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Carta de Roma sobre Direitos Culturais

A Comissão de Cultura da CGLU e a cidade de Roma prepararam um documento intitulado “Carta-Agenda de Roma sobre Direitos Culturais”, como contribuição ​para a atuação municipal no diálogo global sobre cultura e desenvolvimento, particularmente nos seguintes aspectos:

– possibilitar uma narrativa mais atual e consistente ​acerca dos direitos culturais, especialmente o direito de participar da vida cultural durante a e após a pandemia;
– considerar os impactos da ​pandemia da COVID-19 na vida cultural das cidades e comunidades;
– desenvolver estruturas e opções para políticas culturais no período pós-crise;

Nesse contexto, entre março e maio de 2020, foram realizadas várias reuniões de com especialistas, ​além de seminários online com cidades, redes e organizações que trabalham nessa questão, incluindo uma consulta online do Comitê de Cultura da CGLU, realizad​a em 4 de maio de 2020.

A minuta da Carta está alinhada com o Decálogo da CGLU para a era pós-COVID-19, lançado abril de 2020 e publicado no site do Observatório ​da Diversidade Cultural, ​que tem como objetivo orientar o trabalho da CGLU e dos municípios nos próximos anos, entendendo a cultura como um “antídoto para os efeitos colaterais” da crise.

Leia abaixo:

 

O DIREITO DE PARTICIPAR LIVRE E PLENAMENTE NA VIDA CULTURAL É CENTRAL PARA AS NOSSAS CIDADES E COMUNIDADES

publicada em 18 de maio de 2020[1]

PREÂMBULO

Todas as pessoas têm o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, apreciar as artes e participar do progresso científico e dos benefícios que resultam dele.

Artigo 27, Declaração Universal dos Direitos Humanos

 

Nós, as pessoas, somos a cidade. Através das nossas crenças, valores e atividades criativas – nossa cultura – damos forma à cidade de pedra e sonhos. Para o bem ou para o mal, é a personificação do nosso imaginário individual e coletivo. Nossa cidade deve dar apoio para que cada habitante desenvolva seu potencial humano e contribua com as comunidades das quais faz parte.

A Cultura é a expressão dos valores, um recurso comum e renovável que nos coloca em contato uns com os outros, com o que aprendemos o que pode nos unir e como lidar com as diferenças em um espaço compartilhado. Essas diferenças existem tanto dentro das culturas quanto entre elas. Devem ser reconhecidos e aceitas. Uma cidade inclusiva, democrática e sustentável permite esse processo, e até se fortalece com ele. A cultura é a oficina criativa com a qual os cidadãos podem imaginar respostas para nossos desafios comuns. Às vezes é uma solução, outras vezes é o meio para descobri-la.

A Carta de Roma é publicada em um momento sombrio e incerto. A crise da COVID-19 nos faz pensar que os atuais modelos de desenvolvimento e suas referências precisam ser repensados. Também nos mostra que um verdadeiro espírito de democracia cultural deve moldar novos modelos que sejam inclusivos e sustentáveis. A Carta é uma promessa para o povo de Roma – e para todas as cidades do mundo. Situar nossas culturas comuns e dinâmicas no centro da definição dos novos modelos não será fácil, mas é assim que recuperaremos e reconstruiremos nossas vidas, juntos.

CAPACIDADES CULTURAIS

As autoridades públicas, os governos nacionais e locais têm um dever legal de garantir a participação na cultura, consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados e convenções internacional. Em colaboração com os atores e agentes da sociedade, elas devem estabelecer políticas eficazes e fornecer recursos suficientes para cumprir com essas obrigações, pois, caso contrário, suas promessas seriam meramente retóricas.

Uma cidade que trabalha por uma democracia cultural deve cumprir seu dever de apoiar seus habitantes para:

DESCOBRIR suas raízes culturais, para que possam reconhecer seu patrimônio, identidade e lugar na cidade, bem como entender os contextos dos outros;

CRIAR expressões culturais, para que possam tomar parte da vida da cidade e enriquecê-la;

COMPARTILHAR culturas e criatividade, para que a vida social e democrática avance com o impulso das trocas;

DESFRUTAR dos recursos e espaços culturais da cidade, para que todos possam se inspirar, se educar e se renovar;

PROTEGER os recursos culturais comuns da cidade, para que todos possam se beneficiar deles, agora como nos anos que teremos pela frente.

