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Entrevista Fábio Belotte

Cinema e Audiovisual

O ex-aluno entrevistado desse mês é Fábio Belotte, responsável pela área de Cinema e Audiovisual do Departamento Nacional do Sesc no Rio de Janeiro. Em 2011, participou do curso Desenvolvimento e Gestão Cultural, no município de Contagem (MG), oferecido pelo Observatório da Diversidade Cultural.

Nascido em Belo Horizonte, Fábio graduou-se em Artes Visuais com habilitação em Cinema de Animação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É também Mestre e Doutorando em Cinema pela mesma universidade.

Ao longo de sua carreira, atuou como realizador de animações e documentários, ilustrador, professor, ministrante de oficinas e gestor de projetos. De 2007 a 2010, foi Coordenador Audiovisual do Pontão de Cultura da UFMG e, de 2011 a 2018, trabalhou como Analista de Cinema e Audiovisual do Sesc Minas Gerais. Atualmente, no Sesc Nacional, Fábio desenvolve projetos para todo o Brasil e estabelece diretrizes nacionais para o Cinema e o Audiovisual.

ODC – Conte sobre sua experiência de formação no curso do Observatório da Diversidade Cultural. Lembra-se de alguma coisa que tenha lhe chamado a atenção?

FB – Primeiramente, gostaria de agradecer pelo convite para relatar um percurso importante na minha vida, em que o Observatório da Diversidade Cultural, pelo qual tenho muito carinho, foi fundamental. Um espaço onde tive a possibilidade de encontrar pessoas que compartilhavam das mesmas inquietações no campo cultural. Vivíamos um contexto completamente distinto da realidade que se apresenta, em que a Cultura estava a plenos pulmões, em ascensão, com desenvolvimento de cadeias produtivas, segmentação de áreas, estruturação de políticas públicas em esferas estaduais e municipais, diversos fóruns participativos e principalmente um aquecimento econômico do setor que abriu muitos empregos e possibilidades.

Foi no ODC que encontrei uma janela aberta para o mundo no qual me senti, pela primeira vez, impelido a pensar meu próprio campo expandido muito além da minha área de atuação. Isso porque, a metodologia adotada acolhia e colocava os alunos como efetivos agentes participativos de um processo teórico-prático de imersão em desenvolvimento e gestão cultural. Do outro lado, nunca consegui enxergar professores no sentido unilateral do conhecimento, mas mediadores-pesquisadores, que sempre nos traziam provocações e debates com o frescor do momento. A partir de temas essencialmente voltados às micropolíticas em toda sua diversidade e complexidade, alcançávamos a expansão de assuntos com mais facilidade, que talvez, como ponto de partida poderia soar abstrato. Não esqueço de uma aula com o José Júnior em que, muito tímido, como ainda sou, me senti confortável para contar sobre minha experiência trabalhando com Audiovisual em um Pontão de Cultura, o da UFMG. Ele achou interessantíssimo, modelou as discussões – que, se não me falha a memória, eram sobre editais – para a perspectiva do Audiovisual. E completou: “Que legal, não sabia disso, vamos conversar mais”. O exercício da escuta, do adaptar e readaptar processos com base na experiência dos alunos, é o que me provocava a retornar no próximo encontro.

ODC – Como a formação nas áreas da gestão e diversidade cultural contribuiu para a sua atuação profissional como realizador e gestor cultural?

FB – Acho que o mais importante foram os caminhos que a formação no ODC revelou. Caminhos antes impensáveis para um recém-formado aspirante a artista. Um conjunto de conhecimentos tão necessário que deveria fazer parte dos currículos de muitos cursos de graduação. Principalmente dos campos artísticos, na perspectiva de ampliar e desmistificar muito paradigmas. No bom português, como colocar os pés no chão, ainda mais para artistas que são sonhadores por natureza – ainda bem que o são. Mesmo inserido no meio enquanto realizador, eu queria conhecer o outro lado: os mecanismos de seleção, as políticas públicas e privadas que estruturavam o setor. Mais ou menos como uma criança que desmonta o relógio para saber como funciona. Isso, na verdade, é um dilema para um artista, porque esse relógio pode parar de funcionar quando é desmontado. E, pelo menos para mim, foi. Pelo menos, por enquanto. Ficou difícil equilibrar a realização com os mecanismos que auxiliam a materialização da realização. Mas são conhecimentos estruturantes principalmente, e inclusive, para artistas que conseguem administrar a própria carreira. Para aspirantes a gestores culturais e trabalhadores da cultura – termo com o qual me identifico mais – são imprescindíveis.

ODC – De que forma você considera que o cinema pode promover a diversidade cultural? Pode nos dar algum exemplo e comentar boas práticas?

FB – Acho que o Cinema/Audiovisual, assim como as demais linguagens artísticas, não só promovem. Nas circunstâncias de cultura ocidentalizada em que estamos inseridos, elas podem sensibilizar e, em alguns casos, potencializar o que nos é inerente enquanto essência humana, que é a livre expressão em qualquer que seja o suporte, considerando nosso próprio corpo como suporte também. Isso toca numa questão muito sensível sobre a ancestralidade dos povos originários que o sistema se esforça diariamente a apagar. Na cosmologia indígena não existe distinção entre vida e arte. Nesse sentido, acho formidáveis metodologias que compreendem o audiovisual como um suporte aberto, uma possibilidade de registro a ser moldada ao contexto, em consideração às práticas culturais e especificidades territoriais. O “Vídeo nas Aldeias” é um formato que se aproxima muito deste conceito. E o Forumdoc que, mais do que uma mostra, considero uma plataforma que brilhantemente e bravamente resiste, apoia, promove e exibe estes formatos. Além da Mostra Sesc de Cinema, que parte de uma construção e realização coletiva, e tem como premissa curatorial a seleção democrática, diversa, transversal e abrangente à todo o território brasileiro.

