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Entrevistado André Dias

Arte Educação e Teatro

Neste mês, o ex-aluno entrevistado é o diretor artístico, ator, dramaturgo e bailarino André Luiz Dias. Em 2012, ele fez o curso Pensar e Agir com a Cultura, oferecido pelo Observatório da Diversidade Cultural, na cidade de Teófilo Otoni (MG).

André é bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e realizou cursos nas áreas artística e cultural pela Fundação Clóvis Salgado, Galpão Cine Horto e SP Escola de Teatro. Ainda na área acadêmica, foi colaborador dos projetos de extensão “Arte (Com)Ciência” da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e “Teatro na Dança – Construções lineares e plurais” da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Atualmente, André é arte educador no Centro de Educação para a Infância e Adolescência (Ceia), em Pavão (MG) e diretor e arte educador do Instituto Cultural In-Cena de Teófilo Otoni (MG). Lá ele fundou, ao lado de Cida Correia, o grupo In-Cena de Teatro, onde atua, escreve e dirige espetáculos. Desde sua fundação, em 2007, o grupo já se apresentou em mais de 30 cidades dentro e fora do país e teve várias de suas montagens premiadas, com destaque para “Uma História Sem Pé Nem Cabeça”, de 2009, “Em Algum Lugar”, de 2011, e “Às Margens“, de 2017, espetáculo que comemorou dez anos de existência do grupo.

Além disso, André é também idealizador e diretor geral do Festival Nacional de Teatro de Teófilo Otoni (Festto) que, desde 2012, promove por meio de apresentações, oficinas e rodas de conversa, o acesso à arte e à cultura na região do Vale do Mucuri.

ODC – Como foi sua experiência de formação no curso do Observatório da Diversidade Cultural?

AD – Foi uma experiência ampla, super positiva. Esse curso que veio de Belo Horizonte nos deu a possibilidade de conhecimentos amplos do fazer cultural e artístico e do empreendedorismo. O curso do Observatório foi um marco nos trabalhos que desenvolvemos aqui em Teófilo Otoni, principalmente pelo Instituto Cultural In-Cena que, na época, ainda não era instituto, era só o grupo In-Cena de Teatro. O instituto só veio depois de muitas vivências, estudos e pesquisas. Então, o Observatório não possibilitou apenas formação e experiência para mim, André Luiz Dias, hoje diretor do Instituto Cultural In-Cena, como para outros artistas locais e da região do Vale do Mucuri.

O curso Pensar e Agir com a Cultura foi um divisor de águas na vida do In-Cena. Através desse curso a gente pode ter contato com o José Júnior, José Márcio, Sheila, com o Isac, que eu já conhecia da minha formação em Belo Horizonte, e outros. Para a gente, foi de grande importância receber um curso dessa envergadura vindo da capital para o interior, para Teófilo Otoni, onde geralmente não chega muita coisa. Nós, do interior, estamos muito escassos de formação.

ODC – A partir de sua experiência como arte-educador no Instituto Cultural In-Cena, em Teófilo Otoni, e no Centro de Educação para a Infância e Adolescência (Ceia), em Pavão, como você analisa os impactos e transformações da educação artística e cultural na vida de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social?

AD – Minha formação como arte-educador se dá muito no campo do exercício da arte-educação. Eu sou de Teófilo Otoni, mas morei em Belo Horizonte até 2007. Por isso, quando voltei para Teófilo Otoni, me senti na obrigação de alavancar essa formação aqui, que era bem básica e, hoje, já está em um nível profissional e técnico, e de levar essa formação para outras cidades vizinhas. O In-Cena hoje realiza trabalhos não só em Teófilo Otoni, como também no Centro de Educação para a Infância e Adolescência (Ceia), em Pavão, e na cidade de Santa Helena de Minas, em um trabalho com a  zona rural e com um assentamento quilombola. 

Os impactos e transformações são vários. Nós vemos o alavancar da carreira artística de muitos desses meninos hoje. Por exemplo, temos três ex-alunos do In-Cena que estão estudando Artes Cênicas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O primeiro contato deles com arte foi dentro do Instituto Cultural In-Cena. A arte-educação é uma formação também humana e social, porque a gente embasa os meninos para as lutas do dia a dia, no meio de todos esses retrocessos que atravessamos de uma política pública inexistente tanto na área social quanto na área cultural.