A Carta de Roma 2020 propõe uma cidade mais inclusiva, democrática e sustentável. Seu êxito está nas mãos de todos e todas que vivem aqui. Essas afirmações estabelecem nosso destino: planejar o caminho é o próximo passo. Agora começamos uma fase de colaboração e consulta para desenvolver políticas planos culturais detalhados e ações específicas para cada contexto local.

POR QUE AGORA E POR QUE ESTE DOCUMENTO

Por que agora?

Em poucas semanas, o COVID-19 varreu o mundo tal como nós o conhecíamos. As medidas que tivemos que tomar para proteger nossa saúde mudaram a forma como vivemos e prejudicaram o nosso desenvolvimento.

Nós estamos sofrendo. Tínhamos diversas coisas como já garantidas, incluindo a cultura. Para nossa surpresa, estamos descobrindo recursos inesperados de empatia, coragem e solidariedade em nossas sociedades.

A princípio, falamos sobre a vida “depois da crise”. Agora estamos nos dando conta que essa doença pode estar conosco por muito tempo e que teremos que nos adaptar à sua presença. Essa experiência está mudando nossa maneira de pensar sobre nós mesmos, os outros e as comunidades nas quais vivemos. Está mudando nosso sentido de prioridades, aqueles a quem admiramos e como queremos viver.

Há alguns meses, a cidade de Roma iniciou um processo de reflexão sobre a participação dos cidadãos na vida cultural em âmbito local, com base na convicção de que a mercantilização e priorização dos fatores econômicos ameaçavam a equidade, a justiça e a dignidade humana. Queríamos contribuir para os debates globais sobre desenvolvimento, cidadania e democracia, debates nos quais, infelizmente, a cultura, os direitos humanos e as cidades ocupam posição marginal. Claro que ainda queremos contribuir para essa causa – de fato, acreditamos que agora é ainda mais importante e urgente do que nunca. Se esse debate é genuinamente global, evita o eurocentrismo histórico e inclui vozes e culturas marginalizadas, podem levar ao fortalecimento de instituições, programas e políticas internacionais relacionadas com o papel da cultura no desenvolvimento.

Juntamente com os desafios que apresenta, uma crise também traz consigo a responsabilidade e a oportunidade de pensar além dos limites existentes e tornar realidade coisas que antes nos pareciam impossíveis, e que em poucas semanas, governos, instituições e cidadãos às vezes já fizeram. Se algo de bom pode surgir da COVID-19, é que temos sido corajosos o suficiente para imaginar maneiras diferentes, melhores e mais sustentáveis de viver juntos, e já não iremos parar depois que a crise passar. E as cidades, que em 2050 vão abrigar dois terços da população mundial, são essenciais para enfrentar esse desafio.

Por que a cultura?

Cultura é a maneira pela qual as pessoas transformam a experiência em significado – e não apenas em significados bons ou precisos: é um poder que tem sido e que também é usado para finalidades negativas. Cultura é como as pessoas se formam, expressam, compartilham e gerenciam seus valores – estejam ou não conscientes disso ou capazes de articulá-lo diretamente. Cultura é tudo o que fazemos além da sobrevivência. Cultura é tudo o que fazemos para tornar mais rica e plena as nossas vidas. É também a história que molda nossas ações, mesmo quando não nos damos conta. A cultura descreve o mundo e vemos o mundo através das suas lentes.

E a cultura também é o recurso humano renovável ao qual temos recorrido nesta crise. A ciência nos ajuda a entender, obter respostas e proteção. A arte oferece conforto, educação e entretenimento em meio a esse isolamento. Ambos são resultado de pesquisas, competências, criatividade e trabalho duro, não apenas deleite. A cultura nos conecta através das ruas vazias com músicas, nos permite compreender e compartilhar nossos sentimentos com os outros. É por ela que sabemos quem somos e como conhecemos aos outros. É com a cultura que construímos as nossas narrativas, damos sentido às coisas, sonhamos e temos esperanças. É a cultura que dará forma aos valores e comportamentos das cidades que devemos renovar após o trauma da COVID-19.

