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A retomada das políticas para a diversidade cultural no Brasil – Entrevista com Márcia Rollemberg

ENTREVISTA COM MÁRCIA ROLLEMBERG

Márcia Rollemberg é atual Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural, do Ministério da Cultura do Brasil, onde já foi titular da Secretaria nos anos 2011-2014. Assistente social e arte educadora pela UnB e especialista em sistemas de saúde pela Unicamp, possui 30 anos de experiência em gestão de políticas públicas e cooperação internacional, em especial nas áreas de saúde, cultura e patrimônio. Foi Diretora do Departamento de Articulação e Fomento do IPHAN de 2009 a 2011, Gerente de projetos em 2015-2023, e Conselheira de Patrimônio Cultural do DF de 2016 a 2022.

Observatório da Diversidade Cultural (ODC)Márcia, você esteve à frente da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural há dez anos. Para você, quais são as principais diferenças de contexto e de desafios que se colocam para o cargo?

Márcia Rollemberg – Em relação ao contexto, há dez anos encontrei um Programa que estava em implementação, conquistamos a Lei Cultura Viva, enquanto hoje precisamos fazer uma ativação na rede de pontos e pontões de cultura. Nos últimos cinco anos, a Política Nacional Cultura Viva sofreu uma paralização em grande parte, o que prejudicou sua ampliação como uma política de base comunitária no âmbito Federal e no Sistema Nacional de Cultura. Outro aspecto a ser considerado é o contexto orçamentário. Encontramos uma situação semelhante ao de uma década atrás, ou seja, após um período com pouco investimento, cerca dos mesmos R$ 70 milhões de 2014, mas somam-se agora um significativo incremento de recursos vindo das Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo. O que é muito mais propício para que essa ativação seja mais ampla e busque superar as históricas inequidades. Quanto aos desafios, o principal é a questão territorial pois, com mais de 4.355 Pontos de Cultura, precisamos georreferenciar essa rede para cumprir uma meta de estarmos em todos os 5.568 municípios. Além disso, é fundamental garantir que a maioria desses pontos tenha acesso às políticas de fomento.

ODC A Portaria MinC nº 19, de 13 de abril do corrente ano, realocou dez cargos em comissão e funções de confiança da Diretoria de Promoção da Diversidade Cultural da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural para outros setores da instituição. Como você pretende corrigir essa perda?

Márcia Rollemberg – Atualmente, estamos concluindo um diagnóstico abrangente da nossa estrutura organizacional, com o objetivo de obter uma compreensão mais precisa das necessidades de recursos humanos da Secretaria. A SCDC é uma importante estrutura para favorecer e fomentar a política de base comunitária da cultura, essencial para consolidar o Sistema Nacional de Cultura e sei do compromisso do nosso governo com a pauta e a pasta, tenho plena confiança de que seremos capazes de superar as adversidades e resgatar o papel de destaque do Cultura Viva em nível nacional.

ODCE como as Diretorias de Culturas Populares e de Diversidade Cultural se distinguem?

Márcia Rollemberg – A estruturação de duas diretorias para a diversidade cultural e as culturas populares se apresenta como uma ênfase no sentido de melhor empreender a política para a cultura popular, que traz demandas históricas, e, ao mesmo tempo, abordar também a complexidade e a amplitude da diversidade cultural, que demanda explorar interfaces da sua matriz no conjunto das políticas públicas. Quando a gente define o foco na cultura popular, há uma intenção de se explicitar uma política mais estruturada para esse campo. Por outro lado, ao criar uma Diretoria para a diversidade cultural, a missão é dar conta de uma discussão inter e intragovernamental, entendendo que a matriz da diversidade já está dada na gestão do Governo Lula, com destaque para a retomada do Ministério da Cultura, do Ministério da Mulher, do Ministério dos Direitos Humanos, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e do Ministério da Igualdade Racial, além de uma estrutura sistêmica com 37 assessorias no conjunto de todos os ministérios ligadas à Casa Civil. Sem falar nas especificidades dos segmentos da diversidade presentes nos campos da educação, do meio ambiente, da saúde, dentre outras políticas setoriais.

ODCE como vai se dar a articulação das três diretorias da SCDC, ou seja, das duas já citadas mais a Diretoria da Política Nacional Cultura Viva?

Márcia Rollemberg – A Política Nacional Cultura Viva opera um conceito, um instrumento, um modelo de governança, e traz em seu DNA uma estrutura que contempla a diversidade. Essa política é a base mais sólida para garantir o avanço, tanto para a diversidade e, consequentemente, para a cultura popular. O campo da diversidade estará focado na construção e integração de marcos legais e programáticos, seja no âmbito do Ministério da Cultura, onde essa matriz precisa ser internalizada e dispor de indicadores de avaliação, seja na interface com os demais ministérios, na participação em colegiados e respectivos conselhos, seja no cumprimento dos preceitos internacionais das convenções das quais o Brasil é signatário, sempre convergindo para o Sistema Nacional de Cultura. A Diretoria e a ação nas culturas populares visa atender e acelerar respostas a demandas históricas nesse campo, haja vista que as culturas populares não são ainda devidamente reconhecidas como um ativo do desenvolvimento brasileiro. Temos duas grandes missões nesse campo da cultura popular: a conquista de uma Lei de Mestres e Mestras das Culturas Populares e o reconhecimento do Notório Saber desses Mestres e Mestras no campo educacional, bem como sua inserção com agentes de formação na educação brasileira.