É cada vez mais urgente pensar que a vulnerabilidade social permeia de forma muita maciça a região do Vale do Mucuri. Precisamos, nessa região, travar lutas imensas, diárias, necessárias. Precisamos pensar o fazer artístico não só embasado na cultura popular, mas também trazendo outros universos, como a arte visual, a dança contemporânea, a música, com suas várias vertentes. Precisamos potencializar e possibilitar que os meninos, através da arte, consigam vislumbrar outros futuros, outras possibilidades de vida e também de chegar até a universidade. O instituto Cultural In-Cena tem também alguns projetos de extensão na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e o interesse de que os meninos tenham contato com essas outras realidades, mundos e conhecimentos.

ODC – Muitas das montagens produzidas pelo grupo In-Cena de Teatro pautam-se na diversidade cultural brasileira, a exemplo do espetáculo “Às Margens”, que aborda a história de povos e comunidades quilombolas e indígenas, e do espetáculo  “Esse Lugar Chamado Brasil”, que trata de desigualdades sociais e preconceitos como o racismo. Qual a importância de levar aos palcos essas questões? Você percebe, de alguma forma, o retorno do público sobre essas questões?

AD – Os trabalhos do In-Cena são sempre pautados nessa temática. O In-Cena está dentro de uma comunidade, nosso público é oriundo da periferia, e eu, inclusive, também sou da periferia, tenho uma vivência de luta e formação ligada a esses movimentos. “Às Margens” nasce da necessidade da gente contar a história dos nossos povos, não pelo olhar dos brancos, dos libaneses, dos árabes ou dos alemães que aqui estavam. A gente queria contar a história dos nossos índios, dos nossos negros que também fizeram a colonização desse lugar e que raramente são citados nos livros de história nacional, quiçá nas nossas histórias regionais. O espetáculo “Esse Lugar Chamado Brasil” foi um dos espetáculos mais premiados do In-Cena e apresentado em vários festivais do Brasil. Em sua dramaturgia, a gente pauta esses outros brasileiros, nossas crises e mazelas, mas com um certo humor. Já no espetáculo “Em Verdade Vos Digo”, a gente fala de um pedaço de uma rua de Teófilo Otoni considerada marginalizada, a Francisco Sá, que era a rua boêmia, da prostituição. Para isso, a gente fez uma pesquisa com as prostitutas, com as mulheres desses lugares, que contaram várias histórias de prostituição nas décadas de 60 e 70. Isso veio para a cena neste espetáculo, que circulou pelo Brasil e outros países da América Latina.

A importância de levar aos palcos essas questões é que, como arte, nós somos o arauto do nosso tempo. Eu não acredito em uma arte que seja pautada apenas pelo riso gratuito, pela necessidade só do divertimento. A arte é uma das maiores ferramentas que a gente tem para fazer política, para promover discussões sociais. O retorno do público com essas questões se dá de forma muito rápida. Se dá no final dos espetáculos quando as pessoas nos dizem que se identificaram e que conhecem histórias parecidas, quando isso vai para as redes sociais e se multiplica através de discursos, quando outras pessoas querem fazer parte do grupo por conta de algum espetáculo que assistiram. Há sempre esse contato direto com o público.

ODC – O grupo In-Cena de Teatro, que completa, em 2020, 13 anos de existência, já se apresentou em mais de 30 cidades em vários estados do país, mas, principalmente, em pequenos municípios no interior de Minas Gerais, a exemplo de Poté, Ataléia, Capelinha, Matipó e Itaipé. Tendo acompanhado e participado dos espetáculos, o que você pôde aprender sobre os traços, diferenças e semelhanças na cultura mineira em diferentes localidades do estado? 

AD – Eu estou como dramaturgo e diretor do In-Cena há 13 anos e há sete anos eu voltei a atuar dentro da companhia. Levar os espetáculos aos pequenos municípios da região é sempre uma surpresa. Primeiro porque são espaços onde geralmente não se têm equipamentos culturais, então nós buscamos nos apropriar de espaços que possam ser culturais. Isso nos interessa muito, porque se ficarmos esperando um teatro com rotunda, ciclorama, com ribalta e palco para nos apresentar, não vamos conseguir trabalhar no Brasil. Então, esses pequenos vilarejos dos vales do Mucuri e Jequitinhonha são importantes porque é onde a gente fomenta, discute, apresenta a cultura. 

