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Em defesa da democracia: a luta contra o racismo no centro da política

A morte do americano George Floyd, asfixiado, em 25 de maio, por um policial branco no estado de Minneapolis, desencadeou fortes protestos nos EUA e mundo, com a divulgação do vídeo nas redes sociais, e levou às ruas, no Brasil, em meio à pandemia do Covid-19, setores ligados aos movimentos antirracista e antifascista. As manifestações realizadas em defesa da democracia denunciam o retrato trágico da desigualdade social e econômica, agravada frente ao avanço da pandemia no país. Os protestos se opõem à violência do Estado que vitima a população das periferias e repudiam as declarações do presidente Jair Bolsonaro por expressarem posicionamentos antidemocráticos.

A opressão da população negra brasileira é retratada no Atlas da Violência. O estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) mostra que, em 2019, 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil são negros, maior projeção da última década, com crescimento de 33,1%. As operações policiais realizadas nas periferias comprovam a face mais cruel dessa realidade ao registrar, de forma recorrente, entre as vítimas fatais, crianças e adolescentes negros alvejados pelos tiros disparados pelo Estado.

No último 18 de maio, João Pedro Pinto, de 14 anos, levou um tiro de fuzil pelas costas, enquanto jogava sinuca dentro de casa em São Gonçalo (RJ). No dia 31, a indignação mobilizou o protesto “Vidas negras importam”, cujo nome é a tradução de Black lives matter, criado em 2013 nos EUA. O movimento negro ocupou as ruas, novamente, em 7 de junho, com setores antirracistas, para cobrar justiça e adesão da população branca ao debate racial. Desta vez, o protesto reagia de forma contundente à morte, em 5 de junho, de Miguel Otávio de Santana, de 5 anos, após a queda  do 9º andar de um edifício de luxo no Recife. A mãe, a empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza, tinha deixado Miguel no apartamento, sob os cuidados da patroa que disse para que ela descesse do edifício para passear com o cachorro.

A pandemia do Covid-19 reforça as condições de desigualdade entre negros e brancos no Brasil. Análise da Agência Pública mostra que há uma morte para cada três brasileiros negros hospitalizados por Covid-19, enquanto entre brancos a proporção é de uma morte a cada 4,4 internações. O índice de escolaridade consiste em fator agravante, conforme estudo da PUC-Rio. Segundo a pesquisa, pessoas sem escolaridade têm taxas três vezes maiores (71,3%) em relação àqueles com nível superior (22,5%). Combinando raça e índice de escolaridade, acentua-se o desequilíbrio: pretos e partos sem escolaridade morrem quatro vezes mais pelo novo coronavírus do que brancos com nível superior (80,35% contra 19,65%).

Para o professor visitante da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e presidente do Instituto Luiz Gama, o jurista e doutor em filosofia Sílvio Almeida, a questão racial é indissociável da luta em defesa da democracia. “As instituições que sustentam a democracia liberal estão sendo corroídas. É um modelo que não se preocupa com a substância da participação política, a efetiva participação das minorias para que elas possam, ao decidir, tomar conta do próprio destino”, afirma Gama, em entrevista ao jornal Nexo.

O jurista enfatiza ainda que a crise atual aprofunda a condição de desamparo da população: “Os discursos que pregam que o modelo de sociedade em que nós vivemos é um modelo igualitário, que ele é a única forma de viver, e a mais civilizada, não se sustentam diante da situação real das pessoas. Ainda mais em uma sociedade em que as pessoas estão tendo que escolher entre morrer doentes, de fome ou assassinadas pela polícia”.

O professor da PUC-Rio e diretor científico do JPAL (Poverty Action Lab) para a América Latina, o economista Cláudio Ferraz, associa a discriminação racial à persistência da desigualdade, reforçada pelo desigual acesso político entre brancos e negros. No artigo Racismo, participação política e a persistência das desigualdades brasileiras, Ferraz indica três caminhos para reduzir o racismo no pais, entre eles, a implementação de programas sociais para melhorar as oportunidades e reduzir a pobreza concentrada em domicílios chefiados por pessoas pretas e pardas, e as políticas de ação afirmativa voltadas ao aumento do fluxo de alunos negros em universidades e que incentivem o setor público e empresas a diversificar seus trabalhadores. Além disso, é fundamental, para o professor, que haja maior participação de candidatas e candidatos negros em partidos políticos, com mais recursos de campanhas, para que ocupem instâncias dos poderes Legislativo e Executivo.

Para refletir sobre a centralidade da questão racial nos movimentos pela democracia, o Observatório da Diversidade Cultural entrevistou integrantes de movimentos e coletivos atuantes nas lutas contra o racismo. A cineasta Cida Reis, o bailarino Rui Moreira e o jornalista Bruno Vieira refletem a seguir sobre a relação entre a luta antirracista, movimentos antifascistas e pró-democracia no Brasil; a importância da participação social frente à violência do Estado e o racismo estrutural, em meio à crise do covid-19; bem como sobre as pautas, ações e desdobramentos dos protestos.

Confira as entrevistas clicando nas imagens abaixo:

Rui Moreira: artista bailarino e coreógrafo, com trajetória de mais de 30 anos no setor cultural, atuou nas companhias: Cisne Negro, Balé da Cidade de São Paulo, Cia. SeráQuê?, Cia. Azanie (França), e no Grupo Corpo. Sua formação artística mescla danças modernas, balé clássico, danças populares brasileiras e dança contemporânea africana.

Cida dos Reis: cineasta, pesquisadora das manifestações culturais afro-brasileiras. Integra o Coletivo Coisa de Preto, do setor audiovisual, que aborda as situações vivenciadas pela população afro-brasileira residente nas periferias, vilas e favelas e os desafios do racismo institucional.

Bruno Vieira: jornalista, mestre em Psicologia pela UFMG e doutorando em Psicologia pela UFPE. Desde 2009 envolve-se em questões relacionadas a Direitos Humanos, Comunicação Popular, Educomunicação e Cultura e, recentemente, Relações Étnico-Raciais e Epistemicídio. Publicou em 2019 o livro “Ativismo Juvenil e Políticas Públicas. É associado da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN).

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