COLUNAS

Pol铆tica cultural que n茫o cabe em edital: reflex玫es sobre o II Encontro Nacional de Gestores de Cultura

Foto: Marcelo聽Camineiro

Por聽Gabriel Portela

Formular e executar pol铆ticas culturais no Brasil 茅 uma tarefa complexa. Exige articula莽茫o entre m煤ltiplos entes federativos, dom铆nio t茅cnico, sensibilidade territorial e, principalmente, vis茫o estrat茅gica. A gest茫o cultural opera em um campo de tens玫es: entre o simb贸lico e o institucional, a criatividade e a burocracia, o art铆stico e o jur铆dico. Reconhecer essa complexidade 茅 fundamental para buscar caminhos que consolidem a cultura como um importante campo das pol铆ticas p煤blicas no pa铆s.

Por isso, encontros como o II Encontro Nacional de Gestores de Cultura, realizado em abril em Jo茫o Pessoa – PB, s茫o mais do que eventos: s茫o marcos. Realizado pelo F贸rum Nacional de Secret谩rios e Dirigentes Estaduais de Cultura, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura da Para铆ba, o encontro reuniu 2.000 participantes de todo o pa铆s, mais de 100 convidados e 20 atividades. Um marco n茫o apenas pela dimens茫o do evento, mas pela relev芒ncia dos temas discutidos diante da urg锚ncia de avan莽armos, a partir do pacto federativo, para um novo ciclo de pol铆ticas culturais no Brasil.

A exist锚ncia de instrumentos como a Lei Paulo Gustavo e a Pol铆tica Nacional Aldir Blanc representa um avan莽o importante na descentraliza莽茫o de recursos para estados e munic铆pios. No entanto, a simples distribui莽茫o de verbas n茫o garante, por si s贸, pol铆ticas p煤blicas consistentes. Sem diretrizes claras, pactuadas entre o governo federal, estados e munic铆pios, corremos o risco de converter esses recursos fundamentais em um conjunto disperso de editais, sem continuidade nem impacto estruturante. E foi justamente nesse contexto que o II Encontro apresentou o tema Pacto pela Cultura 鈥 um novo ciclo para as pol铆ticas culturais no Brasil.

Um dos pontos centrais discutidos foi o ambiente legal da gest茫o cultural, ainda atravessado por tens玫es entre burocracia e finalidade p煤blica, lacunas normativas e interpreta莽玫es ainda n茫o alinhadas aos novos marcos legais da cultura. Temas como o Marco Regulat贸rio das Organiza莽玫es da Sociedade Civil – MROSC (Lei n潞 13.019/2014) e o Marco Regulat贸rio do Fomento 脿 Cultura (Lei n潞 14.903/2024) estiveram em pauta, ao lado de discuss玫es urgentes sobre os potenciais impactos da Reforma Tribut谩ria nas leis de incentivo 脿 cultura em todo o pa铆s. Para al茅m do debate conceitual, o encontro tem谩tico sobre direito administrativo na cultura reuniu advogados p煤blicos, gestores e pesquisadores com o objetivo de consolidar uma rede capaz de refletir 鈥 com profundidade e continuidade 鈥 os limites e possibilidades da atua莽茫o jur铆dica na cultura. Um passo necess谩rio para qualificar a gest茫o cultural brasileira.

A pauta da forma莽茫o de gestores p煤blicos de cultura apareceu no Encontro com a urg锚ncia que o momento exige. Em uma atividade que reuniu mais de 100 pesquisadoras, pesquisadores e profissionais da 谩rea, foi refor莽ado um alerta j谩 conhecido, mas que precisa ser levado a s茅rio: os recursos descentralizados pela PNAB s茫o uma conquista hist贸rica, mas, sem estrutura e qualifica莽茫o nos mais de 5 mil munic铆pios brasileiros, corremos o risco de transformar oportunidade em frustra莽茫o.

N茫o basta haver dinheiro dispon铆vel. 脡 preciso garantir que existam equipes t茅cnicas preparadas e institui莽玫es minimamente estruturadas. Um programa nacional de forma莽茫o de gestores deixou de ser uma proposta desej谩vel 鈥 tornou-se uma condi莽茫o necess谩ria para que a pol铆tica cultural descentralizada funcione com efici锚ncia, impacto e continuidade.