Agora, mais do que nunca, queremos afirmar o valor social da cultura, onde as pessoas, e não os benefícios, são seu coração e seu propósito. Ainda não podemos dizer qual o significado que isso terá no mundo que está surgindo. Este é um processo de descoberta, moldado pela situação e pelas pessoas que contribuem para ele. Acreditamos que as reflexões que ajudem os cidadãos a entender o presente e imaginar o futuro com esperança são uma boa maneira de repensar a cidade. É aqui que estamos, onde nos encontramos hoje.

Devemos ir além do pensamento estabelecido – em termos de cultura, cidades criativas, urbanismo inclusivo, direitos e deveres. Não sabemos onde vai acabar, mas estamos convencidos de que precisamos de uma democracia cultural mais do que nunca. Nossa sociedade precisa de um período de cura e recuperação, mas ainda pode enfrentar um período de mais conflitos e mais desigualdades. Precisamos encontrar um novo caminho que inclua todos.  As velhas respostas não servirão. Devemos perguntar que tipo de vida queremos agora e para as próximas gerações, com a convicção que as respostas dependem dos recursos da democracia e de um espírito de generosidade.

Por que Roma?

As cidades são espaços de experimentação e criatividade. Está entre as capacidades de Roma reunir-se, conectar-se e explorar, uma encruzilhada entre mundos e tempos. Começamos a partir daqui: com Roma como um caldeirão comum para novas ideias sobre modelos sociais. Roma, antiga e moderna, bela sobrevivente, testemunha de pragas, guerras e renascimentos, está trabalhando para inspirar e concretizar novos paradigmas e compartilhá-los. Este é um convite para criarmos juntos um futuro alternativo nos lugares que hoje representam o confinamento, assim como as oportunidades: AS CIDADES.

Por que a CGLU?

A Organização Mundial das Cidades e Governos Locais Unidos – CGLU – é a maior organização de governos locais e regionais do mundo. Agora seguimos os passos de inúmeras mulheres e homens que têm trabalhado incansavelmente para capacitar-se uns aos outros, por mais de um século, para alcançar uma mudança real em nossas sociedades.

Representamos, defendemos e amplificamos as vozes de governos locais e regionais para não deixar ninguém ou lugar algum para trás. Juntos, somos os guardiões das esperanças, sonhos e aspirações de cada um dos indivíduos das comunidades ao redor do mundo, em busca de uma vida na qual se respirem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e de um sólido sistema multilateral construído a partir dos territórios do mundo todo. O papel da cultura no desenvolvimento sustentável de nossas comunidades é um dos principais temas do trabalho da CGLU.

O que virá em seguida?

Os textos da Carta Roma 2020 são um trabalho em processo, desenvolvido em colaboração com mais de 50 cidades e parceiros de todo o mundo. Continuaremos sondando nos próximos meses para podermos desenvolver em detalhes políticas, planos e ações culturais para a próxima fase de consulta e colaboração, com um enfoque específico para cada contexto local. Convidaremos a compartilhar respostas, pensamentos, novas reflexões e debates; estamos prontos para produzira, montar, combinar e remodelar uma nova ordem. Convidamos você a juntar-se a nós nessa jornada de renovação.

UMA NOTA EXPLICATIVA DA CARTA

As palavras-chave para as competências culturais são todas verbos-ações: sugerimos seguir uma progressão cíclica e uma abordagem focada nas pessoas.

 

 

Descobrir raízes culturais, para que possamos possuir nossa herança, identidade e lugar na cidade

Todos nós temos nossa própria herança pessoal e coletiva, as tradições e valores que vem da família, da comunidade, do corpo, do tempo etc. Também é importante que tenhamos capacidade compreender os contextos, origens e narrativas de outros.

