Élcio Paraíso

ENTREVISTAS

Entrevista Rui Moreira

Em defesa da democracia: a luta contra o racismo no centro da política

Rui Moreira é artista bailarino e coreógrafo, com trajetória de mais de 30 anos no setor cultural, atuou nas companhias: Cisne Negro, Balé da Cidade de São Paulo, Cia. SeráQuê?, Cia. Azanie (França), e no Grupo Corpo.  Sua formação artística mescla danças modernas, balé clássico, danças populares brasileiras e dança contemporânea africana.

  1. As lutas antirracista e antifascista e os movimentos pró-democracia no Brasil

O racismo é um tema que no Brasil, tem relevância de longa data e o foco mais intensificado está no confronto de realidade de termos mais de 50% da população descendente de africanos subsaarianos. Os famosos negros brasileiros são resultado do hibridismo das culturas africanas, europeias, indígenas e na atualidade de muitos mais povos que aqui vivem.

O processo diaspórico africano na América teve início através do êxodo involuntário provocado por vergonhosos processos de escravidão humana com histórias de dor e subjugação que não geram orgulho a ninguém. Nas Américas, por exemplo, e fortemente aqui no Brasil, cultua-se um orgulho implícito na maioria da população que se autodeclara branca de descender de colonizadores que promoveram terríveis genocídios contra os povos indígenas, população negra africana e seus descendentes.

Isto é tão fortemente interiorizado que os traços desta hegemonia branca contaminam até mesmo quem se declara não racista ou se diz antirracismo. O racismo também está intensamente ligado ao direito de ir e vir do ser humano, pois ondas xenofóbicas contribuem para a proliferação de um racismo “ingênuo ou velado”. Estas características de nação precisam ser revistas neste momento de mundo onde as revisões se fazem necessárias. Quando falamos de combate ao racismo e ao fascismo entendo que está implícito um câmbio de percepção de mundo que altera a consciência planetária.

  1. A participação social em meio à crise sanitária, política e econômica do país

A democracia brasileira recente é marcada por uma participação intensificada da população nas tomadas de decisão dos rumos do país. As origens dos movimentos sociais são diversas, mas quando legitimadas se identificam. Acredito e defendo que não existe democracia sem a participação intensa da população. Infelizmente as instâncias oficiais que previam esta participação organizada foram esvaziadas.

Meu desejo é que o poder público – aqui entendido como poder da mobilização popular – estabelecido por associações de bairro, associações culturais, cooperativas, sindicatos, conselhos culturais orgânicos, dentre outras formas de organizações sociais, juridicamente estabelecidas, ou não –  esteja em constante articulação e alerta, para não delegar a total responsabilidade de iniciativas para os gestores públicos e parlamentares.  Para que isso aconteça penso ser necessário afirmar e fortalecer estas formas de organização.

Por um lado, estamos vendo nas ruas (desafiando o contexto de isolamento social indicado para o momento) pessoas com a intenção de defender valores civilizatórios coletivos e que lidam com o indivíduo como sujeito social a partir de conceitos democráticos que, entre outros objetivos, têm o intuito eliminar as possibilidades de um novo período de ditadura no país. Do outro lado, ou em confronto, grupos de pessoas libertas de receios e de respeito estabelecido, manifestando-se em contrário de forma contundente e violenta a partir dos pensamentos e convicções estabelecidas por histórias mundiais nefastas advindas de gerações anteriores.

No âmbito da cultura, por exemplo, com o objetivo de desvirtuar conquistas construídas, vêm sendo nomeadas pessoas incapazes de administrar as estruturas públicas em âmbito federal. Estas pessoas têm o poder delegado para executar a missão expressa de desconstituir valores acordados e estabelecidos na Constituição e através de leis. A barbárie vai do desmonte do Ministério da Cultura à nomeação de um presidente da Fundação Cultural Palmares, negro e racista, completamente desrespeitoso com a história do povo negro no país.

Ao mesmo tempo, esta conjuntura propicia que oportunismos usem uma crise endêmica (uma pandemia que descortinou um estado de crise sanitária mundial) como justificativa para questões relacionadas às mazelas como a má distribuição de renda, desemprego, saúde, educação e uma estruturação institucional ultrapassada, seja deixada de lado neste momento de Brasil. Uma espécie de cortina de fumaça que dispersa e confunde o processo de politização do cidadão. Em meio a tudo isso, vemos o comandante máximo do poder executivo, eleito democraticamente pelo voto, espalhando sua visão de mundo deformada. Convocações são originadas (não se sabe de onde) promovendo ideias sobre a volta da ditadura, contando com o apoio e a presença deste presidente montado a cavalo em meio aos manifestantes.

  1. Pautas, ações e desdobramentos dos protestos

A partir dos últimos eventos, protestantes provocam as pessoas dizendo que é covardia não estar nas ruas neste momento. Mas os números de mortos pela Covid 19 no Brasil são altíssimos e estamos no pico pandêmico. Portanto, mesmo mantendo distância e usando máscaras não é recomendável promover aglomerações nas ruas seja pelo motivo que for. Não existe uma previsão segura para o fim deste estado de emergência com isolamento social.

As campanhas virtuais de mobilização têm um resultado diferente dos atos realizados corpo a corpo. Não sei dizer se é melhor nem pior. Buscando atualizar e ampliar as formas de interação, este novo momento incentiva uma onda de inclusão digital e propõe ações que exigem estratégias diferentes para atingir novos objetivos. Um dos mecanismos políticos usado na promoção de interatividade e censo, no passado recente, foi a realização de conferências presenciais sobre variados temas. Aconteceram em nível municipal, estadual e federal.

Nada inédito, mas poderia ser refeito para que o processo seja aprimorado e qualificado. Muitas são as pautas, visibilidade das periferias, as questões de segurança, transporte público, saúde pública, reorganização das condições dos contratos de trabalho, educação básica pública, cultura e todos os assuntos concernentes a este setor, gênero, raça, violência feminina, genocídio de jovens negros, democracia e práticas democráticas.

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