Outro eixo estrat茅gico que atravessou o Encontro foi o do poder dos dados e indicadores para as pol铆ticas culturais. Paineis e oficinas apresentaram experi锚ncias consistentes em curso, vindas de diferentes estados e institui莽玫es, que demonstram como a cultura pode 鈥 e deve 鈥 ser avaliada com base em evid锚ncias. No entanto, tamb茅m ficou evidente que ainda h谩 grandes lacunas a superar. Faltam metodologias compartilhadas, bases de dados adequadas, crit茅rios claros de avalia莽茫o e, especialmente, instrumentos robustos e padronizados de an谩lise de impacto econ么mico e social.

A cultura precisa mostrar, com n煤meros e evid锚ncias, aquilo que j谩 sabemos de forma emp铆rica: que ela transforma realidades, movimenta economias e fortalece comunidades. Investir na cultura de dados e na qualifica莽茫o das equipes 茅, portanto, uma tarefa pol铆tica e estruturante 鈥 n茫o t茅cnica ou acess贸ria.

Por fim, um debate que me parece inadi谩vel: o esgotamento do modelo centrado quase exclusivamente nos editais como forma de pol铆tica cultural. Embora os editais sejam instrumentos republicanos, transparentes e fundamentais para garantir acesso democr谩tico a recursos, eles se tornaram, especialmente com a chegada das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, quase sin么nimo de pol铆tica cultural em muitas localidades do pa铆s.

脡 preciso ir al茅m do fomento pontual. A cultura precisa de continuidade, de pol铆ticas integradas que dialoguem com a educa莽茫o, as artes, o patrim么nio, o desenvolvimento econ么mico, o planejamento urbano, a infraestrutura cultural e a cidadania. E isso exige mais do que repasses por meio de editais.

Reconstruir a ideia de pol铆tica cultural como projeto de pa铆s implica romper com a l贸gica epis贸dica e avan莽ar em dire莽茫o a modelos que articulem financiamento sustent谩vel, marcos legais consistentes, forma莽茫o de quadros t茅cnicos e pactua莽茫o federativa efetiva. Mas, para isso, 茅 preciso responder a perguntas fundamentais: qual o papel de um pequeno munic铆pio e de uma grande capital na formula莽茫o e execu莽茫o das pol铆ticas culturais? E os estados, como devem atuar nesse arranjo federativo? Essas s茫o quest玫es urgentes e estruturantes.

N茫o basta termos um Sistema Nacional de Cultura que induza a cria莽茫o de conselhos, planos e fundos, se n茫o houver clareza sobre quais pol铆ticas culturais devem ser implementadas por essas estruturas. Fazendo uma analogia com a tecnologia, o Sistema Nacional de Cultura 茅 como um hardware 鈥 a estrutura f铆sica e institucional que permite o funcionamento. Mas e os softwares? Quais pol铆ticas p煤blicas devem ser programadas e executadas nesse sistema para dar conta da complexidade e diversidade do campo cultural?

O II Encontro n茫o nos deu todas as respostas, mas nos devolveu perguntas fundamentais. E, mais do que isso, reafirmou a exist锚ncia de uma gest茫o cultural brasileira viva, diversa, cr铆tica e mobilizada. Se estamos, de fato, iniciando um novo ciclo das pol铆ticas culturais no pa铆s, ele precisa ser acompanhado pela formula莽茫o e atualiza莽茫o dos algoritmos que definir茫o o lugar da cultura nas pol铆ticas p煤blicas do pa铆s na pr贸xima d茅cada.

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1 Coment谩rio para “Pol铆tica cultural que n茫o cabe em edital: reflex玫es sobre o II Encontro Nacional de Gestores de Cultura”

  1. Vinni Rodrigues disse:

    Parab茅ns pela coluna !!! O conte煤do apresentado 茅 fundamental para nossa reflex茫o enquanto fazedores de cultura. O MINC precisa “sacudir” os Munic铆pios que ainda n茫o possuem CPF da Cultura ativo e efetivo. Dialogar e fiscalizar in loco 脿s regi玫es que est茫o pedindo socorro para desenvolverem suas pol铆ticas p煤blicas de cultura. 脡 uma demanda urgente !!!. Abs.

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