ODC – Ao longo de sua carreira, você trabalhou tanto como realizador de animações quanto de documentários – como “O retrato das coisas que sonhei” (2012), que apresenta a trajetória do escultor mineiro Geraldo Teles de Oliveira. Como você avalia as diferenças entre o mercado e a recepção por parte do público desses dois gêneros do audiovisual no Brasil?

FB – Em determinado período, poderíamos dizer que Documentário e Animação no Brasil, por uma construção injusta e puramente mercadológica, foram relegados a um posto incômodo e negativo, dada a potencialidade artística e educativa que esses formatos oferecem. Quando a animação, há algum tempo atrás, passou a interessar o mercado, muito pelas leis de cota em TV, mudou um pouco de patamar. Mas ainda é incipiente se considerarmos o retorno econômico, já que, no fim das contas, esse é o lado da balança que pesa mais. Além disso, se ainda somarmos os games, que integram a animação e, pelo menos em conceito, é uma modalidade da linguagem audiovisual, fica ainda mais discrepante. Mas, independente do cenário econômico, a animação, que é uma técnica audiovisual em que é possível realizar qualquer gênero e formato, inclusive documentário, continua a estimular os artistas a tensionar os limites estéticos e narrativos, ou seja, experimentar. Assim como o documentário, é presença absoluta entre realizadores independentes, mesmo sem aporte financeiro, mas por engajamento e amor à realização. O melhor dos mundos seria que engajamento e amor pudessem ser somados à possibilidade real destes profissionais conseguirem se manter e prosperar por meio do seu trabalho.

ODC – A partir da sua experiência, como realizador e coordenador de ações nacionais do Audiovisual no SESC, quais são os principais desafios para o audiovisual independente no Brasil?

FB – São muitos fatores, mas talvez um dos principais seja a melhor articulação do setor. Ainda há assuntos estratégicos debatidos e encaminhados por guetos muito segmentados, enquanto ao nível de políticas públicas, ainda mais em um cenário como o atual, teríamos que, por estratégia, recuar e considerar tudo uma coisa só: o audiovisual brasileiro. Na lógica de que se todos participam, todos se beneficiam. Enquanto não encararmos formação, democratização e acesso como fatores preponderantes da mesma cadeia, tal qual são produção e “distribuição” (com muitas aspas porque também é um setor que sofre com a reserva de mercado das grandes e esmagadoras distribuidoras internacionais, principalmente dos blockbusters), fato é que não conseguiremos avançar nem no melhor cenário.

Há ainda muito o que se fazer para sensibilizar as pessoas para a qualidade do conteúdo nacional. Vencer essa barreira nos exigirá muito mais. Precisamos efetivar mais ações permanentes que contribuam para a profissionalização do setor de forma mais ampliada. É frustrante formar pessoas aqui para trabalhar fora, como é a realidade de muitos profissionais da animação, por exemplo, que pelo simples fato de não haver uma grande demanda nacional, ficam impossibilitados de permanecer em seus territórios, multiplicar e fomentar o desenvolvimento, o que interrompe um ciclo significativo. Força criativa sabemos que não falta.

ODC – O avanço da COVID-19 no Brasil, assim como em outros países do mundo, tornou necessário o fechamento das salas de cinema e cancelamento de inúmeros festivais e eventos cinematográficos. Com isso, o setor audiovisual brasileiro, que já passava por dificuldades, enfrenta uma crise ainda maior atualmente. Como o setor está se adequando a essa realidade?

FB – O contexto de pandemia global provocada pela Covid-19 nos exige um esforço coletivo de repensar e remodelar nossas estratégias. A cultura que se apoia muito no movimento das redes, nos encontros, nas aglomerações já sofre as consequências, porque sabemos de antemão que foi a primeira a entrar e será a última a sair para retomar suas ações. No entanto, é instigante observar um fenômeno cultural neste momento. Há inúmeros relatos e estatísticas que comprovam que a cultura, na inquietude do isolamento, tem sido um dos pilares que sustentam a saúde mental das pessoas, sendo por meio de livros, músicas, filmes, ambientes online que reúnem artistas e profissionais do meio para discutir temas pertinentes à contemporaneidade, e que provocam o desenvolvimento de novas propostas e ações que dialogam com nossa limitação de trânsito, como o Cine Janela em Salvador. É significativo ver na prática esse fator de reinvenção acontecer em tempo presente. Nos caberá somar esforços, fomentar iniciativas e artistas para continuar esse movimento que tem se mostrado, além de muito precioso, um respiro neste momento tão crítico. Como profissional atuante no meio, sigo pensando formas de contribuir com o setor na perspectiva de um cenário emergencial que terá ainda um período de transição para um “novo normal”. O que na prática significa ações de curto, médio e longo prazo.

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