O In-Cena também já alcançou outros palcos nesses 13 anos. A gente já foi para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e até para outros países como a Argentina e o Chile. Mas quando eu vejo os espetáculos chegando nas pequenas cidades, eu acompanho sempre com um olhar curioso, um olhar estrangeiro e visualizo tantos povos, tantas lutas, tantos outros traços e sonhos. Claro que levar um espetáculo desses para o interior te dá outra possibilidade do que levar de uma forma fria para um centro cultural em São Paulo, por exemplo, onde o olhar muitas vezes é técnico. No interior não. A primeira coisa é o que impacta, o que emociona. Por exemplo, nós nos apresentamos em um pequeno lugarejo do vale do Mucuri chamado Oropinha, localizado no município de Santa Helena de Minas. Nunca tinha ido teatro para lá. No dia da apresentação, o lugarejo inteiro fechou as portas do comércio e as pessoas foram para a praça nos assistir. Então, foi um acontecimento. De vez em quando ainda nos perguntam “Que dia vocês voltam?”. Isso me interessa muito: estar no interior e fazer teatro para ele, não esquecendo da essência do que somos e de onde estamos.

ODC – Em função da medida de isolamento social adotada por causa da pandemia do novo coronavírus, o  Festival Nacional de Teatro de Teófilo Otoni (Festto) e as apresentações do Grupo In-Cena de Teatro estão acontecendo online, através da página do Facebook do Instituto. Como você vê as possíveis soluções de adaptação para o setor cultural diante do atual cenário? 

AD – Sim, o Festto está em sua 9º edição, sendo realizado através do Fundo Estadual de Cultura. O tema do festival esse ano é “Teatro pelos cantos – Vivências possíveis”. Mal sabia eu que precisaria estar, por causa da pandemia, realmente pelos cantos (cada um dos nossos artistas em seu canto) fazendo as vivências que são possíveis. Então, a pandemia trouxe essa possibilidade de repensar a nossa forma de arte. O ambiente virtual é um local onde a gente consegue alcançar um outro público que muitas vezes não teria condição de estar aqui com a gente. Além disso, a gente estendeu o festival, que aconteceria em quatro dias, e agora vai acontecer de junho a outubro. Ele está acontecendo através da nossa página do Facebook, onde estamos fazendo roda de leitura, debates, espetáculos, shows musicais. A solução que eu vejo para o setor cultural diante do atual cenário é esta que estamos fazendo. A cultura é um setor que sempre precisou se reinventar, porque depende da disponibilidade de recursos e lançamento de editais, por exemplo. Então, ao mesmo tempo que tudo isso que está acontecendo é muito novo, é uma labuta que a gente já conhece. 

Quando se trata do interior é ainda mais difícil. Quando são feitos grandes editais, grandes projetos, se pensa muito na capital. Fala-se em interior e as pessoas pensam que se trata de cidades como Uberlândia, Juiz de Fora, São João del-Rei, Contagem… Mas isso não é interior; são cidades grandes. Os pequenos vilarejos, como esses do vale do Mucuri estão realmente no interior e precisam muito de política pública e arte. Precisamos tratar do interior mesmo, onde quase nada chega. 

ODC – Vivemos tempos de intolerância racial e de gênero. Como você atua para a superação do racismo e da homofobia?

AD – Eu nasci em um gueto, nasci periférico, nasci “viado”, macumbeiro e preto, então já nasci com todo o estigma social que as pessoas não querem ter inserido em lugar nenhum. Eu atuo contra essa intolerância através do meu trabalho. Minha superação se dá a partir do momento em que eu coloco minha arte como ferramenta, meu corpo como ferramenta política, artística e social. Através também da formação que eu precisei fazer e ofereço aos meus para que se preparem para quando as pedras forem atiradas. O racismo e a homofobia hoje estão generalizados e são vistos de forma mais ampla, mas antes estavam velados e eram sutis. Hoje nós temos um governo que facilitou e fez com que esses monstros que elegeram os políticos que estão governando nosso país pudessem dar as caras e se sentirem legitimados para fazer o que eles fazem. Mas eu vou sem medo, vou com muita coragem e, se possível, com a “navalha no dente”, porque eu sou desses.

 

Tags: #DiversidadeCultural #Cultura #Entrevista #Teatro #ArteEducacao #InCenaTeatro

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