gostava de afirmar sempre: toda unanimidade é burra! Um dos que sofriam seus ataques literários era D. Hélder Câmara, uma das vozes importantes de resistência ao regime militar. Acontece que o religioso cearense era solidário com a fome na África. Ao que Nelson aconselhava inconformado: olhe para as criancinhas famintas do Nordeste!

Outra coisa que deixava o escritor enfurecido era a apologia que se fazia à juventude. Por todos os cantos havia um clamor pelos jovens, um apelo para que eles garantissem que o país fosse, de fato, o do futuro! Nelson tripudiava desse ôba-ôba em torno da força juvenil. Talvez já percebesse o processo de juvenilização que assola o mundo contemporâneo.

Todos querem ser jovens nos dias correntes. A juventude deixou de ser apenas uma palavra, como diria Bourdieu, e se tornou uma imposição para toda a sociedade, um modo de vida a ser compartilhados por todos os cidadãos independente da faixa etária ou social, do gênero, da etnia, da religião. Uma unanimidade. A sociedade de consumo, por meio de seu porta-voz que é a grande mídia, nos bombardeia à exaustão com o tipo-ideal que devemos chegar o mais próximo possível: homens e mulheres com carros e roupas esportistas, eternamente prontos para as baladas.

No início de setembro, o XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, mais conhecido como Intercom, aconteceu em Caxias do Sul. O maior encontro acadêmico de comunicação do país, que reuniu milhares de pessoas, muitos deles jovens estudantes de graduação e pós, teve como tema este ano “Comunicação, cultura e juventude”.

Foram diversas mesas-redondas, conferências, apresentações de pesquisas tratando da questão que merece mesmo olhares críticos, em especial daqueles que se detêm sobre os processos comunicacionais, pois é aí, quando os jovens tentam experimentar de forma cidadã as possibilidades da mídia, que eles são capturados pelo discursos e projetos protagonistas.

Essa é outra unanimidade perversa da atualidade: a noção de protagonismo. Voltado prioritariamente para os jovens das classes subalternas, aparentemente o protagonismo chama estes jovens para a esfera da política, mas de uma política asséptica, sem luta, sem disputa de poder, transformada em cenário, onde atuam como “ator social”.

Nesse cenário, o discurso do protagonismo prescreve ao jovem a atuação individual e que serve para integrá-lo. E isso se dá, especialmente, pela fabricação do consenso. A atividade que se coloca para o jovem é a de fazer coisas, em especial através do trabalho voluntário. O fazer coisas ocupa o lugar da cidadania, com ela se confunde e oferece uma alternativa saudável de participação juvenil – aqui não há protesto, mas conformidade à regra. Não há também criação, mas criatividade na execução de projetos em busca de soluções para problemas, assim o conflito é omitido pelo consenso.

Fazem parte do universo semântico do protagonismo juvenil palavras de arrepiar: empoderamento, empreendedorismo, capital social, empregabilidade etc etc etc – todas tiradas dos manuais norte-americanos de gestão de pessoas e apropriadas à valorização do mercado, do individualismo e da lógica da concorrência.

Muito das experiências de ONGs e governos que envolvem “jovens comunicadores” baseia-se nessa vontade de transformar esse jovem pobre, marginalizado, subalternizado, em um protagonista de si mesmo, um empreendedor. Muitas vezes, com boa vontade e até com um intuito crítico, apesar de não atentar para a origem destas noções. Mas, no mais das vezes, o objetivo é mesmo o de capitalizar socialmente esse jovem para que assim possa se desenvolver, ou seja, entrar de vez na sociedade de consumo e se transformar em um cidadão-consumidor. Em uma unanimidade burra!

SUGESTÕES DE LEITURA
Bourdieu, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983.
Sousa, Regina Magalhães de. O discurso do protagonismo juvenil. São Paulo, Paulus, 2008.

*Alexandre Barbalho é Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e professor dos PPgs em Políticas Públicas da UECE e em Comunicação da UFC onde pesquisa sobre políticas culturais e de comunicação e sobre cultura das minorias. Autor e organizador de inúmeros livros entre os quais: Relações entre Estado e cultura no Brasil (1998); Comunicação e cultura das minorias (organizado junto com Raquel Paiva – 2005); Políticas culturais no Brasil (organizado junto com Albino Rubim – 2007) e Brasil, brasis: identidades cultura e mídia (2008).

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