ODCE como será feita a relação/interação entre a SCDC e a política de patrimônio cultural imaterial a cargo do IPHAN?

Márcia Rollemberg – Nesse sentido, a estruturação de uma Diretoria de Culturas Populares possibilita avançar nas parcerias internas e estruturantes, como com a Diretoria de Patrimônio Cultural Imaterial e o Centro de Folclore e Culturas Populares, ambos do IPHAN, potencializando, por exemplo, não apenas as ações de registro e inventário, como as ações de salvaguarda do patrimônio imaterial e de educação patrimonial. Podemos citar outras interfaces também: com IBRAM, Fundação Palmares, Funarte, Secretaria de Formação, Livro e Leitura, enfim, com todo o Sistema MinC, no sentido de alcançar resultados mais amplos e consistentes nesse campo.

ODCO Brasil teve, até 2016, um papel importante no cenário da Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, da Unesco, papel este completamente anulado nos últimos seis anos. Como esse protagonismo será retomado?

Márcia Rollemberg – Esse protagonismo já vem sendo retomado, a partir das parcerias que estamos iniciando com organismos internacionais, com destaque para a Unesco, no sentido de fortalecer a efetividade das Convenções da área da cultura e da própria Constituição Federal, na operação da política pública de cultura. Nesse sentido, o investimento realizado hoje na cultura é um indicador da prioridade da política cultural, o que já impacta no nível local, regional e nacional, e certamente irá impactar também nas relações internacionais e no posicionamento do Brasil para um nível mais estratégico e indutor.

ODCE quais são as prioridades da SCDC a curto prazo?

Márcia Rollemberg – A curto prazo, pretendemos trabalhar em uma equação que possa, a partir da estrutura e das condições dadas, associada à tecnologia, conseguir ativar a Rede Cultura Viva, incluindo aí os atores culturais envolvidos, como os Mestres e Mestras, ciganos, povos indígenas, comunidades tradicionais, mulheres, pessoas com deficiência, fazedores de cultura, pessoas LGBTQIA+ e demais segmentos da diversidade cultural brasileira, em um menor prazo e com a maior amplitude possível. Já está prevista a publicação de um edital para Pontões de Cultura, que precisa ser mais bem desenhado para atender as principais demandas da rede ativada pelo governo federal, estadual e municipal. Também vamos realizar a revisão para atualização e complementação da Instrução Normativa nº 8, de 11 de maio de 2016, que regulamenta a Política Nacional Cultura Viva, com o objetivo de fortalecer os mecanismos de descentralização orçamentária para os municípios e estados, para facilitar o acesso aos recursos de fomento pelos Pontos e Pontões de Cultura. Nosso intuito é garantir que esses recursos cheguem de forma mais eficiente e acessível às comunidades culturais. Outroas prioridades são:  a inserção e formatação de modelos básicos de editais que viabilizem e favoreçam a aplicação dos recursos da LAB e da LPG, que exigem uma pactuação mais federativa, com a retomada do Comitê de Gestores da Política Cultura Viva; o aprofundamento do diálogo com a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, no sentido de validar e alinhar as perspectivas das ações em curso; e, também, o desafio de ativar e aperfeiçoar o conjunto dos instrumentos previstos na política, e avançar nos indicadores de impacto no território. Por fim, a proposição de um programa de formação por meio de bolsas para agentes Cultura Viva. Todas essas iniciativas têm como diretriz a internalização da Política Cultura Viva como uma política transversal da diversidade cultural e de base comunitária no Sistema MinC e no Sistema Nacional de Cultura, em interface com outras políticas públicas.

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2 Comentários para “A retomada das políticas para a diversidade cultural no Brasil – Entrevista com Márcia Rollemberg”

  1. Avatar Regina Abreu disse:

    Excelente entrevista! Gostaria muito de estreitar os laços com o Observatorio da Diversidade Cultural pois coordeno o Observatorio do Patrimonio Cultural acompanhando e subsidiando pesquisas desenvolvidas especialmente nas universidades em torno de processos de parrimonializacao especialmente do patrimonio imaterial, tanto invenrarios como registros e processos de salvaguarda. Estamos formando uma rede de pesquisadores e uma rede de detentores envolvidos. O momento é de somar as acoes dos observatorios neste campo. Nosso portal http://www.observatoriodopatrimonio.com.br

  2. Avatar Mãe Márcia D'Oxum disse:

    Acho maravilhoso a entrevista e muito feliz de ver a secretária de diversidade em ação de novo foi e será uma das melhores nesse cargo ,viva a Márcia Rollemberg.

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