Criar nossa própria atividade cultural, para que possamos fazer parte da vida da cidade e enriquecê-la

A participação na vida cultural inclui a capacidade de criação – possuindo os meios, os recursos, a formação, a educação e tempo para fazer nossa própria atividade artística, seja cantando, dançando, bordando, projetando nosso próprio jogo de computador ou imaginar outro futuro.

Compartilhar culturas e criatividade, para que a vida social e democrática se enriqueça com a troca

E se eu sou um criador, tenho o direito e a capacidade de compartilhar minhas criações com alguém interessado e aberto a ouvir, observar, comentar e criticar o meu trabalho. Não significa que tudo tem o mesmo valor – significa que aceitamos que todos têm o direito de apresentar-se, agradando ou não.

Usufruir de todos os recursos culturais da cidade, para que possam inspirar-se, educar e renovar

O acesso à cultura – os amigos que escolhemos – é como desenvolvemos a capacidade de saber do que gostamos e do que não gostamos como escolhemos definir nossos valores e construir nossa identidade futura. Você pode herdar uma certa cultura, mas eu escolho ser um rapper ou cantor de ópera, pois se minha cultura não me dá prazer, inspira e renova, de que me serve?

Proteger os recursos culturais comuns da cidade, para que todos pode se beneficiar deles, agora e no futuro

Devemos ter a capacidade de apreciar, ensinar, transmitir e impedir que todas as culturas sejam destruídas deliberadamente ou por negligência. É como a biodiversidade, todo o ecossistema precisa de proteção porque é interdependente e você nunca sabe quem vai querer o que ou quando vai querer.

 

A CARTA DE ROMA é uma iniciativa desenvolvida pela Cidade de Roma e pelo Comitê de Cultura da CGLU.

Comissão de redação: Luca Bergamo, Eleonora Guadagno, Marta Llobet, François Matarasso, Jordi Pascual, Carla Schiavone, Vincenzo Vastola, Sarah Vieux.

Reflexões iniciais compartilhadas com: Korkor Amarteifio, Tere Badia, Jordi Baltà Portolés, Ivana Baukart, Eric Corijn, Catherine Cullen, Francisco d’Almeida, Cristina da Milano, Yvonne M. Donders, Fernando Ferroni, Enrico Giovannini, Beatriz García, Mercedes Giovinazzo, Enrique Glockner, Daniel Granados, Antoine Guibert, Nora Halpern, Lucina Jiménez, Sakina Khan, Tita Larasati, Andrea Malquin, Robert Manchin, Valeria Marcolin, Magnus Metz, Zayd Minty, Inti Muñoz, Jaume Muñoz, Patricia Navarra, Josh Nyapimbi, Edgar Pieterse, Navin Piplani, Shi Qi, Mieke Renders, Clarisa Ruiz Correal, David Sagita, Thierry Sanzhie Bokally, Salvatore Settis, Anupama Sekhar, Gyonggu Shin, Lisa Sidambe, José Alfonso Suárez del Real e Aguilera, Khalid Tamer, Monserrath Tello e Fiona Winders.

Cidades, governos locais e suas associações: Cidade do México, Buenos Aires, Lisboa, Barcelona, ​​Bilbau, Bogotá, Izmir, Malmö, Washington DC, Xi’an, Baie-Mahault, a Diputación de Barcelona, ​​Córdoba, Dublin, Gwangju, Leeds, Makati, Maputo, Montreal, São Paulo, Swansea, el Conselho de Tenerife e Vancouver.

A participação de: iniciativa Capital Africana da Cultura, Americans for the Arts, CGLU – África, CGLU – MEWA, Fundação Ásia-Europa, ASVIS, Culture Action Europe, INTACH – Fundo Nacional Indiano para o Patrimônio Cultural e Artístico, Accra National Theatre, Nhimbe Global Observatório de Assuntos, Festival Global de Ação sobre os ODS, UNESCO …

Estruturas de participação e referência do Secretariado Mundial da CGLU e seções da CGLU, bem como o apoio operacional do Departamento de Atividades Culturais – Roma.

A todos, a nossa mais profunda gratidão pelo tempo, os pensamentos, experiências e cuidado que vocês dedicaram a esta iniciativa

[1] www.2020romecharter.org

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